"Cada pé desse café/Eu amarro um boi da minha invernada/E pra encerrar o assunto eu garanto/Que ainda me sobra uma boiada". Diferentemente do "Rei do Gado" de Tião Carreiro e Pardinho, dá para ser "fazendeiro" mesmo sem ter nenhum boi no pasto. Para isso, é preciso investir em contratos futuros de boi gordo na BM&F Bovespa. Mas, como na atividade rural, há riscos envolvidos nessa modalidade de investimento.
O investidor não precisa ter os animais na propriedade, já que o contrato negociado na Bolsa tem os valores baseados no indicador da arroba do boi Cepea/Esalq e, no vencimento, se pagam esses valores, além dos ajustes diários de mercado. Cada contrato equivale a 330 arrobas (a arroba pesa 15 quilos). O contrato é apenas por liquidação financeira.
Com a arroba a R$ 143,90 (cotação do dia 26), o contrato vai valer R$ 47.487, mas não é preciso investir todo esse dinheiro, e sim cerca de 5% do valor do contrato em garantia, que é para provar que o investidor tem como arcar com o prejuízo da operação, caso haja. "Esse percentual pode subir ou baixar de acordo com a volatilidade da arroba e a garantia pode ser em dinheiro, ações, CDB e títulos públicos", explicou Rodrigo Moraes Pinto, assessor de investimentos da RP Investimentos.
O ativo foi criado com o objetivo de evitar oscilações de preços, dessa forma o participante pode determinar o preço do boi antecipadamente. "Essa modalidade ajuda o produtor a proteger sua produção, embora a cultura dessa proteção ainda seja pequena no Brasil. Por outro lado, o especulador entra nesse mercado porque vê oportunidades", explica o assessor financeiro Maikel Jacob, da Jacob Capital.
De acordo com a BMF, o confinador, por exemplo, irá comprar, em maio, bois magros para engordá-los e vendê-los ao frigorífico em outubro. Para ele, os custos da aquisição do boi magro e de confinamento são conhecidos em maio, no momento da decisão pela engorda. No entanto, o preço de venda em outubro poderá comprometer os custos.
Para evitar o risco de queda dos preços, o pecuarista pode garantir, em maio, o preço de venda para outubro por meio do mercado futuro, segundo a BMF. O período de safra do mercado de boi gordo tem seu pico em maio. Nessa época do ano, há maior oferta de animais terminados (prontos para abate). O período de entressafra tem seu pico em outubro, pois, nessa época, a oferta é menor de animais terminados.
É preciso ficar claro que o Boi Gordo é uma commodity de renda variável, por isso há risco envolvido na aplicação. Daí não dá para se prever a rentabilidade. Para se ter uma ideia, nos últimos 12 meses, a cotação da arroba subiu de R$ 136,80 para R$ 145,02, segundo o Cepea/Esalq, o que representa alta de 6%. Nos últimos 30 dias, entretanto, houve queda de 1,37%, passando de R$ 145,90 para R$ 143,90.
Em geral, a volatilidade é baixa e os investidores se baseiam na diferença entre o preço do contrato futuro e o preço do boi no mercado físico, que são bem próximos. O lucro tem relação com o período de safra. Entre julho e setembro os preços caem em função do inverno. Para exemplificar como funciona o contrato: se o produtor pagou R$ 142 pelo valor da arroba e o mercado sobe a R$ 143, ele ganha R$ 1 por arroba. Agora, se o valor cai para 141, ele perde R$ 1 por arroba. Ou seja, o investidor não entrega boi, é uma questão de preço. Ele apenas recebe a diferença ou paga o prejuízo.
O contrato prevê a possibilidade de negociação com vencimentos mensais, com último dia de negociação e vencimento no último dia útil do mês de vencimento. A posição no mercado pode ser encerrada a qualquer momento. Para isso, a operação deve ser inversa, ou seja, deve ser comprado o mesmo número de contratos vendidos.
A modalidade de investimento em mercado de contrato futuro de boi gordo é mais indicada para o pecuarista que comprou o animal e vai engordá-lo do que para o investidor, já que tem como objetivo a proteção às variáveis que incidem sobre a atividade produtiva. Outro exemplo: ele calcula o custo do R$ 140 por arroba e vende um contrato futuro no valor de R$ 145 já que o mercado está nesse valor. Dessa forma, prevê obter um lucro de R$ 5 por arroba.
Agora, se no vencimento do contrato o valor de mercado da arroba cai a R$ 130, ele ganha R$ 15 da BMF e vende para o frigorífico a R$ 130, o valor de mercado. "O produtor acabou vendendo o animal por R$ 130 a arroba, mas recebeu R$ 15 da Bolsa, então vendeu por R$ 145. É uma forma de se proteger das variáveis", explicou Rodrigo Moraes Pinto, assessor de investimentos da RP Investimentos.
O investidor também pode apostar na baixa do boi, o que representa operar no vendido. Se ele acredita que o valor da arroba vai cair, da mesma forma deposita a margem de garantia e, supondo que vende a R$ 145, e o boi cai R$ 1, ele ganha R$ 330. Ou seja, se aposta que a arroba vai cair, vende, se aposta que vai subir, compra. "Todos os dias, para cada contrato, recebe a diferença na conta ou paga a diferença", diz Maikel Jacob, assessor financeiro da Jacob Capital.
Segundo Jacob, o produtor faz o cálculo da seguinte forma: ele vai precisar de tantos anos para engordar X bois, o pessoal custa XX, o gasto de insumo é Y, o que vai representar um lucro de YY. "Faço a conta e vejo que está no positivo, monto a operação e vendo a futuro. Isso me garante hoje o preço lá na frente", disse. E quem vai comprar é alguém que vai precisar desse boi ou o investidor que aposta na alta da arroba.
O investimento precisa ser feito por meio de corretora de valores e a negociação acontece da mesma maneira que a negociação de ações. Há o custo da corretagem, que varia nas empresas, além de outras taxas e ainda a incidência do Imposto de Renda, que é de 15% sobre o lucro líquido do investidor.
Eventualmente
O produtor rural Flavio Junqueira conta que já fez algumas operações na Bolsa para proteger a atividade. A fazenda em Olímpia tem cerca de mil cabeças de gado de variadas raças, para corte. "Comecei a trabalhar com confinamento em 2014 e desde então fico de olho", diz.
Segundo ele, quando se trata de bom negócio, ele recorre à operação. "Tenho bois para terminar daqui a três meses e, para essa data, o valor está mais baixo, então não tem porquê", disse. Ele também, às vezes, faz contratos para o milho, insumo necessário à pecuária. "Ao invés de comprar fisicamente, tenho o preço garantido", explica.