quarta-feira, 27 de abril de 2011

Conheça o empresário mais misterioso do Brasil

Apontado como o maior dono de terras do Uruguai e um dos maiores exportadores de calçados da China, Ernesto Corrêa vive recluso

Alexandre de Santi, de Porto Alegre especial para o iG


Ernesto Corrêa, em uma foto de 2002: discrição e negócios milionários
Foto: Nauro/Agência RBS
Ernesto Corrêa, em uma foto de 2002: discrição e negócios milionários
Ernesto Corrêa da Silva Filho levou quase oito anos para transformar o frigorífico Pul, unidade de uma modesta cooperativa uruguaia, no mais cobiçado abatedouro da América do Sul. Esta seria apenas mais uma história de sucesso de um empreendedor brasileiro no Exterior se o nome do empresário gaúcho não estivesse associado ao negócio. Atrás de um muro que tenta protegê-lo dos holofotes, Corrêa comanda negócios nas mais diferentes áreas há mais de três décadas, sempre chamando a atenção pela taxa de sucesso e diversidade dos seus empreendimentos.

O gaúcho fez fortuna no setor de calçados no Brasil e na China, se destacou na pecuária, é o principal investidor de negócios como a rede de hotéis Intercity, dono do banco Topázio, a rede de pagamentos eletrônicos GetNet e a administradora de cartões e serviços corporativos Embratec Good Card, mas nunca havia atuado na ponta final da cadeia da carne até 2003, quando desembolsou US$ 7 milhões por 75% do frigorífico da cooperativa de pecuaristas (Productores Unidos Ltda - Pul).

Em janeiro último, o grupo paulista Minerva comprou o frigorífico uruguaio por US$ 65 milhões, lance considerado estratégico para observadores do setor: com rentabilidade em alta, o Pul era uma das joias do continente, próximo a um rebanho de alta qualidade. Cerca de 85% da produção do frigorífico é exportada, incluindo mercados nobres como União Europeia e Estados Unidos.

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O empresário mais que dobrou a produção e transformou a antiga marca da cooperativa em sinônimo de carne de primeira. Se o capricho neste e nos demais negócios fez de Corrêa um dos empresários mais ricos do Brasil, será difícil saber. Mas é certo que poucos brasileiros se destacaram em áreas tão distantes quanto a indústria calçadista e o mercado agropecuário, setores que, em semelhança, compartilham apenas o couro.

E poucos foram tão arredios à notoriedade que costuma acompanhar os empreendedores bem sucedidos. Já foi dito que Ernesto Corrêa é o maior exportador de calçados na China, uma marca impressionante, levando em conta que o gigante asiático se tornou o maior fabricante e maior vendedor mundial de pares. Corrêa também seria o maior proprietário individual de terras no Uruguai, dono de uma das mais modernas estâncias de todo pampa, português ou espanhol.

Eike Batista às avessas

Se alguma dessas alcunhas é verdadeira, o próprio empresário não confirma. Ao contrário de Eike Batista, um bilionário que, como Corrêa, estende seus tentáculos em operações que vão da mineração à hotelaria, mas não descuida da presença na mídia, o gaúcho despende igual energia em duas prioridades: cuidar dos negócios e se manter anônimo.

Corrêa não dá entrevistas e não existem estatísticas ou balanços que possam comprovar a dimensão dos negócios do empresário no Brasil, na China ou no Uruguai. Ao longo de quatro meses, o iG procurou amigos e pediu que a assessoria de imprensa da rede Intercity encaminhasse um pedido de entrevista com o empresário para poder contar a história desse curioso personagem da vida empresarial, pivô de uma transformação histórica do polo calçadista brasileiro. A resposta foi a mesma: Corrêa nem sequer responde pedidos para falar com a imprensa, e os amigos se sentem incomodados em interceder. Aqueles que concordaram em falar pediram o anonimato.

Como tudo na vida do empresário, da idade (cerca de 70 anos) à extensão dos negócios, pouco se sabe o motivo exato pelo qual Corrêa decidiu vender o frigorífico. Sabe-se apenas que, sob sua gestão, o Pul saiu de uma posição modesta, no início da década, para conquistar admiração de pessoas como o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abeic), Antonio Jorge Camardelli.

“O Pul é um dos poucos frigoríficos realmente rentáveis dos últimos anos. Cresceu muitíssimo depois que o Ernesto adquiriu, passou por uma modernização muito grande, um dinamismo empresarial, com recursos técnicos e investimento, a ponto de ser cobiçado por muita gente”, avalia Camardelli.

Com o dinheiro dos calçados, Corrêa comprou terras próximas à fronteira do Uruguai. Segundo um amigo, a fuga para o pampa era uma forma de diversificar os negócios, mas também combinava com o estilo quieto e observador do empresário. “Tu vai falar com ele e ele fica só te olhando e escutando. Ele é muito quieto, mas não é nada de timidez. O Ernesto não era assim, mas foi mudando com o tempo”, conta outro amigo do meio empresarial que convivia com o empresário antes da mudança para o Uruguai.

Corrêa não tinha pecuaristas na família. Mas o empresário se afeiçoou ao hobby e criou umas das mais modernas e bem gerenciadas estâncias do Brasil, a Ana Paula - nome de uma das filhas. “O Ernesto é um sujeito muito perfeccionista”, conta o amigo.

No pequeno município de Hulha Negra, a 30 quilômetros de Bagé, a cidade “grande” mais próxima, o empresário construiu um recanto isolado, onde podia sair para caminhadas pacatas em volta da propriedade de 15 mil hectares, que incluía um lago artificial. Não poupou dinheiro para transformar a estância num exemplo.

Antes da internet em banda larga, antes do Skype, Corrêa conversava pelo computador diariamente com o filho Ricardo, que se mudou para Dongguan para comandar a Paramont. “Ele tem o que existe de mais moderno em comunicação”, conta um dos amigos, que se impressionava com os equipamentos da estância, tecnologia que nunca combinou com o estilo rústico do gaúcho.

Disputa com o MST

A opulência da Ana Paula, cuja marca se transformou em carimbo de carne de qualidade, chamou a atenção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Corrêa queria mostrar que era possível levar a tecnologia e o sistema empresarial ao pampa. O empreendedor vinha fazendo um trabalho pioneiro na pecuária gaúcha, desenvolvendo o método do abate de novilhos precoces, garantia de carnes macias e saborosas.

“Vendeu 15 mil hectares no Brasil e comprou cerca de 110 mil hectares de terras no Uruguai
Com 14 mil cabeças de gado, segundo relatos dos jornais da época, a propriedade, no entanto, virou alvo de invasões. Amigos relatam que Corrêa se queixava do constante roubo de gado e de materiais. “A Ana Paula era referência mundial. Na época, o governo gaúcho não deu suporte para ele. O roubo era de manhã, de tarde e de noite, e ele não aguentou. Irritado acho que ele não ficou. Acho que saiu daqui desiludido”, conta o amigo pecuarista. Houve um tempo em que Corrêa mantinha seguranças munidos de aparelhos de rádio nas porteiras.

“O desgosto na época foi muito grande. Ele se desgostou do Brasil. Ele disse algo assim: ‘se aqui é assim, invadindo terras, vou fazer o mesmo fora daqui’. É um cara visionário”, contra outro amigo. Em 2002, Corrêa vendeu os 15 mil hectares em Hulha Negra e comprou terras do outro lado da fronteira, eventualmente chegando aos 110 mil hectares no país vizinho, área equivalente a 0,56% do Uruguai. O rompante do empresário que desistiu do país e acusou derrota para os sem-terra rendeu notícias e se transformou na principal passagem de Corrêa pelos jornais de Porto Alegre – a foto que ilustra esta reportagem foi tirada naquela ocasião.


Foto: ReproduçãoAmpliar
Balneário de Punta del Este, no Uruguai: refúgio do milionário brasileiro
Vida nova no país vizinho

No Uruguai, estabeleceu residência próxima à cidade de Lascano. Desgostoso do clima empresarial no Brasil, depois de mover os negócios para a China e para o lado hispânico do pampa, contornando o instável clima empresarial que atormenta a classe empreendedora brasileira, Corrêa se tornou cidadão uruguaio. Fora de Lascano, frequenta um apartamento de frente para o mar em Punta Del Este, próximo ao casino do hotel Conrad, no centro do balneário, embora raramente apareça nas ruas ou em restaurantes. “Ele quase não vem para o Brasil. Não aparece em lugar nenhum”, conta um amigo.

Corrêa pouco aparece na China também. Um funcionário que trabalhou na Paramont por sete anos viu o empresário somente algumas vezes em DongGuan. “Em sete anos, vi ele três vezes. Os contatos dele são todos pelo computador”, diz o ex-funcionário. “Só apareceu para umas festas”, acrescenta. A generosidade e o clima profissional da companhia foram os atrativos que levaram cerca de 200 brasileiros para trabalhar no escritório da Paramont em Dongguan.

Uma nutricionista, por exemplo, cuidava do cardápio dos brasileiros para reduzir o choque com cultura local. Em 2005, numa das festas da Paramont, todos os funcionários - brasileiros e chineses - ganharam uma excursão para visitar o parque da Disney de Hong Kong. “Todo mundo queria trabalhar para a Paramont. Eles tinham muita moral com os chineses. Hoje, não é mais assim. Tem outras empresas”, diz o ex-funcionário.

Em Porto Alegre e Campo Bom, onde ainda vive parte da família, Corrêa é visto ainda mais raramente. “Ele é um dos investidores. Não aparece muito aqui”, afirma Alexandre Gehlen, diretor-geral da rede Intercity de hotéis, sediada na capital gaúcha. “Sempre foi muito low profile. Não circulava nunca”, afirma um amigo pecuarista. A cultura discreta contaminou a família.

O ex-funcionário da Paramont lembra que o filho Ricardo dizia que já não gostava mais de voltar ao Brasil. Na China, tinha segurança e a garantia de anonimato. Em 2006, a revista “Veja” publicou uma grande reportagem sobre os brasileiros que estavam se dando bem entre os chineses.

Ricardo foi citado como um dos bons exemplos, mas o filho de Ernesto teria ficado incomodado com a exposição. Os amigos de Corrêa não sabem apontar uma única razão para o isolamento do empresário e da família. Se houve algum trauma além da relação conflituosa com o MST, nenhuma fonte ouvida pelo iG deu alguma pista.

No Uruguai, mesmo sem aparecer, sua presença não é ignorada. Pelo contrário: intelectuais e políticos do país acompanham os passos de Corrêa e de outros empresários que passaram a investir no Uruguai nos últimos anos. Paira o medo de alguns de que o país esteja sendo “vendido” a estrangeiros.

Em julho, uma notícia sobre a morte de cinco pessoas numa estrada próxima a Lascano deu a dimensão da influência de Corrêa no país. Além do poder econômico, o gaúcho virou ponto de referência geográfica. Assim noticiou o diário “El Pais”: “A 15 quilômetros a leste da cidade de Lascano e a três quilômetros de ValleLuna, estabelecimento de Ernesto Corrêa, o veículo saiu da estrada, capotou e acabou por ficar com as rodas para cima em uma vala profunda."

FONTE: IG

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