domingo, 11 de março de 2012

Meirelles volta ao jogo


Como o ex-presidente do BC vai comandar a transformação da J&F, holding do clã Batista que fatura R$ 70 bilhões, numa potência global.

Por Rosenildo Gomes FERREIRA
Espartana. Assim é a sala da presidência da J&F, holding da JBS, o maior frigorífico do mundo, com faturamento de R$ 70 bilhões, controlada pela família goiana Batista. Três mesas, sem nenhum luxo, posicionadas lado a lado, ocupam um dos cantos do espaço de cerca de 70 metros quadrados. No extremo oposto, sobre uma mesinha de centro, destacam-se um bem-acabado livro de arte contando a trajetória do gênio renascentista italiano Leonardo Da Vinci e duas pequenas obras de direito canônico. As paredes estão nuas. É nesse ambiente que, na segunda-feira 12, o ex-presidente do Banco Central, o goiano Henrique Meirelles, 66 anos, um homem acostumado a transitar e trabalhar nos salões elegantes do governo federal e nos gabinetes de grandes empresas internacionais, fará a sua reestreia na iniciativa privada, depois de uma ausência que durou dez anos. 
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Henrique Meirelles: "Serei o atacante do time. Se a bola estiver
na área, vou empurrar para o gol" 
 
Nessa data, Meirelles assume a presidência do recém-criado conselho consultivo da J&F com a missão de ajudar a escrever um novo capítulo na história do conglomerado dirigido com mão de ferro até agora pelos irmãos Joesley e Wesley Batista. O prédio de dois andares, no qual foi instalada a J&F, encravado no Alto de Pinheiros, bairro da zona oeste da cidade de São Paulo, em nada lembra a opulência dos antigos endereços de Meirelles, na sede do BankBoston, em Boston, onde chegou a ocupar o escritório da presidência mundial, ou o imponente edifício do BC, em Brasília. Esse ambiente austero, no entanto, aparentemente não intimida ou aborrece Meirelles. 
 
Antes mesmo de tomar posse formal nas novas funções, ele já se movia com desenvoltura pelo espaço ao receber a reportagem da DINHEIRO. Checava os e-mails com frequência e não desgrudava do smartphone. É a partir dessa sala sóbria que ele vai usar a experiência amealhada ao longo de quase 30 anos no mercado financeiro. Sua nova missão? Ajudar a transformar o grupo, cuja joia mais preciosa é o frigorífico JBS, numa potência global. Com uma trajetória singular entre os executivos brasileiros de alto nível, Meirelles possui uma agenda de telefones recheada de contatos de empresários e banqueiros, além de chefes de Estado do mundo inteiro. 
 
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Por conta disso, seu nome é facilmente reconhecível e abre portas aqui e lá fora. “Sou movido a desafios, mas só entro em projetos nos quais possa fazer a diferença”, disse Meirelles, em entrevista exclusiva à DINHEIRO (leia mais ao final da reportagem). Em sua nova função, Meirelles volta ao jogo em uma condição bem diferente da que ocupou no período em que presidiu o Banco Central, no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Depois de atuar em uma posição defensiva, serei o atacante da J&F no jogo internacional.” Meirelles estava fora da iniciativa privada desde 2002, quando deixou o comando do BankBoston para se candidatar a deputado federal pelo PSDB em seu Estado natal. Recrutado pelo governo Lula, permaneceu oito anos à frente do BC, tornando-se o mais longevo ocupante do posto. 
 
Sua função daqui em diante será promover um salto de qualidade na gestão de um grupo que começou como um pequeno açougue, em Anápolis, no interior de Goiás, aberto pelo patriarca José Batista Sobrinho, em 1953. Hoje, a companhia é um gigante que emprega 125 mil funcionários espalhados por unidades industriais, escritórios e centros de distribuição em nove países. O grupo atua nos setores de higiene e limpeza (Flora), celulose (Eldorado), laticínios (Vigor) e financeiro (Banco Original). “O grupo se concentra nas áreas nas quais o Brasil tem grande vantagem competitiva”, disse Meirelles. A JBS, sua principal empresa, ganhou musculatura nos últimos cinco anos, quando ingressou em um ritmo pantagruélico de aquisições. 
 
Foram 15 companhias, incluindo competidores globais como as americanas Swift Foods e Pilgrim’s Pride, além da Argenvases, do setor de embalagens e baseada na Argentina. No total, a família Batista investiu na última década algo como US$ 5 bilhões, sem contar o gasto para assumir o controle da concorrente nacional Bertin, valor mantido em segredo. O gigantismo cobrou seu preço decorrente desse processo de compras e de diversificação acelerado. O elevado nível de endividamento forçou o JBS a bater às portas do BNDES, que já apoiava seu processo de expansão recente, em busca de socorro para bancar algumas de suas tacadas. Recebeu R$ 3,5 bilhões, o que gerou acusações de favorecimento e críticas à proposta de criação de “campeões nacionais”, numa referência à política do banco estatal de fortalecer um punhado de empresas locais. 
 
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No centro do poder: Meirelles esteve no epicentro das discussões financeiras globais.
Em 2002, elegeu-se deputado federal por Goiás.
 
De acordo com os acionistas do grupo, Meirelles será uma figura estratégica, que não se envolverá no dia a dia dos negócios. “Não somos uma empresa que tem problemas e busca alguém no mercado para resolvê-los”, afirmou Joesley Batista, presidente da J&F e do conselho da JBS (leia a primeira entrevista ao final da reportagem). “O Henrique chega em meio a um processo de intensificação da profissionalização da administração do grupo.” As mudanças na estrutura corporativa nas empresas da J&F começaram no início de 2011. Como estava sob quarentena legal, que vigorou até abril, Meirelles só se integrou ao projeto no último trimestre do ano passado. Desde então, ele passou a atuar como uma espécie de consultor informal. “Nos últimos meses, temos nos reunido para definir o novo desenho estratégico do grupo,” disse Joesley. 
 
Uma das atribuições de Meirelles será atuar como uma espécie de “capitão” do time de superexecutivos recém-contratados pelos Batista nesse processo de profissionalização. Faz parte dessa tropa de elite da J&F José Carlos Grubisich, que deixou a presidência da ETH, empresa sucroalcooleira do grupo Odebrecht, para assumir, em fevereiro, a Eldorado Brasil, que quando estiver em operação terá capacidade para produzir 1,5 milhão de toneladas por ano, numa primeira etapa. “Será o maior polo de produção de celulose de eucalipto do mundo”, disse Grubisich. Outro que se integrou à equipe foi Eduardo Luz, recrutado na subsidiária brasileira da Unilever para fazer a Flora, do segmento de higiene e beleza, decolar. 
 
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A companhia também adquiriu o passe, em 2011, de Gilberto Xandó, com passagens na Natura e na Sadia, para comandar a Vigor, sua empresa da área de laticínios, que abrirá o capital neste ano. “O grupo passa por um processo normal de amadurecimento”, afirmou Meirelles. A primeira missão confiada a Meirelles pela família Batista será na área na qual construiu sua trajetória profissional. Caberá ao ex-presidente do BC desenhar as linhas mestras de expansão do Banco Original, resultado da fusão do Banco JBS com o Banco Matone, ocorrida em novembro de 2011. A instituição possui ativos totais na casa dos R$ 4 bilhões e uma carteira de crédito de R$ 2,3 bilhões. A ambição de Joesley é transformá-lo na maior força privada do crédito rural brasileiro. 
 
Meirelles ajudará a colocar no radar possíveis alvos para aquisição no mercado brasileiro. Também na abertura de capital da Vigor, a divisão de lácteos da JBS, Meirelles deverá ter um papel de destaque. Com seu prestígio na comunidade financeira, Meirelles é visto pela família Batista como figura chave para atrair investidores, especialmente institucionais, do Brasil e do Exterior. Essa expertise será vital também no processo de internacionalização das operações da Eldorado Brasil. De acordo com um executivo que atua na holding, Meirelles deverá cortar a “fita de inauguração” dos escritórios que a Eldorado pretende abrir, até dezembro deste ano, nos Estados Unidos, China e Europa. 
 
Apesar de ter se cercado de garantias por escrito, em um contrato que explicita detalhadamente suas atribuições, Meirelles terá de atuar em uma companhia cujos donos têm ingerência na gestão do negócio. “O desafio de Meirelles será sua integração à cultura de uma empresa familiar”, afirmou Ronaldo Da Matta, dono da RM Consultoria, especializada em governança corporativa. Joesley argumenta que não é bem assim. “Nossas ações nunca foram pautadas pelo sobrenome”, disse. “Não somos uma empresa familiar convencional, aqui os profissionais têm autonomia, mas têm de entregar resultados.” Compartilhar o poder, a partir desta semana, é mais um dos desafios de Meirelles, homem de temperamento forte, acostumado a ter a última palavra e ser o maestro em todas as posições relevantes que ocupou ao longo de sua carreira.
 
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Por que contratei
 
Joesley Batista, presidente da J&F, contou à DINHEIRO os motivos que o levaram a convidar Henrique Meirelles, ex-presidente do BC, para comandar o recém-criado conselho consultivo do grupo.
 
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"Estamos recrutando pessoas do tamanho da empresa" 
 
O que representa a entrada do sr. Henrique Meirelles no grupo?
Estamos colocando em cargos-chave pes­soas do tamanho da empresa. Ele é um executivo com pensamento estratégico e grande capacidade de tocar projetos. Isso  vale para Meirelles e os demais talentos contratados para a divisão de higiene e beleza, como a Flora, e a Eldorado, do setor de celulose. 
 
Quando o sr. percebeu que estava na hora de começar a profissionalizar a gestão?
Na verdade, não houve um momento específico. Nosso crescimento se deve à aposta na montagem de times de profissionais de alto nível, na Austrália e nos Estados Unidos. O mesmo sempre valeu para o Brasil. Só que o mercado não enxergava isso porque meu irmão Wesley e eu tínhamos cargos de gestão. Só chegamos onde estamos porque fomos capazes de montar equipes de qualidade. 
 
Isso significa que o sr. deve limitar sua atuação à holding, colocando  Meirelles como o capitão da equipe de superexecutivos que o sr. vem contratando?
Queremos que os presidentes das empresas se apresentem cada vez mais ao mercado. A J&F não tem um papel operacional, mas sim de holding de participações. Meirelles chega com a atribuição de definir as estratégias e cuidar da governança corporativa. 
 
Como surgiu a ideia de contratá-lo?
Apesar de termos nascido na mesma cidade, Anápolis, em Goiás,  só nos conhecemos quando a JBS decidiu criar um banco e ele era,  na ocasião,  presidente do Banco Central. Sempre admirei a capacidade dele. Além disso, não existem muitos nomes para assumir um cargo desse porte.
 
Foi fácil convencê-lo a aceitar a tarefa?
Acho que ele foi movido pela crença em nosso projeto e pela oportunidade de contribuir, com sua experiência de vida, para a trajetória global do grupo.
 
É verdade que ele vai receber R$ 30 milhões por ano?
Não sei de onde tiraram esse valor. O acordo é privado e suas cláusulas são sigilosas.
 
 
 
Por que aceitei
 
Após um período de quarentena, que durou um ano, o ex-presidente do BC, Henrique Meirelles, volta à ativa como presidente do conselho consultivo da J&F. Confira trechos de entrevista exclusiva concedida à DINHEIRO:
 
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"Só entro em projetos nos quais possa fazer a diferença"
 
Como foi ficar um ano sem trabalhar?
Na verdade, não tive nenhum momento de ócio. O período de quarentena imposto pelo cargo de presidente do BC, que expirou em abril, foi usado para ajudar a organizar a Autoridade Pública Olímpica, órgão que vai cuidar da Olimpíada do Rio em 2016. Esse trabalho me consumiu até meados do ano passado. 
 
Depois aproveitou para viajar?
Nada disso. Emendei direto com um período de palestras, no Brasil e no Exterior, e também participei de fóruns de debates encarregados de formular políticas macroeconômicas. 
 
Quando o sr. decidiu aceitar esse cargo na J&F?
As conversas se prolongaram por um período de 60 dias. Já conhecia os acionistas (Joesley e Wesley Batista nasceram em Anápolis, assim como Meirelles) e trocamos alguns e-mails e telefonemas para discutir qual seria o formato de minha atuação. 
 
No BC, o sr. se dizia o goleiro da equipe. E agora, qual será sua função nesse time?
Serei o atacante do time da J&F no jogo global. Se a bola estiver na área, vou empurrar para o gol. 
 
O que o levou a aceitar esse desafio, já que a trajetória natural de ex-integrantes do BC tem sido o mercado financeiro?
O que me motivou foi a possibilidade de contribuir para o crescimento de um grupo de expressão global e bastante diversificado geograficamente. A J&F atua em áreas importantes, nas quais o Brasil possui enormes vantagens competitivas, como proteína animal, celulose e finanças. Sem contar a área de higiene e beleza, um grande vetor no crescimento da economia brasileira. O grupo oferece grandes oportunidades de adição de valor, e essa é minha missão.  
 
Voltar à iniciativa privada significa dizer que o sr. teria desistido da carreira política?
Tenho por regra jamais adotar a palavra nunca, nem jamais fechar qualquer porta. Digamos que apenas adiei esse projeto.
 
 
 
Colaboraram: Marcio Orsolini e Rafael Freire
FONTE: ISTO É DINHEIRO

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