sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Sadia e Perdigão têm cinco meses para virar uma só

O executivo José Antônio Fay, presidente da Brasil Foods, preferiu não acompanhar de perto o momento que colocou um ponto final à saga de dois anos que envolveu a fusão entre Perdigão e Sadia.

Na véspera do julgamento do caso no Cade, órgão máximo de defesa da concorrência, marcado para o dia 13 de julho, ele ficou até o final da tarde fechado numa sala da autarquia, em Brasília, para finalizar as negociações com um grupo de conselheiros e embarcou num avião da capital federal de volta a São Paulo.

No dia seguinte, de seu escritório, ouviu ao lado de nove de seus vice-presidentes o julgamento, em transmissão pela internet. Além do significado simbólico de estar junto de sua equipe, a presença do executivo na sede serviu para sinalizar o ritmo - acelerado - que pretende imprimir na nova fase da companhia. "Definimos uma rotina de trabalho para que possamos ser uma só empresa até dezembro", diz.

Fazer das duas uma só empresa não será tão simples quanto tirar da gaveta um amplo projeto realizado pela consultoria McKinsey em março de 2010.

No plano, que não previa as restrições impostas pelo Cade, uma análise das operações resultou num conjunto de 220 ações para unificar as empresas.

Metade delas já saiu do papel antes mesmo da aprovação do negócio, em áreas como a de compras de matéria-prima - tudo com autorização do Cade.

Como o acordo firmado com a autarquia obriga a venda de um pacote de 12 marcas e dez fábricas até julho de 2012 e a suspensão por até cinco anos de 15 linhas de produtos da Perdigão, o novo desenho da operação vai exigir adaptações.

Para cuidar delas, em julho um grupo de 30 executivos formado por diretores e gerentes de todas as áreas foi destacado para comandar essa maratona - sob a supervisão de Fay, que deverá se reunir a cada 15 dias com a equipe até o fim deste ano.

A integração entre Sadia e Perdigão, que desde o segundo semestre de 2009 já publicavam um só balanço e eram negociadas na Bovespa sob uma única ação, estava avançada apenas no topo da pirâmide. A BRF tem um primeiro escalão unificado - composto de dez vice-presidentes, que se reportam a Fay - há mais de um ano.

Da diretoria para baixo, cada empresa manteve uma equipe própria até hoje. O time de diretores da Sadia, porém, encolheu drasticamente nos últimos dois anos. Com uma debandada após o anúncio da fusão, o grupo original foi reduzido quase à metade, de 20 para 12 diretores.

Os que permaneceram passaram a acumular funções e, com a integração, voltarão a responder por uma única área na nova empresa - de modo que todos deverão permanecer na nova estrutura. Junto com essas mudanças, reestruturações físicas já começam a acontecer.

Desde o início do ano, as estruturas de Perdigão e Sadia ocupam o mesmo prédio - mas cada empresa em andares independentes. Neste mês, os profissionais das mesmas áreas passam a trabalhar fisicamente juntos e não será mais possível diferenciar quem era da Sadia de quem era da Perdigão.

A equipe comercial e de marketing, que reúne 200 profissionais apenas na matriz, em São Paulo, passará a ocupar um único andar até o fim de agosto.

Uma vez juntas, as equipes terão de enfrentar a maior mudança - a redefinição da área comercial. Além de representar um corte de 13% em seu faturamento, de 22 bilhões de reais em 2010, a venda das marcas mais populares, como Rezende e Wilson - imposta pelo Cade -, diminuirá a versatilidade da empresa para atuar com diferentes posicionamentos de preço.

Em teoria, ficou mais difícil atingir clientes de faixas de renda distintas. Um dos artifícios óbvios para compensar esse desfalque - lançar marcas novas - está proibido por até cinco anos.

A saída da BRF para compensar a perda de receita é acelerar o ritmo de lançamentos de novos produtos com suas marcas remanescentes, Sadia, Perdigão e Batavo. Em junho, a Sadia estreou na categoria de queijos - e esse terá de ser apenas o começo.

Vendedores sem marca - No rearranjo do portfólio, a BRF também terá seu maior desafio para integrar os profissionais da área comercial. A principal incógnita gira em torno dos 550 vendedores - de um total de 4 200 em toda a companhia - responsáveis pelas marcas que serão vendidas.

A empresa se comprometeu a não demitir ninguém - embora haja a percepção dentro e fora da companhia de que redundâncias entre os vendedores são inevitáveis. Outra parte importante será redistribuir a produção de seus 3 000 itens em suas 50 fábricas remanescentes espalhadas pelo país.

Parte desse rearranjo, do qual são esperados cerca de 30% das sinergias totais da integração estimadas em até 500 milhões de reais por ano, já começou. A produção de pizza, antes dispersa em três fábricas, será feita em sua maior parte numa única, no Paraná. O mesmo ocorreu com a fabricação de margarina, em Minas Gerais.

A venda de fábricas, a princípio, não prejudica a capacidade de produção da BRF, já que junto com elas a empresa perde um pacote de marcas e ainda terá de suspender linhas de produtos. A logística, segundo a empresa, não será afetada - a BRF permanece em todos os 11 estados em que estava presente.

Por enquanto, a aprovação pelo Cade foi bem recebida por investidores. Desde o julgamento, as ações da BRF subiram 14%, num período em que o Ibovespa caiu 1,5%.

"As restrições do Cade foram menos graves do que o esperado e já estimamos que 60% da perda de volume com a venda e a suspensão de portfólio deve ser recuperada dentro de apenas 12 meses", afirma Pedro Herrera, analista do HSBC. Uma vez passada a integração, a BRF passará a ser julgada pelo mercado por sua capacidade de continuar crescendo.

Dinheiro para isso não será problema, sobretudo após a venda do pacote de fábricas e marcas, o que deverá trazer até 2 bilhões de reais ao caixa da empresa.

Coordenado pelo banco BTG Pactual, o negócio já tem uma lista de interessados que incluem desde os frigoríficos brasileiros Marfrig e JBS até a americana Tyson Foods.

Para a BRF, os principais alvos devem ser empresas que permitam ampliar a atuação no mercado internacional. "A prioridade é ir atrás de fábricas no Oriente Médio e na Ásia, onde queremos industrializar e vender nossos produtos", diz Fay. "Mas isso só depois de cumprir obrigações de venda e de integração."

FONTE: Revista Exame

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