Instituições de pesquisa e levantamentos da indústria provam que macho inteiro tardio terminado no sistema extensivo tradicional é o vilão do pecuarista e do consumidor
Por José Luiz Alves Neto
O inimigo número 1 da cadeia da carne bovina brasileira está no pasto e tem mais de dois dentes incisivos permanentes (DIPs). Análises e pesquisas envolvendo entidades atuantes na pecuária de corte chegaram a um consenso sobre a combinação fatal para o bolso do pecuarista e para a qualidade ao consumidor: o boi inteiro tardio e (mal) terminado a pasto. Segundo a
Embrapa Gado de Corte e a
APTA (Agência Paulista de Tecnologias dos Agronegócios), a dificuldade em terminar os bovinos inteiros na idade ideal (até dois anos) e com acabamento de gordura ao menos mediano são as razões para abandonar sistemas de produção que resultem nestes animais.
Para o doutor em zootecnia e pesquisador da APTA de Colina (SP), Flávio Dutra, o produtor deve diluir seus custos, que estão em alta, para obtenção de lucro. “A precocidade nos permite ter maior remuneração. Quem abate animais acima de três até quatro anos faz um giro a menos. Precisamos reduzir o abate para até dois anos e sair da carcaça com acabamento ausente ou escasso”.
Na busca deste objetivo, a agência defende o conceito do Boi 7-7-7, que ganha 7 @ em cada fase: cria, recria e engorda. Neste sistema, é oferecida aos animais dieta altamente energética, com o pasto exercendo a função de volumoso, possibilitando terminar o animal com 21@ com até dois anos. “Estamos colocando gordura no animal inteiro, coisa que o produtor dificilmente consegue porque não dá condições adequadas. E o final de tudo isso é dinheiro no bolso”, reforça Dutra.
O Imac, Instituto Mato-grossense da Carne, seguirá trabalho na mesma linha. Os animais inteiros certificados pelo instituto deverão ter de 0 a 2 DIPs, pesar 17 a 23 @ e com acabamento de gordura 3 e 4. “Não devemos banir boi inteiro, mas excluir o boi inteiro, tardio e sem acabamento. O uso da tecnologia disponível dá condições para que ele concorra de igual para igual com outros”, detalha o presidente do Imac, Luciano Vacari.
O programa Qualitas Melhoramento Genético também criou um sistema adaptando pesquisas da APTA, o 20-20: animais terminados com 20 @ aos 20 meses a pasto. Segundo o sócio-diretor Leonardo Souza, o 20-20 aplicado a machos inteiros só é possível a partir de indivíduos que apresentem precocidade de acabamento, sendo a genética o fator limitante. “Não é possível produzir carne de qualidade a partir de bois inteiros abatidos com mais 24 meses de idade, mesmo estando bem acabados”, resume. Segundo Souza, o sistema permite desafiar novilhas à reprodução aos 14 meses e um desfrute total do rebanho de 36%.
A Embrapa Gado de Corte também já liberou a “caça” ao boi inteiro terminado no sistema tradicional a pasto. Em relatório divulgado em junho (abates no MS entre an- -set 2015), a instituição identificou que bois inteiros a pasto tiveram incidência de farol vermelho cinco vezes maior do que os castrados. A principal causa para a desclassificação destes animais foi falta de acabamento: 70% dos inteiros a pasto foram tiveram cobertura de gordura ausente (tipo 1).
De acordo com o diretor de relacionamento com o pecuarista da JBS, Fábio Dias, as estatísticas da indústria em 2015 também apontam resultados negativos para a categoria. De cada 10 carcaças de machos desclassificadas para o farol vermelho, sete foram de inteiros a pasto; de cada 10 carcaças com gordura ausente, oito foram de inteiros a pasto; e de cada três machos acima da idade (considerando que APTA e Embrapa recomendam abate de machos inteiros com até dois DIPs), dois foram inteiros a pasto.
Quanto ao peso e precocidade, machos inteiros a pasto foram abatidos com apenas 2,5 meses a menos e somente 0,3 @ mais pesados do que os castrados. Isso invalida, por exemplo, o argumento de que os machos inteiros, de maneira geral, produzem uma arroba a mais com seis meses a menos de pasto.
Volume crescente
Na contramão da necessidade aumentar o giro dentro da fazenda e de fidelizar consumidores, os abates de machos inteiros terminados tardiamente a pasto seguem crescendo. Os números da JBS mostram que estes animais representaram 47% de todos os machos abatidos em 2015, 9% a mais do que em 2011. Já os inteiros confinados representam, com certa estabilidade, 30% dos abates de machos e os castrados, 22% (8% a menos do que em 2011).
“Na pecuária com tecnologia e foco no consumidor, animais inteiros têm que ser abatidos precocemente. O boi inteiro, depois de sua puberdade, passa a ter comportamento de touro. Isso traz uma série de consequências negativas na qualidade da carne, seja pela dificuldade do acabamento, seja pelo estresse pré-abate. Para quem preconiza a pecuária de boi inteiro, é recomendável que abata seu boi com até dois dentes incisivos permanentes”, pondera o diretor executivo de originação da JBS, Eduardo Pedroso.
O estresse pré-abate é um dos responsáveis pelos desvios de pH, que influencia também no odor, sabor, maciez e cor da carne. Um estudo da JBS envolvendo mais de 6.500 animais em nove estados mostrou que machos inteiros são a maior fonte de carne com desvio de pH. Quase metade dos animais inteiros abatidos apresentaram problemas. Detalhando os números, é possível observar que a principal incidência de pH acima da faixa tolerável se dá em machos inteiros acima dos 2 DIPs. “O animal inteiro é mais reativo, mas quando você adota boas práticas de manejo e adota o pacote do Boi 7-7-7, que implica em fornecimento de suplementos na fase de crescimento, esse animal é mais fácil de ser trabalhado, embarcado, com probabilidade maior de ter pH ideal para o mercado”, contextualiza Flávio Dutra, da Apta.
fonte: Giro do Boi