domingo, 19 de julho de 2015

PECUARISTAS: cada um no seu quadrado



Por Fernando F. Velloso (Assessoria Agropecuária FF Velloso & Dimas Rocha)
Nestes períodos pós-temporada de feiras de terneiros e de queixas do bezerro “caro”, muitos produtores avaliam o retorno ou o ingresso na cria. Em alguns casos, até cogitam produzir reprodutores, pois imagine: se um bom touro vale de oito a dez bezerros, essa conta está ficando bonita, e por aí vai. As oscilações de mercado na pecuária trazem volta e meia essas reflexões: será que não convém ter um rebanho de cria para garantir parte do meu gado de engorda? Será que não devo deixar a cria e passar para a engorda?
A definição se a melhor opção para a exploração pecuária é a cria, engorda, ciclo completo ou até a produção de reprodutores inicia naturalmente por questões relativas à viabilidade técnica e econômica. Os determinantes mais lógicos são a qualidade do solo/pastagem, dimensão da área e capacidade de lotação (escala), possibilidade de integração com a agricultura, viabilidade de sistemas intensivos de produção de alimento (ex: irrigação) ou de terminação (confinamento).
O comentado até aqui não é novidade para a maioria dos produtores e por aqueles que já cogitaram investimentos em pecuária, em que é levado em conta o perfil da propriedade, do solo, da região, etc., porém, um item sobre o qual tenho visto menos discussões ou sendo menos considerado é o “perfil do produtor”, pensando na “pessoa humana”, por mais redundante que seja o termo.

A decisão pelo tipo de exploração pecuária é de altíssima importância e pode ser a causa de alguns insucessos de empreendimentos pecuários que têm vida muito curta, superando por vezes questões de mercado, clima e outros fatores não controláveis. A perspectiva de tempo de retorno do investimento, o nível de envolvimento do proprietário, suas afinidades, disposição em tomar risco, o gosto pelo comércio, entre outros fatores, são características pessoais que devem ser analisas e levadas muito em conta.
Na engorda, a necessidade do grande envolvimento com a compra e venda de animais requer tempo e afinidade com o comércio. Existem muitas pessoas que são “craques” na compra e venda de gado, no melhor sentido da expressão. Sabem aproveitar as boas oportunidades e janelas do mercado para comprar e vender bem. De outra parte, são muitos os casos de produtores, que, por baixo envolvimento, disponibilidade de tempo ou falta de afinidade pelo comércio, deixam que terceiros cuidem dessa mola do seu negócio (compra e venda de bovinos), e, infelizmente, são recorrentes os históricos de insucessos nesse modelo.
Na cria, o envolvimento comercial é bem menor, pois praticamente não ocorrem compras e as vendas limitam-se aos terneiros (desmame) e matrizes de descarte. Porém, os programas sanitários e reprodutivos são comparativamente bem mais importantes que uma operação de recria/engorda. Programas de inseminação, manejo de touros, cuidados na parição, vacinações e seleção das melhores matrizes são algumas das atividades rotineiras de uma fazenda de cria que são apreciadas por um perfil de pessoas e não por outras. Muitos apaixonados por esse ciclo produtivo comentam muito da satisfação que têm no período de parições. Se orgulham que a produção do ano está pintando muito boa e que é o “milagre da vida”. 

Na produção de touros, são necessárias todas as afinidades pessoais com a cria (e ciclo completo), mas, ainda mais importante, surge a questão de projeto de longo prazo, do pensamento na formação de linhagens, de gerações e gerações de animais, de famílias de matrizes nas quais as características selecionadas estão sendo fixadas (adaptação ao meio, características maternais e eficiência). Somado a essas questões, aparece ainda a necessidade de dedicação a controles, dados, registros genealógicos, trabalho de escritório e outras tarefas técnico-burocráticas que são imprescindíveis em qualquer rebanho de seleção. Na área comercial, são necessárias outras habilidades pessoais menos presentes na cria ou engorda, por exemplo, atuação nas áreas de comunicação, promoção e marketing do rebanho, atenção no pós-venda e relacionamento mais próximo dos clientes. Nos últimos anos, presenciei vida curta de alguns produtores de touros por não estarem atentos a essas características necessárias ao perfil do “cabanheiro”, dentro e fora dos limites da propriedade.

Propositalmente, optei por não citar nenhum número relacionado a potencial rentabilidade de cada atividade (cria, engorda e touro), pois entendo que a primeira avaliação que deve ser bem realizada é a do perfil pessoal e a atividade pretendida. A maior rentabilidade da atividade A ou B não se concretizará se o perfil pessoal não estiver alinhado com o projeto. Logo, segue valendo muito bem a máxima do “cada um no seu quadrado”. 

Está muito na moda o serviço de coaching, no qual um instrutor (o coach) ajuda e orienta seus clientes a evoluir na sua atividade profissional e vida. Logo surgirá o COACH PECUÁRIO!

* Publicado na Revista AG, Edição Julho 2015

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