segunda-feira, 19 de março de 2012

Fluxo de margens na pecuária


Rogério Goulart, administrador de empresas, pecuarista e editor da Carta Pecuáriacartapecuaria@gmail.com
Reprodução permitida desde que citada a fonte
 

Confinamento mexe mesmo com o preço do boi? Ao lado temos, em porcentagem, dentro de doze meses corridos, a variação do menor preço para o maior preço do boi, suficiente para pegar os piores preços da safra e os melhores preços da entressafra.

Daí peguei os Estados Unidos, com seus 90% de animais confinados. Peguei o Brasil, com seus 10% de animais confinados. Quer saber? Não tem muita diferença.

Repare como é parecida a oscilação de preços mínimo/ máximo entre os dois países. É óbvio que naquelas semanas críticas de entrega de boi confinado, a pressão é enorme de oferta.

Quem confina tem que estar ciente de que corre um risco de preço nesse período.

Risco de preço (porque pode cair) e risco de base (os preços locais perdem sustentação perante São Paulo). Mas isso, repito, faz parte do jogo. Tem que se programar antes.

Margens da indústria. O mercado percebeu que as margens dos frigoríficos subiram. Seus respectivos papéis valorizaram forte desde seus piores preços no ano passado.

Ao lado.

Renda. Agora vamos falar de uma coisa importante, caro leitor. A gente sabe que carne bovina não é uma coisa tão barata quanto, por exemplo, o frango. O frango é a carne mais consumida no Brasil, e não só no Brasil.

Porém, aí é que é interessante. Mesmo com o frango mais barato, e levando mais frango para casa, a dona de casa acaba, no final, gastando mais dinheiro com carne bovina.

Interessante, não?

Em dinheiro que sai do bolso, o brasileiro gasta mais com bovino que com frango ou suíno.

Ok. Sabemos que a dona de casa gasta mais com bife, mas sabemos quanto, realmente, essa coisa pesa no bolso? Quero dizer, ao longo dos anos, a carne tem ficado mais cara ou mais barata? Sabemos que dependendo da classe social, o consumo aumenta ou diminui.

Você sabe que a média brasileira é de 37 quilos por habitante mas, tenha dó, você e eu comemos muito mais carne que isso durante o ano.

Provavelmente 50% a mais que isso... provavelmente 100% a mais que disso. Provavelmente a grande maioria dos leitores aqui consome muito mais que os 37 quilos anuais que o IBGE marca como média nacional.

Sendo assim, fiz duas comparações. A primeira é quanto a carne bovina pesa em porcentagem do salário para quem ganha um salário mínimo, baseado no consumo médio do IBGE. A segunda comparação é quanto pesa a carne bovina para quem ganha o salário médio real, que mais se assemelha à renda do brasileiro hoje em dia, aumentando em um terço o consumo médio do IBGE.

A ideia é ver se, proporcionalmente ao longo dos anos, a carne tem ficado mais cara ou mais barata para o consumidor final, tanto o que ganha pouco quanto para o que ganha muito.

Lembre-se que esses valores estão proporcionais ao aumento real da renda que o brasileiro teve nos últimos anos, certo?



Veja você como são as coisas. A gente tem a impressão que a carne está pesando mais no bolso ao longo dos anos para o brasileiro. Bom, está, mas está pesando dependendo para qual classe social você está pensando.

Para quem ganha um salário mínimo (hoje 622 reais), surpreendentemente a carne hoje é mais acessível que era dez anos atrás. A carne saiu de um pico ao redor de 12% do salário mínimo para 8% hoje.

Uma expressiva melhora no poder aquisitivo de mais de 30%.

O que não é o caso para quem ganha ao redor do salário médio (hoje 1.700 reais).

Para esse cidadão de classe média, a carne, de fato, está menos acessível do que estava uma década atrás. A carne saiu valendo ao redor de 3% do seu salário mensal para 4% hoje, uma piora de 30%.

Esses são todos números bem pequenos, caro leitor, de 3% para 4%, mas multiplicando isso para a população brasileira você vê o quanto isso é importante de ser notado. Reparou? Para os pobres melhorou 30%, para o resto, piorou 30%.

Mas a boa notícia é que, mesmo assim, a maior oferta de gado relatada pelos frigoríficos está sendo consumida, e veremos que os preços no atacado não ficarão muito tempo onde estão. É por isso que comentei lá em cima sobre as margens dos frigoríficos.

Elas de fato estão melhores, sim. Umas das melhores em muito tempo, diga-se de passagem.

Com a melhora nas margens, o frigorífico ganha maior poder de negociação. Em outras palavras, ganha poder de barganha em relação ao supermercado. Repare nesses dois gráficos abaixo.

Eles mostram o que vale a carne no supermercado em comparação com a arroba (esquerda) e carcaça casada (direita). Repare na melhora das margens relativas da indústria frigorífica através da carcaça.

Quanto mais baixos esses números, melhor para o frigorífico.



O mesmo não podemos dizer do gráfico à esquerda, da arroba e supermercado.

Repare que ainda a margem do varejo está historicamente alta, e continua lá em cima. Repare, para você entender, em 2010. No segundo semestre de 2010 as margens do pecuarista melhoraram, e sabemos que isso foi em decorrência da alta espetacular na arroba naquele período. Depois disso, a coisa se inverteu novamente.

Esse tipo de situação é fácil de ser entendido, porque quanto mais próximo você está do consumidor, mais flexível você tem condições de ser com seus preços. Pode ser uma promoção, uma estratégica terça-feira de preços baixos, ou outra coisa qualquer, o fato é que na média geral, hoje, a situação que temos é de um mercado consumidor aquecido, comprando carnes em preços historicamente altos, como vemos acima, e isso está, de certa forma, pesando no seu orçamento, como vimos na página anterior.

A pecuária é um jogo de margens. A margem sobe e desce na cadeia... indo da cria, recria, engorda, frigoríficos e finalizando nos supermercados. Tudo isso inserido no ciclo pecuário.

O que tivemos até aqui de 2006 até hoje foi uma margem muito boa para a cria e recria e supermercados, enquanto frigoríficos e invernistas seguraram as pontas com margens baixas.

O que está acontecendo, o que está começando a acontecer é o inverso disso. As margens da cria e recria estão retrocedendo, enquanto o invernista e frigoríficos estão vendo suas margens melhorarem.

Mas, melhorarem a custa de quem? Ah, sim, da cria, recria e, importante dizer, do supermercado.

Veja aqui ao lado novamente o comportamento da margem do supermercado e do pecuarista desde o início do plano real. Repare que a coisa oscila, caro leitor.

Não se pode dizer que é sempre subindo ou caindo. Na realidade o que ocorreu foi que as margens da indústria ficaram boas de 1995 até 1998 (4 anos). De 1999 até 2005 (7 anos) favoreceram o pecuarista. De 2006 até hoje (7 anos) favorecem novamente a indústria.

Quatro anos supermercado, sete anos pecuarista, sete anos supermercado.

Vamos tomar um pouco de fôlego aqui e refletir. A carne para a classe média tem pesado mais ao longo dos anos, mesmo com o aumento do salário real. Isso não quer dizer que o consumo tenha diminuído.

Quer dizer que a dona de casa tem que gastar mais dinheiro para manter o seu consumo. Agora, isso significa também que ela não tem condições de aumentar a compra de carne bovina, fora do que ela normalmente já faz. Por isso temos um aumento contínuo da carne de frango.

Mas mesmo assim, as vendas de carne bovina aumentam. O aumento extra de venda de carne que temos no Brasil é proveniente principalmente pelo aumento do poder aquisitivo da população, da diminuição do desemprego e importante, do aumento populacional.

A cada ano são necessários no mínimo 400 mil cabeças a mais sendo abatidas somente para manter o consumo per capita. Lembre-se sempre disso quando for pensar em alta nos abates e, em especial, de animais confinados.

Se aumentar 20% o confinamento como alguns estão falando, são 800 mil cabeças sobre 4 milhões. Metade disso é só para acompanhar o aumento do consumo de 400 mil cabeças naturalmente a mais sendo "comidas" pelas pessoas. Essa é a principal razão que a carne é um produto que acompanha a inflação, caro leitor.

A gente sabe que a margem de lucro do negócio flui na cadeia. Ora está com um, ora com outro, e essa cadência depende principalmente do ciclo pecuário. Há tempo demais a margem está com o supermercado, em detrimento da pecuária. Sabemos que isso não vai durar porque entre o supermercado e o pecuarista existe o frigorífico, e o frigorífico está vendo suas margens aumentarem em detrimento do supermercado.

É só uma questão de tempo até parte dessas margens serem repassadas para a pecuária, via preços de boi relativamente estáveis com viés de alta (porque com margens boas, o frigorífico quer abater mais bois), enquanto temos uma reposição que está caindo ficando um pouco mais barata a cada dia que passa.

Tudo isso que quero dizer, caro leitor, se resume a dizer que não esperamos um menor consumo de carne no Brasil e nem em um menor consumo em 2012. Pelo contrário. O consumo frente aos preços altos que está o atacado atualmente, está excelente.

Com as margens melhorando, a reposição ficando mais barata e com aumento natural da entrada de fêmeas (isso é bem lento), esse aumento de oferta será absorvido pelo mercado via menores preços de venda no supermercado, ou preços que não subam tão acima da inflação, o que dá na mesma.

É exatamente aqui nesse ponto que as pessoas confundem demanda “fraca” com preços altos. É claro que com preços altos como os atuais na carne o consumo diminui. Mas daí a dizer que a demanda está fraca? Longe disso.

Deixe-me te dizer isso de outra forma. Vamos supor que te digo que em um determinado país a sua população tem aumentado em número de pessoas, o salário médio dessas pessoas tem melhorado continuamente ano após ano e o cada dia tem menos gente desempregada.

Daí eu te peço para fazer um prognóstico sobre o consumo de automóveis nesse país nos próximos anos. O que você diria?

Então, caro leitor, se você engorda boi ou abate boi, bem vindo a 2012. Será um ano interessante sob o ponto de vista de ver suas margens melhorarem, creio, aqui e pelo menos nos próximos três anos pelo aumento da matéria-prima e um mercado consumidor demandado. Só tome cuidado para não sair comprando boi caro esse ano para abater em 2013, pois ano que vem as fêmeas tomarão conta do noticiário.

Cuide bem do seu estoque, pois essa transição de boi escasso para boi abundante, ao contrário do que se imagina, fará uma boa anotação na linha final da sua demonstração de resultados.

Não estou dizendo que a arroba vai subir, explodir de preço. Acho que tem horas que a gente tem que sair da armadilha de só ficar falando de preço de arroba, como se isso fosse tudo o que importa. Nada perto disso. Nem falei direito sobre preço de arroba hoje, se você percebeu.

O que quero dizer é o que o negócio de engorda de boi e abate de boi está entrando em uma fase que tem tudo para ser favorecido, e o negócio implica olharmos para a compra, produção e venda de animais. A combinação desses itens, penso, é que está virando favorável. É isso que temos que ter em mente para ir checando daqui adiante.

MOVIMENTAÇÃO DO MERCADO: Boi -- Indicador ESALQ/BVMF do boi, que mede a variação dos preços da arroba no Estado de São Paulo, fechou a semana com +0,55 a R$ 93,97 à vista. Cotações em R$ por arroba.

A média móvel de 5 dias fechou em R$ 93,73. O contrato de março/12 fechou com +0,79 a R$ 94,25. A diferença hoje entre o contrato de março e a média é +0,52.

O contrato que vence em abril/12 fechou com +0,61 a R$ 94,11; maio/12 +1,00 a R$ 94,69; junho/12 +1,37 a R$ 95,89.

Todos os vencimentos estão cotados à vista com o fechamento da sexta-feira e com a indicação semanal da variação de preços.

Bezerro -- Indicador ESALQ/BVMF de bezerro, que mede a variação dos preços no Estado do Mato Grosso do Sul, fechou a semana com +17,02 cotado a R$ 711,27 à vista. Cotações em R$ por bezerro.

A arroba do bezerro desse indicador subiu 2 reais e vale ao redor de R$ 104,00.
Todos os vencimentos estão cotados com o fechamento da sexta-feira e com a indicação da variação semanal.

Taxa de Reposição 1 -- Um boi gordo compra hoje 2,18 bezerros, queda de –0,04 na semana.

Dólar -- Dólar comercial fechou com +1,01% a R$ 1,802. Dólar futuro com vencimento no início de abril fechou com +0,75% a R$ 1,808; maio fechou com +0,75% a R$ 1,820.

Juros -- A taxa de juros do governo (SELIC) está hoje em 9,75% ao ano.

Inflação – IGP-M de fevereiro –0,06%. Acumulado no ano2 +0,19%. Acumulado nos últimos 12 meses 3 (março-11 a fevereiro-12) +3,39%.

Assim como os contratos de boi e bezerro se encerram pelo preço dos seus respectivos indicadores, o dólar se encerra pelo preço do dólar do Banco Central nas datas acima indicadas.

Frigoríficos 4 -- A arroba nos frigoríficos foi cotada hoje em São Paulo ao redor de R$ 94,50; no Mato Grosso do Sul, Dourados a R$ 88,00 (Base –6,9%) e em Campo Grande ao redor de R$ 88,00 (Base –6,9%).

A arroba em Goiânia foi cotada ao redor de R$ 83,00 (Base –12,2%).
Em Cuiabá está em R$ 84,00 (Base –11,1%).

No sul do Tocantins a arroba foi cotada em R$ 84,00 (Base –11,1%). No Triângulo Mineiro ao redor de R$ 88,00 (Base –6,9%).

1 Considerando os valores nominais dos indicadores da ESALQ/BVMF.
2 e 3 Somatória com Juros Simples.
4 Fonte completa dos preços da arroba nos frigoríficos à vista e livre do Funrural: Informativo Boi na Linha, da Scot Consultoria. 


CONCLUSÃO: Ah, nada como ver as coisas funcionando. Oito semanas de queda é muito difícil de acontecer, certo? Era para ser essa semana a oitava semana de queda do boi. Não foi.

Agora o mercado terá que cair por mais sete semanas seguidas para estarmos na mesma situação. Pode acontecer? Acho que não.
Anote aí o valor R$ 93,30 para o indicador Esalq/BVMF da arroba à vista em SP. Esse foi, até agora, o preço mais baixo desse ano.

De qualquer forma, foi uma altinha mais protocolar, técnica, do que uma vitória retumbante. As escalas de abate praticamente ficaram na mesma que estavam e a situação, apesar de ter melhorado, ainda é de atenção.

Abraços,

Rogério Goulart

Nota da Bigma Consultoria: O texto de Rogério Goulart, da www.cartapecuaria.com.br , publicado nesse espaço, foi resumido e alguns gráficos podem ter sido suprimidos. Acesse a análise completa e com os gráficos no site da Carta Pecuária 

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