Dados obtidos com exclusividade por DBO mostram que o padrão de carcaças do gado brasileiro melhorou muito e já permite ao País vislumbrar a posição de vendedor de carne de qualidade e não apenas commodity.
O Brasil é apenas um produtor de carne commodity ou pode atender mercados de maior valor agregado? Esse sempre foi um dilema da cadeia pecuária bovina nacional. Inúmeros debates abordaram o tema nos últimos anos sem chegar a conclusões práticas, pois embarravam na heterogeneidade da matéria-prima entregue aos frigoríficos.
Esse cenário começa a mudar. Dados obtidos com exclusividade por DBO mostram que o padrão do gado brasileiro melhorou muito. Falta pouco – apenas um ou dois degraus – para se atingir níveis mais elevados de qualidade.Os principais frigoríficos do País (JBS, Marfrig, Minerva e Frigol) confirmam: nossas carcaças estão “saindo do vermelho”. Uma mudança digna de comemoração, mas que impõe novo desafio: articular a cadeia produtiva para decidir novos rumos.
Onde estamos? Segundo levantamento da JBS, com base no Programa Farol da Qualidade, apenas 15,27% das carcaças processadas pela companhia, entre janeiro e outubro deste ano, tinham padrão indesejável (farol vermelho), apresentando peso inadequado (abaixo de 16 ou acima de 26@), maturidade avançada (4-5 anos) e falta de acabamento, em contraste com 32,9% em 2014. Isso significa redução de 17,6 pontos percentuais O número de bovinos classificados como desejáveis (farol verde) passou de 14,47% para 18,53% e o de toleráveis (farol amarelo) de 52,55% para 66,19%. “Com algumas exceções regionais, o padrão da matéria-prima nacional melhorou por dois motivos simples: o gado está sendo abatido mais jovem e mais pesado”, explica Fábio Dias, diretor de relacionamento com pecuaristas da JBS, cujo abate, estimado em 7 milhões de cabeças/ano, constitui amostra representativa do gado produzido no País.
O que falta para darmos um salto maior? Diminuir problemas de acabamento e pH, que funcionam como uma trava à agregação de valor nas carcaças. Hoje, 64,8% dos animais abatidos pela JBS ainda têm gordura ausente (0 mm) ou escassa (1 a 3 mm). Já foi pior. Em 2013, esse percentual era de 67,5%.
Observou-se um leve aumento no número de animais com gordura mediana (3 a 6 mm), que passou de 30,1% para 33,4% do abate total no mesmo período, mas esse movimento é ainda tímido e quase sempre circunscrito às regiões de pecuária mais tecnificada. “Em Estados como Rondônia, por exemplo, que produz boi a pasto e foi deixando gradativamente de castrar, o percentual de farol vermelho subiu de 28%, em 2011, para 66%, em 2015. Estamos recebendo animais pesados, porém velhos, sem acabamento e com problemas de pH, por serem inteiros”, diz Fábio Dias.
Vitória da balança
Antes de discutir essa questão, contudo, é necessário compreender a vitória da balança. Não somente as indústrias relatam incremento de peso nas carcaças. Levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam que os machos, por exemplo, estão pesando 1,5@ mais do que há 10 anos.
Entre 2007 e 2016, seu peso avançou de 17,2@ para 18,7@. As fêmeas passaram, no mesmo período, de 12,5@ para 13,6@. Conforme mostra o gráfico abaixo, elaborado pelo economista Alexandre Mendonça de Barros, da MBAgro Consultoria, de São Paulo, o maior salto ocorreu entre 2014 e 2015. O descolamento entre as linhas verde e azul representa uma diferença de mais de 10 kg no peso das carcaças. Os números de 2016 (linha vermelha) ainda são parciais, mas confirmam a tendência de alta. No chão de fábrica, não tem sido diferente. A JBS registrou pesos ainda maiores do que os do IBGE. Os machos passaram de 17,7@, em 2013, para 19,5@, em 2016, e as fêmeas, de 10,2 para 14@.
Mesmo sem revelar números, o Frigol diz ter observado aumento contínuo no peso das carcaças, especialmente no Pará, onde a empresa concentra 65% de seus abates. Maurício Manduca, gerente corporativo de compra de gado da Marfrig, relata aumentos de 10%, 7% e 6% no peso das categorias de 0, 2 e 4 dentes respectivamente, nos últimos quatro anos, porém o recorde de peso é do Minerva. Por exportar 70% de sua produção, essa empresa compra pouca fêmea, dando preferência aos machos, cujo peso médio passou de 18,5@, em 2014, para 20@, em 2016. “Há variações regionais.
Em Palmeiras, GO, por exemplo, a média subiu de 18,4@ para 19,2@ nesse período; em Araguaína, TO, de 17,5@ para 18,5@, e, em Bonifácio, SP, de 19,1@ para 20@”, informa Fabiano Tito Rosa, gerente de compra de gado da empresa. Os bovinos abatidos no País também estão mais jovens. Em 2013, 56,7% dos machos abatidos pela JBS tinham até quatro dentes incisivos definitivos (30 a 36 meses de idade); hoje, esse percentual é de 67,2%, com expressivo crescimento na categoria de até dois dentes (15,4% para 27%). Os animais erados (oito dentes ou 4-5 anos de idade) caiu de 17,4% para 11,9%. Os números da Marfrig também indicam avanços: em quatro anos, a participação dos novilhos dente de leite no abate aumentou em 4% e a dos machos de oito dentes diminuiu em 3%.
O Frigol confirma redução na idade do gado, especialmente em São Paulo. Já o Minerva não observou muita mudança nesse quesito porque trabalha com bois de até 36 meses, que lhe permite atender todos os mercados de exportação. “Se eu tinha 75%-80% de animais até essa idade, agora tenho 80%-85%. O que posso afirmar é que ficou mais fácil achar essa matéria-prima”, diz Tito Rosa.
Propulsores do peso
Segundo Flávio Portela, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), a causa dessa evolução em peso e precocidade é conjuntural. “Claro que os investimentos feitos em nutrição, genética e sanidade ajudaram, mas o principal elemento propulsor foi a alta do bezerro. Com ágios que ultrapassaram a barreira dos 40%, os produtores foram obrigados a diluir seus custos aumentando o peso das carcaças”, salienta. Essa estratégia ganhou força especialmente entre 2014 e 2015, apesar do milho caro. Nesse período, o bezerro Nelore chegou a atingir picos de R$ 1.400. “Hoje, já está mais barato, porém suponhamos que um animal de 6@ seja comprado por R$ 180 a arroba e que o boi gordo esteja a R$ 145/@.
De cara, o produtor já começa com um prejuízo de R$ 35/@ ou R$ 210/cab, que precisa ser diluído nas etapas seguintes”, diz Portela. O ágio do bezerro, que estimulou o aumento de peso das carcaças, está inserido no processo de intensificação da pecuária, acrescenta Flávio Dutra de Resende pesquisador da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), polo regional de Colina. “Como a margem do produtor diminuiu, ele foi obrigado a produzir mais por hectare em menor tempo, acelerando o ciclo produtivo”, diz Dutra, que é um dos “pais” do chamado boi 7-7-7, abatido aos 24 meses após ganhar 7@ na cria, 7@ na recria e 7@ na terminação.
Para produzir esse tipo de animal, é necessário suplementá-lo desde a desmama, prática já bastante difundida no País. “Todo mundo hoje dá um trato no gado”, salienta Tito Rosa, do Minerva, informando que 90% dos bois abatidos pela empresa, nesta entressafra, passaram pelo cocho (75% em confinamento e 15% em semi). Na safra, esses percentuais foram de 40% e 30%, respectivamente.
Uma quantidade muito expressiva em comparação com os 5% e 10% de 2014. As vendas de insumos refletem essa nova realidade da pecuária. Conforme levantamento da Associação Brasileira de Indústrias de Suplementos Minerais (Asbram), em 2015 as vendas de suplementos proteico-energéticos (principais produtos usados para tratar bovinos a pasto) cresceram 22,1% em comparação com 2014, passando de 193.454 para 235.629 toneladas.
Sua participação nas vendas totais subiu de 13% para 17,5% no período. No Mato Grosso, 18,5% dos bois já são arraçoados (6,4% em confinamento e 12,1% em semi), conforme estudo feito pela Acrimat, associação dos criadores do Estado. A integração lavoura-pecuária, adotada por 30% dos pecuaristas entrevistados na pesquisa, também contribuiu para a redução na idade de abate e a produção de carcaças cada vez mais pesadas, com a ajuda de duas ferramentas gêmeas no Brasil: boi inteiro e confinamento.
Fonte: Portal DBO