quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Ano novo, vida velha

Lygia Pimentel é médica veterinária, pecuarista e especialista em commoditieslygia@bigma.com.br
Reprodução permitida desde que citada a fonte
 
Vamos direto ao ponto. Estamos numa sinuca de bico. Não é fácil ver os custos aumentando e o boi em patamar mais baixo quando comparado ao mesmo período do ano passado. Sem falar em inflação. Nem preciso perguntar se alguém reparou em como as coisas estão caras ultimamente.

Como está o mercado hoje frente ao mesmo período do ano passado? Acho que o gráfico a seguir nos diz muita coisa.

Gráfico 1.
Variação dos preços do boi gordo e dos custos de produção. Outubro de 2010 = base 0.

Fonte: Broadcast/Cepea/Bigma Consultoria

O gráfico mostra a evolução até outubro de 2011. Tivemos uma valorização de 6% para o boi gordo em São Paulo, ocorrida em novembro, ou seja, a vantagem dos custos diminuiu, mas mesmo assim, esses 6% não ajudam a zerar a conta.

Sem falar que a alta de novembro foi rápida e teve muita gente que não conseguiu aproveitar.

É isso que desfavorece quem cria boi. Para usarmos o valor exato, hoje temos um boi de R$ 97,00/@ à vista em São Paulo contra um boi de aproximadamente R$ 101,00/@ no mesmo período do ano passado.

Ele perde com os custos (que deixa a produção dele mais cara), perde com a inflação (que deixa o custo de vida dele mais caro) e o boi consegue valer menos do que antes disso tudo acontecer. Puxa vida!

E aí tem muita gente que faz o quê? Engorda fêmea, já que é um animal mais barato. E é aí que acontece uma coisa dessas:

Tabela 1.
Proporção de fêmeas abatidas frente ao total de acordo com os trimestres e sua média de acordo com as fases do ciclo pecuário.

Fonte: IBGE

Comecemos do princípio. Considerando o terceiro trimestre de 2011, a proporção de fêmeas abatidas (entre vacas e novilhas) frente ao total está em 38%.

A tabela nos mostra que a média histórica em fases de alta/estabilidade é de 35%. Nas fases de baixa/estabilidade, essa proporção fica em 37%. No terceiro trimestre das fases de alta, a proporção fica em 33%. Nas fases de baixa, 35%.

Nos primeiros trimestres tanto da fase de alta como da de baixa, a proporção é mais alta: 39%, em média. O motivo é o descarte das fêmeas que repetem o cio após a estação de monta.

Estamos claramente acima da média normal, mesmo considerando um período ruim, em que o abate resume-se em liquidação de plantel na tentativa de fazer caixa, ou seja, semelhante ao que acontece na fase de baixa. Isso prova que 2011 não foi um ano bom em termos de receita. Senão, o que justificaria essa proporção acima da média?

Poderíamos até mesmo pensar em estabilização do rebanho, mas levando em conta o comportamento dos preços e custos de produção evidenciado no gráfico 1, fica claro que o buraco é mais embaixo.

Para piorar, a safra de grãos que esperávamos aqui no Brasil pode decepcionar um pouco. O Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento já estima quebra de 10% para a safra de verão de soja (1,42 milhões de toneladas ou R$ 1,02 bilhão). Para o milho, a situação é ainda pior: 14% de quebra (1,05 milhões de toneladas ou R$ 379,7 milhões).

Os efeitos do fenômeno La Niña, que ocasiona resfriamento das águas do Pacífico volume de chuvas abaixo do normal no Sul do Brasil, estão sendo sentidos pelos agricultores e colocam em dúvida o real potencial daquela que era chamada “super-safra” brasileira.

Sem falar do salário mínimo, que foi reajustado e vai pesar na conta da fazenda. Não tenha dúvidas.

É, pessoal, não tem sido fácil. Principalmente pra quem ainda conta com pastos ruins. Mas hoje vi uma luz no fim do túnel. Foi divulgado o último relatório do Departamento Norte Americano de Agricultura (USDA) sobre demanda e oferta de commodities.

Pra começar, nossos amigos norte-americanos sofreram horrores com o calor e temperaturas recordes registrados no ano passado. Tiveram uma quebra de safra de grãos e forte liquidação do rebanho, o que provavelmente traz mais competitividade ao Brasil, já que com menor oferta por lá, os mercados que podemos substituir vêm comprar carne nossa.

A estimativa para produtividade, área e estoques também foi ajustada de modo a favorecer o a relação de troca para o pecuarista. Pode ser que tenhamos uma oferta que não pressione demasiado os preços dos grãos. É claro que essa conta também depende da demanda.

E aí, faço a ponte: talvez a demanda internacional por carne bovina ajude de um lado e os custos ajudem do outro, o que favoreceria a margem do pecuarista. Claro que além da demanda internacional, temos que contar com a ajuda do dólar e do consumo interno. Também da oferta de animais. Os bezerros daquelas fêmeas retidas entre 2007 e 2010 não podem resolver aparecer agora. E aí é torcer pra esses pontos se conectarem.

Enquanto isso, vamos olhar um pouco para o curto prazo. Alguém aí tem visto o comportamento dos diferenciais de base recentemente?

Gráfico 2.
Evolução dos diferenciais de base em Campo Grande – MS e Goiânia – GO.

Fonte: Broadcast/Cepea

Mineiros, gaúchos, paraenses e pessoal do Brasil afora, não fiquem bravos nem pensem que me esqueci de vocês. Apenas quis comparar um estado tipicamente confinador com outro que possui uma concentração menor de animais de cocho. Não quero dizer que o Mato Grosso do Sul tenha pouco boi confinado, mas sabemos que a arte de confinar pertence aos goianos. Portanto, interessante colocar lado a lado o comportamento dos diferenciais nos últimos tempos.

Ele nos mostra que tá chegando boi de pasto no Mato Grosso do Sul e que acabou o boi confinado em Goiás. Ou seja, preços melhores para os goianos e preços piores para os sul-mato-grossenses. Algo parecido acontece em Minas, o boi de lá se aproximou um pouco do boi de São Paulo.

Aparentemente, tem pouca oferta por lá. Quando o diferencial apertar novamente no Mato Grosso do Sul, os frigoríficos não terão muita opção de compra em volta de São Paulo. Algo para se pensar.

Abraços a todos e até a semana que vem!
 

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