terça-feira, 26 de abril de 2011

Desafios da Pecuária de Corte


Maurício Palma Nogueira, eng. agrônomo e diretor da Bigma Consultoria
mauricio@bigma.com.br
Reprodução permitida desde que citada a fonte
Quando compilamos os dados de diversos órgãos oficiais em relação às demandas futuras de carne bovina, nos deparamos com uma situação assustadora: É provável que o rebanho mundial não seja suficiente para atender a demanda por carne.

Apesar de assustadora, a situação nos coloca numa rota desafiadora para a bovinocultura de corte dos próximos anos. Tanto no Brasil, como na média mundial, o mercado pressionará por um aporte tecnológico num ritmo nunca antes vivido pela pecuária. Ou é assim, ou não teremos como ofertar a carne que o mundo deseja.

O funcionamento do mercado é simples. O consumidor pressiona o consumo, valorizando o mercado de carne no mundo todo. Com isso, preços internacionais ficam em alta, como vem ocorrendo, num ambiente inflacionário.

Os preços atrativos e as perspectivas de mercado pressionam por investimentos no setor que resultarão em aporte tecnológico. Com todas as pressões ambientais, a opção para atender a oferta é tecnológica, haja vista que a área para a produção agropecuária deverá até aumentar ainda mais no futuro; porém num ritmo bem inferior do que o observado em anos anteriores.

No caso da pecuária brasileira, estima-se até que haja redução da área total, conforme temos visto nos últimos anos. A saída que resta é a aplicação de tecnologia.

Na produção pecuária, podemos dividir a aplicação de tecnologia em dois grupos: agronômico, relacionado ao suporte por área e zootécnico, relacionado ao desempenho animal.

Mantendo o foco da análise apenas no ganho zootécnico de tecnologia, a Bigma Consultoria estimou o acréscimo necessário do rebanho mundial para os próximos anos, nos períodos de 2015 a 2050.

A soma da melhoria de todos os indicadores zootécnicos levam, necessariamente, a um aumento do desfrute em qualquer rebanho. Desfrute é o número de animais abatidos dentro de um ano, quando comparado ao rebanho médio total.

Observe o resumo da estimativa na tabela 1.

Os dados da tabela 1 são os mesmos divulgados por diversos consultores e institutos, em análises e palestras. A diferença é que transformamos crescimento em porcentagem da produção de carne para animais abatidos e rebanho base. E reunimos as projeções para países desenvolvidos e subdesenvolvidos, possibilitando visualizar uma perspectiva global para o consumo de carne no futuro.

Tabela 1.
Evolução da produção, abate, rebanho e desfrute do rebanho mundial


* toneladas de equivalente carcaças
Fonte: Bigma Consultoria com dados da OECD/FAPRI/FAO/USDA/ODD Consulting

Considerando que o peso da carcaça média no mundo todo seja de 230 kg, a produção de 57 milhões de toneladas de equivalentes carcaça em 2010 teria demandado um volume de 249,2 milhões de bovinos abatidos no ano.

E assumindo rebanho bovino mundial de 1,35 bilhão de cabeças, o desfrute anual em 2010 estaria por volta de 18,5%.

Voltando à compilação de diversas análises e dados da demanda internacional por carne bovina, observa-se que a produção teria que aumentar gradualmente até atingir os quase 86 milhões de toneladas de equivalente carcaças em 2050. E há estimativas apontando 100 milhões de toneladas para 2050.

Se houver acréscimo tecnológico na taxa média de desfrute na ordem de um ponto porcentual, por período, até 2050, entre rebanho e animais para abate, o total de bovinos teria que aumentar 390,9 milhões de cabeças. Um acréscimo de 25% ao total de 2010.

Olhando para mais perto, até 2020, a pecuária mundial precisaria aumentar 100,1 milhões de cabeças para atender o abate e o aumento do próprio rebanho. Trata-se de um aumento de 6,7% em pouco menos de 10 anos, num mercado que irá competir por terras, recursos naturais, insumos e mão de obra.

Para se ter uma ideia de grandeza, o Brasil abate algo em torno de 44 milhões de cabeças ao ano, com um rebanho em torno de 205 milhões de bovinos, entre leite e corte. As projeções da OECD, também compiladas pela Bigma Consultoria, apontam aumento, só do abate brasileiro, em quase 12 milhões de cabeças até 2020.

Aumentar um ponto porcentual na taxa média mundial de desfrute, em 10 anos, parece pouco mas não é. Seria uma revolução nas fazendas de gado do mundo, especialmente em países de grande destaque, como é o caso do Brasil.

Nestas localidades, de grande importância, a pecuária seria tão incrementada tecnologicamente que em muitos casos não se pareceria em nada com a praticada atualmente.

Quem conhece a rotina da pecuária, sabe da dificuldade em promover tal crescimento de rebanho e de produtividade em uma década. As dificuldades maiores são de ordem financeira. Se em um projeto, dentro de uma propriedade, já é complicado, imagine na média global da pecuária?

Por isso que se pode dizer que regiões de importância já consolidadas na bovinocultura, como é o caso do Brasil, o cenário dos próximos anos é de grandes oportunidades e grandes mudanças. É consolidar ou perder oportunidades.

Bom, tudo que foi dito resume apenas o desafio zootécnico. Se considerarmos também o desafio agronômico, aí sim desenharíamos toda a revolução tecnológica que está por vir. Todo o ganho zootécnico deverá acontecer em áreas cada vez menores, proporcionalmente, destinadas à bovinocultura de corte.

Em outras palavras, a eficiência para a produção de carne deverá aumentar consideravelmente, permitindo que o processo tecnológico todo se consolide. E, evidentemente, que diversos outros componentes tecnológicos atuarão concomitantemente, como o aumento do peso médio das carcaças, por exemplo.

O grande maestro dos acontecimentos será o mercado. Ao longo dos anos, através de preços e da atratividade da atividade, a implantação tecnológica irá acontecendo.

Porém, mesmo diante deste cenário, não dá para se iludir com relação ao mercado. Durante os anos a pecuária de corte deve viver altos e baixos, que serão causados por crises, períodos de abundância e períodos de escassez. Tudo isso acontece num ambiente imprevisível cujas variáveis vão de políticas monetárias até as climáticas.

Produtores rurais e frigoríficos precisam se preparar para este cenário, turbulento e encorajador ao mesmo tempo. Os anos vindouros prenunciam grandes mudanças. Cabe ao empresariado garantir que essas mudanças sejam positivas.

FONTE: BIGMA CONSULTORIA

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