quinta-feira, 17 de março de 2011

BOI GORDO – Lygia Pimentel

A história do boi gordo

A pecuária bovina chegou ao Brasil com os primeiros imigrantes portugueses, ainda na primeira metade do século XVI.

Hoje, o país tem o maior rebanho bovino comercial do mundo, com aproximadamente 200 milhões de cabeças, distribuídas em 2 milhões de estabelecimentos rurais, que ocupam 180 milhões de hectares.

Ou seja, a pecuária é uma atividade de grande importância para o nosso país. Entretanto, não é exatamente essa a história que eu queria contar sobre o boi gordo, mas sim a história sobre esse mercado.

Contar essa história faz com que fique mais fácil enxergar o futuro, ou seja, a direção para a qual o mercado vai.

A série histórica mais longa que tenho de preços da arroba do boi gordo começa em 1945. Os dados são do Instituto de Economia Agrícola, o IEA, em continuação com os dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, o Cepea, e outros coletados pela equipe agrícola da XP Agro.

Assim conseguimos a sequência mais longa possível de preços, como mostra o gráfico abaixo:
O gráfico nos ajuda a enxergar que os preços do boi movem-se em ciclos que duram alguns anos e trabalham em fases: alta, estabilidade e baixa.

No Brasil, essas fases também têm uma duração média dentro da qual trabalham. No país, os ciclos pecuários duram, historicamente, algo em torno de 6 a 9 anos, com 3 a 4 anos de baixa e 3 a 4 anos de alta, intermediados por uma fase de estabilidade, que pode ser de 1 a 3 anos.

Há ciclos que fogem dessa regra.

Tá, mas o que estabelece esse padrão? Simples. A psicologia do mercado atrelada à dinâmica do mercado do boi gordo.

Vou traduzir: em anos de preços em alta, o pecuarista tem margem para investir na produção, isto é, aplica novas tecnologias, compra mais terras, retém fêmeas, entre outras atitudes motivadas pela necessidade de aumentar a produção.

E esse aumento da produção, de fato, ocorre. Por isso, depois de alguns anos, a oferta gado e de carne aumenta, deixando o mercado saturado. Os preços, então, começam a cair e tem-se o fim da fase de alta e o início da fase de baixa.

É aí que o pecuarista reduz o uso de tecnologias, insumos e aquisição de novas áreas. O objetivo é diminuir os custos de produção, postergando investimentos. Quando não é mais possível realizar esses cortes, ele acaba refugiando-se na venda das matrizes para manter o caixa no azul.

Em um primeiro momento, esse abate de fêmeas dá ainda mais força ao movimento de baixa, já que a oferta de animais para abate também aumenta. Mas o efeito disso é sentido nos anos seguintes, quando os bezerros das fêmeas abatidas não são mais produzidos. Naturalmente a redução da oferta de bezerros acaba por pressionar também, negativamente, a oferta dos animais das eras seguintes, até faltar boi para abate.

A primeira indicação de que a produção de animais está reduzida aparece no preço do bezerro. As cotações começam a subir concomitantemente a um boi gordo em baixa/estabilidade.

Dentro de algum tempo, o valor da arroba do boi gordo começa a se recuperar pela redução da oferta, dando início a um novo ciclo pecuário.

Explicado o comportamento histórico do ciclo dos preços pecuários, vamos analisar o panorama atual do mercado dentro dessa lógica.

Bom, após um recuo das cotações ocorrido de 2002 ao início de 2006, época em que o produtor “reduziu a marcha”, a entressafra daquele ano deu início ao atual ciclo em que nos encontramos.

De junho de 2006 e fevereiro de 2007, o preço do boi gordo subiu fortemente em praticamente todo o país.

A virada do ciclo anterior começava a dar pistas em 2004 e 2005, através do aumento da participação das fêmeas nos abates, além da redução dos investimentos na pecuária.

Essa redução dos investimentos é refletida pela diminuição do PIB (produto interno bruto) do setor de insumos agropecuários. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, de 2002 a 2006 o abate de vacas cresceu 135% enquanto o abate de bois aumentou bem menos, “apenas” 25%.

Esse era um sinal de que os preços baixos realmente levavam o produtor abater suas fêmeas de maneira forçada naquele período.

No período da virada o preço do boi estava caindo devido à ocorrência da febre aftosa no Mato Grosso do Sul (2005) e aos efeitos da gripe aviária, cuja sobra de frango no mercado interno acabou por pressionar a cotação da carne bovina.

Mas o bezerro continuava com preços firmes. Queda de rentabilidade, que resulta em abate de fêmeas, que resulta em redução de bezerros, que resulta em redução de bois gordos prontos… a lógica do mercado prevaleceu.

No início de 2007 o mercado mostrou que se encontrava em uma nova fase. O boi atravessou o primeiro semestre (período de safra) com firmeza no mercado. Nessa época, embora não seja regra, geralmente os preços recuam.

Em 2008, o mercado prometia, mas a crise internacional veio e deu um “corte” na intensa alta que era anunciada para a entressafra. Os frutos da recessão também foram colhidos em 2009.

Enquanto isso, a retenção de fêmeas continuou. Observe o gráfico 2:
Hoje já podemos contar quatro anos de retenção de fêmeas (início em 2006). Os preços do boi gordo ainda não começaram a recuar. Na verdade, eles passam por uma fase de estabilidade.

O bezerro, em contrapartida, segue um pouquinho menos sustentado, o que fez melhorar a relação de troca nos últimos meses. Mesmo assim, a relação de troca ainda está em patamares considerados elevados.

Quando a cotação dos bezerros começar a recuar de maneira considerável, é o momento em que o pecuarista deve realmente se preocupar, caso não tenha feito ainda os preparativos para “aguentar” a fase de baixa do ciclo que está por vir.

Essa outra história que contei sobre o boi gordo serve para mostrar que os preços alcançaram um novo patamar, mas já observamos mais de quatro anos de alta.

Como os ciclos pecuários, historicamente, têm duração de 6 a 9 anos, sendo 3 a 4 anos de baixa e 3 a 4 anos de alta e alguns intermediários de estabilidade, a fase de alta do atual ciclo de preços pode estar muito próxima do fim.

Pode-se esperar preços firmes para 2011, mas a luz amarela já está acesa. Pode ser que essa fase de alta tenha sido alongada pela intervenção da crise de 2008, que abortou a forte alta esperada (e iniciada) no período, e pelo forte crescimento dos países emergentes, que trouxe aumento da demanda por alimentos, inclusive aqueles de melhor qualidade (carnes). Entre eles, inclui-se o Brasil.

E deve-se levar em consideração que com os juros baixos, e o aumento do poder de compra, o consumo de carne bovina cresceu além da média bem em cima de uma forte crise de oferta. A inflação acompanhou o aumento do consumo, ou seja, mesmo com preços estáveis, a rentabilidade do produtor pode ser “abocanhada” pela alta dos custos de produção.

Enfim, fatores como aumento da demanda e queda de investimentos podem mexer com a duração das fases do ciclo, mas isso não impede que ele continue a exercer sua força sobre o mercado mais cedo ou mais tarde. Esses são pensamentos de longo-prazo que nos ajudam com as preparações para aguentar os períodos ruins, criando “gordura” nos momentos favoráveis. E só assim, jogando contra o ciclo, é que torna-se possível tirar alguma vantagem do mercado.

FONTE: www.agroblog.com.br/ autor Lygia Pimentel

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