domingo, 14 de novembro de 2010

A importância da gestão de riscos e custos na pecuária de corte

O boi é commodity. Na verdade, a arroba é commodity, e commodity é um produto primário, que não passa por muita industrialização, produzido e transportado em grandes volumes.
A tendência, no longíssimo prazo é a perda de valor real do produto. Observe o gráfico.
Gráfico 1. Evolução dos preços reais (corrigidos pelo IGP-DI) da arroba do boi gordo em São Paulo


Fonte: Instituto de Economia Agrícola/XP Agro

De acordo com o IGP-DI, desde a criação do Real a inflação foi de 416%.
O custo da pecuária, de alta ou baixa tecnologia, subiu muito acima disso, em torno dos 550%, enquanto o boi em São Paulo subiu 420% no mesmo período. Entretanto aqui vale uma ressalva.
Até antes da entressafra deste ano a alta do boi gordo somava 300%, a estilingada dos preços para cima trouxe o valor da arroba a patamares recordes historicamente, melhorando as margens pontualmente.

Sendo assim, fica claro que os custos variaram acima da inflação. O boi, por sua vez, subiu praticamente o mesmo que a inflação. Levando em conta os custos, houve perda de margem real.
De 1970 até hoje, um pecuarista que manteve a escala de produção viu sua receita diminuir. Ele precisaria ter mais que dobrado a produção para apenas manter a mesma receita. Para manter o resultado, teria que ter aumentado ainda mais a escala, pois precisaria compensar também o aumento de custo.

Caminhamos para o aperto das margens, que tende a se agravar ao longo dos anos, por conta do aumento das pressões econômicas, das pressões sócio-ambientais e das exigências de mercado.
Sendo assim, são necessárias medidas para se manter na atividade e garantir que os resultados no longo prazo sejam positivos.

O pecuarista não exerce influência na formação dos preços pecuários. Ele pode, porém, tentar aproveitar ou se antecipar a movimentos de preço mediante análise de mercado.
No entanto, sobre os custos de produção, ele pode e deve exercer influência. Para tanto, algumas ações se fazem necessárias:

- Análise de mercado. É através da informação que se torna possível enxergar o rumo da atividade.
Deve-se procurar informações e dados fidedignos e atualizados. Na maioria das vezes, informações erradas ou defasadas mais atrapalham do que ajudam, ou seja, não servem para nada.

É importante observar como anda o ciclo pecuário. Sabe-se que é difícil acertar com precisão o momento de virada do ciclo, mas inserir-se nele ajuda na tomada de decisões de longo-prazo.
Informações como o PIB do setor agropecuário, principalmente o de insumos, o abate de matrizes, o preço do bezerro e a sua relação de troca com o boi gordo também são importantes indicadores.

É interessante observar a diferença entre os preços pagos pelo boi e as cotações da carne no atacado e no varejo (spreads). A análise destas diferenças ajuda a evidenciar qual segmento está ficando com a melhor margem
Gráfico 2. Valores nominais da Arroba do boi gordo, equivalente físico e spreads no atacado sem osso – R$/@


Fonte: Cepea/IEA/XP Agro

Observe que mesmo durante a crise de 2008, o valor recebido pelo mercado atacadista de carne sem osso, que é sempre mais alto em relação à arroba e ao equivalente físico (valor recebido pela carcaça, apenas), se distanciou ainda mais do preço pago pelo boi.
O preço do atacado recuou 2,5%, enquanto o boi e o equivalente físico caíram 10,8% e 8,6%, respectivamente.
Entretanto, no mesmo período, observa-se que o maior impacto ocorreu sobre o volume e o valor pago pela carne bovina exportada, o que abalou fortemente a saúde financeira dos frigoríficos exportadores. Observe a tabela:


Fonte: Cepea/IEA/MDIC/XP Agro

Para desenvolver a análise dos diversos indicadores de mercado, é necessário atenção ao mercado e disciplina para a coleta e organização de informações, caso você não possua uma plataforma com dados históricos disponíveis (Broadcast, Bloomberg, etc).
Nenhuma análise é viável sem que se tenha uma boa série de preços. Na falta desta série, a análise não teria suporte.
- Tecnologia. Outro ponto importante é a aplicação de tecnologia objetivando o aumento de produtividade por área, a fim de ampliar as receitas, diluir os custos fixos, aumentar a eficiência do uso dos recursos naturais e liberar áreas para a agricultura.
Observe a tabela:


Fonte: FAOStat/XP Agro

De acordo com a simulação, considerando um rebanho estático, se a lotação animal dobrasse, seria possível liberar 98,5 milhões de hectares de pastagens para outras culturas ou atividades, mantendo a mesma produção em uma área menor.

Além da importância do aumento de produtividade por hectare, a liberação de áreas para a agricultura abre oportunidades para remunerar melhor o negócio em uma propriedade.
Onde antes havia apenas pecuária, a produção passa a incluir a agricultura ou reflorestamento, dependendo do caso.

- Gestão, com a função de integrar todos os recursos, conhecimentos técnicos e esforços humanos objetivando a maximização dos resultados.
A gestão de custos, a administração de propriedade e a utilização de ferramentas de proteção às oscilações de preços são fundamentais para atingir esse objetivo.

Vale destacar também que é necessário, para um bom sistema de gestão de risco de preço, aliar a análise de mercado à gestão dos custos de produção. Principalmente quando um dos objetivos é o hedge (seguro de preços) no mercado futuro.

Há grande importância em se planejar a atividade tomando como base os custos de produção, principalmente à medida que vai se aportando tecnologia. Quanto maior o nível tecnológico, maior a necessidade de proteção do risco.

Observe a simulação do custo de produção de uma cabeça confinada no início do segundo semestre de 2010, quando ninguém apostava que o boi chegaria a valer mais de R$100,00/@ em São Paulo:



Mesmo com o mercado ainda longe do topo, o conhecimento dos custos possibilita o planejamento do limite de preço que poderá ser pago pelo boi magro, além de dar possibilidade ao planejamento da margem de lucro.

Para os que consideram a possibilidade de se proteger, é interessante observar o preço do contrato outubro em junho quando comparado ao mercado físico, atingido em outubro.
Na maioria das vezes, é possível tirar melhores resultados em relação àqueles praticados no mercado físico. E mesmo que isso não ocorra, o importante não é acertar o pico, mas sim proteger-se e garantir margem de lucro.
Ao longo dos anos, o mercado futuro tem sido uma boa forma de remuneração na maior parte das vezes.

Com exceção de 2002 e 2006, o mercado futuro mostrou oportunidade de ganhos mais altos do que o mercado físico. Para 2010, até este momento a BM&F ainda não conseguiu alcançar o patamar do mercado físico, mas já deu boas oportunidades de proteção de preços.
De toda forma, houve 78% de chances de ganhar mais se protegendo através do mercado futuro do que especular aguardando o resultado do mercado físico.

Gráfico 3. Comparação entre os picos de preços no mercado futuro e no mercado físico ao longo dos últimos anos. Em R$ nominais /@


Fonte: BM&F/IEA/XP Agro

- Organização e imagem. Finalmente, mas igualmente importante, é a organização do setor.
Somente defendendo a imagem da pecuária, através da melhoria do ambiente de negócios (incentivos fiscais, desoneração, etc), marketing institucional, aumento do poder de negociação, etc. será possível mudar a imagem da carne brasileira e aproveitar ao máximo a competitividade que o Brasil possui.

Resumindo, a atividade pecuária enfrenta diversos desafios, entretanto, o Brasil é extremamente competitivo perante seus concorrentes. E isso significa que há grande necessidade de organização e otimização dos recursos para aproveitar esse potencial ao máximo.

Com uma boa estratégia, análise de mercado eficiente e ferramentas de gestão de risco, a promessa de uma atividade bem remunerada e de margens melhores não fica assim, tão distante.

FONTE: Lygia Pimentel, médica veterinária e especialista em commodities pela XP Agro

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