Em 2012, o BeefPoint lançou a pesquisa sobre Relacionamento Produtor – Frigorífico, cujo objetivo foi levantar informações e entender em profundidade a situação de ambos. E principalmente, levantar sugestões do que pode ser feito para melhorar essa relação. Temos certeza que aumentar a confiança e melhorar o relacionamento produtor-frigorífico é fundamental para melhorar o setor e tornar nossa pecuária mais competitiva, hoje e a longo prazo.
Na pesquisa, ainda não publicada, muitos produtores alegaram problemas na padronização de rendimento de carcaça dos animais abatidos. Vale ressaltar, que para a obtenção de um padrão de rendimento satisfatório, muitos fatores devem ser levados em consideração, sendo que muitos destes vão além da ação e responsabilidade do frigorífico, visto que o processo de padronização inicia muito antes do animal ser abatido, ou seja, na própria fazenda e praticamente durante todo o ciclo de produção.
Desta forma, visando esclarecer os questionamentos sobre a falta de padronização de rendimento de carcaça nos animais abatidos, o BeefPoint convidou o pesquisador científico da APTA Regional Alta Mogiana (Colina/SP), Flávio Dutra de Resende, para escrever um artigo técnico-científico, com base em seu conhecimento e experimentos já realizados.
Flávio Dutra é Zootecnista e Pesquisador Científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios e Professor credenciado da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária (FCAV – UNESP, Jaboticabal). Atua como revisor científico da Revista Brasileira de Zootecnia, do Boletim de Indústria Animal e da Revista Ciência e Cultura. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em Avaliação de Alimentos para Animais, atuando principalmente nos seguintes temas: bovinos de corte, desempenho animal, qualidade de carne, confinamento e desempenho.
Por Flávio Dutra de Resende - flavio@apta.sp.gov.br
O rendimento de carcaça é um dos grandes gargalos na relação produtor rural e frigorífico. Na maioria das vezes, o produtor rural não fica satisfeito com o resultado de rendimento do lote, o que leva a questionamentos de toda natureza, conturbando ainda mais a relação produtor rural e frigorífico.
Então, a grande questão é: por que não há uma padronização no rendimento de carcaça dos animais enviados ao abate?
Por exemplo, nos EUA, o rendimento de carcaça (RC) é padrão (63%) (Figura 1). Já no Brasil, encontramos uma grande variação no rendimento, desde 50% podendo chegar a 60%. Essa variação de RC é provocada pelas características do nosso sistema de produção. Nos EUA, o rendimento de carcaça é maior, pois a gordura interna (associada aos rins) é mantida na carcaça durante o processo de abate. Outra grande diferença é que nos EUA, o sistema de recria/terminação é feito em confinamento e com duração prolongada (mais de 200 dias), o que uniformiza a carcaça dos animais em relação ao restante do animal. Além disso, as carcaças são mais pesadas (Figura 1).
Figura 1. Rendimento de carcaça comercial – Padrão EUA
Para entender as possíveis causas de variação no rendimento de carcaça (RC) partiremos da sua definição. O RC é calculado pela divisão do peso de carcaça quente pelo peso corporal do animal (PC). Este rendimento é chamado de rendimento comercial de carcaça.
Há ainda uma outra fórmula para se calcular o rendimento. Neste caso divide-se o peso da carcaça quente pelo PC do animal, porém sem o conteúdo do trato gastrintestinal (TGI), chamado de rendimento verdadeiro. O que difere as duas fórmulas de calcular é que na segunda, o cálculo não leva em consideração o conteúdo do TGI presente no animal. Este cálculo só é possível em condição de pesquisa onde o animal é abatido e todas as partes do mesmo são pesadas, inclusive o conteúdo. Assim, medida (animal sem o conteúdo) é denominada de peso de corpo vazio (PCVz). Somente com o rendimento baseado no PCVz, pode-se comparar RC de diferentes origens e lotes, pois com isso, consegue-se uniformizar as diferenças existentes entre os diversos sistemas de produção em função das variações existentes na proporção de conteúdo do TGI e componentes não integrantes da carcaça.
Para melhor compreensão sobre o RC temos que pensar na seguinte questão: o que é o boi?
Figura 2. Bovinos 1/2 Angus
O boi é o somatório de três partes: a carcaça propriamente dita; os componentes não integrantes da carcaça (CNC), desde cabeça, couro, patas, sangue, fígado, coração, rins, pulmão, rúmen, intestino delgado e grosso ou seja o restante do animal e a terceira parte é o conteúdo presente no trato gastrintestinal do animal.
Para facilitar o raciocínio, as duas fórmulas apresentadas a seguir (A e B) referem-se ao rendimento de carcaça comercial. O que muda é o denominador da equação, mas ambas são iguais. O produtor precisa entender que qualquer variação que possa existir nos CNC e proporção de conteúdo do TGI, influencia o resultado de rendimento de carcaça.
(A) Rendimento de carcaça = Peso da carcaça/ Peso do animal
(B) Rendimento de carcaça = Peso da carcaça/ (Peso da carcaça + CNC + Peso do conteúdo do TGI)
Nas figuras 3, 4 e 5 são mostradas as partes que compõem o animal – carcaça, não componentes da carcaça e conteúdo do TGI – respectivamente.
Figura 3. Carcaça bovina.
Figura 4. Não componentes da carcaça.
Figura 5. Conteúdo do TGI.
Adicionalmente, mostra que, além do peso da carcaça, os CNC e conteúdo do TGI podem impactar o cálculo do RC. Se o rendimento do lote for 55%, o restante (45%) seria de CNC e conteúdo do TGI.
Quanto seria de conteúdo e quanto seria de CNC?
Esta resposta é muito variável, pois se o CNC aumenta ou conteúdo do TGI aumenta (denominador da equação de rendimento de carcaça – fórmula B), o rendimento de carcaça diminui. Então, para termos um rendimento de carcaça padrão teríamos que ter uma proporção semelhante de CNC e conteúdo do TGI também padrão e isso é impossível pois CNC e conteúdo do TGI são extremamente variáveis, pois dependem do sistema de produção no qual o animal foi terminado, desde pastagens, semi-confinados, confinados, com diferentes tipos de raça, dieta, peso e idade de abate.
Os componentes não carcaça são dependentes da raça, pois há variações entre proporção de cabeça, couro, ossos e taxa de metabólica (associada a mantença e ganho de peso) onde órgãos metabolicamente ativos mudam de tamanho em resposta ao maior ou menor aporte de nutrientes. Embora a proporção de fígado, coração, rins e trato gastrintestinal representem menos de 10% do peso corporal do animal, estes órgãos consomem cerca de 48% da exigência de mantença (BALDWIN, 1995). Assim, em condições de melhor ou pior plano nutricional, o animal ajusta as necessidades de energia de mantença, alterando a proporção destes órgãos, passando a representar mais ou menos proporção destes em relação ao peso do animal (denominador da equação B).
A Tabela 1 demonstra as variações no RC de diferentes grupos genéticos (½ Nelore x ½ Red Angus (NRA), mestiço leiteiro (ML) e Nelore (NEL), recriados e terminados em pastagens durante o período das águas e da seca, recebendo diferentes níveis de suplementação (águas – 02; 06 e 1,0%PC; seca – 04, 0,8 e 1,2%PC). Analisando os grupos genéticos (período das águas), verifica-se que animais NEL e NRA apresentam melhor RC comercial. Já quando corrigida (rendimento verdadeiro), NRA e ML não diferiram entre si.
Basicamente, as diferenças estão associadas ao fato de animais de origem leiteira possuírem maior proporção de TGI, o que impacta também na proporção de conteúdo. Além disso, animais leiteiros e animais de raças britânicas possuem maior taxa metabólica que animais Nelore, consequentemente, quando suplementados, alteram a proporção dos principais órgãos associados ao metabolismo, como o fígado.
Outras partes integrantes dos CNC, como couro e cabeça também variam entre raças (Tabela 1). Assim, as contribuições de cada CNC alteram o denominador da equação, aumentando ou diminuindo o RC, o que dificulta padronizar o mesmo. A contribuição de cada parte dos CNC tem que ser levada em consideração para o entendimento do RC.
Uma outra parte importante do denominador da equação de RC é a proporção de conteúdo do TGI. Observa-se na Tabela 1 que há uma variação na proporção de conteúdo do TGI em função dos níveis de suplementação da dieta do animal. No período das águas, quando aumentou a suplementação de 0,2 para 1,0%PC, a proporção de conteúdo do TGI reduziu de 11,41 para 8,86%. No período da seca, quando a suplementação aumentou de 0,4 para 1,2%, a proporção caiu de 9,16 para 6,11% do peso do animal (PV).
Vale ressaltar que esta proporção foi a recuperada no frigorífico após o animal ter ficado em jejum por 18 horas. Mesmo assim, a variação é muito alta (3 a 4%) e modifica se o animal estava numa pastagem de águas ou de seca e também em dietas diferentes no confinamento. Tais variações são influenciadas pela taxa de passagem da digesta e taxa de consumo de MS. Em condições normais de fazenda, dependendo da época do ano e critérios de pesagem, a proporção de conteúdo do TGI pode chegar a 30% do PV e qualquer variação existente interfere no denominador da equação B do cálculo de RC.
Com isso, variações no rendimento da carcaça são normais, pois dependem de várias variáveis, desde o peso da carcaça, dos componentes não integrantes da carcaça e da proporção de conteúdo do TGI que varia em função das diferentes épocas do ano, pois há uma variação sazonal na oferta de forragem tanto em termos quantitativos quanto qualitativos e isso influencia na digestibilidade da dieta e consequentemente na taxa de passagem e se o animal estiver sendo suplementado ou não, haverá também impacto na proporção de conteúdo do TGI. O somatório destes fatores, associados as diferenças raciais, modificam o denominador da fórmula de cálculo do rendimento de carcaça, sendo isto um dos principais problemas da grande variabilidade deste índice tão usado pelos produtores rurais para avaliarem o seu sistema de produção.
Tabela 1. Composição percentual dos não componentes da carcaça, em função do peso corporal (PC) de novilhos ½ Nelore x ½ Red Angus (NRA), mestiço leiteiro (ML) e Nelore (NEL), em pastejo e com suplementação alimentar, no período das águas e das secas.
1 RC = Rendimento de carcaça em percentagem do peso de abate. 2 RCPCV = Rendimento carcaça quente em porcentagem do PCV. 3 Coeficiente de variação.
Assim sendo, o produtor rural tem usado de diferentes estratégias para tentar melhorar o rendimento de carcaça, desde fechar os animais a tarde e pesar no outro dia, dentre outras. Aqui, vale um questionamento. Até que ponto aumentar o RC do animal no momento do abate vai impactar a receita do produtor?
O que importa é saber o quanto de carcaça o animal está ganhando por dia, pois deve-se pensar em aumentar o numerador da fórmula de cálculo do RC. Se o produtor der castigo ou não, o animal terá o mesmo peso de carcaça, o que vai mudar é que terá menos conteúdo do TGI, reduzindo proporcionalmente o denominador e consequentemente aumentando o RC. Não é o RC que paga a conta.
A preocupação do produtor não deveria ser no número absoluto do rendimento de carcaça e sim entender o quanto de carcaça que o animal está produzindo, pois o produtor é remunerado pelo peso da carcaça que ele entrega ao frigorífico e não pelo peso do boi abatido. O cálculo do rendimento pode então estar sofrendo influência das três partes componentes do boi, como já discutido, e a receita do produtor será unicamente pelas arrobas de carcaça efetivamente entregues.
Para avaliar se a operação de terminação dos animais é rentável, a única fórmula seria pelo rendimento do ganho em carcaça (RGC). O RGC é definido como a quantidade de carcaça que o animal colocou durante a fase de terminação e é calculada da seguinte maneira:
RGC = PCF – PCL/ PVF – PVI*100
Onde: PCF = Peso de carcaça final (abate) – kg; PCI = Peso de carcaça inicial – kg; PVF = Peso vivo final do animal (abate) – kg e PVI = Peso vivo inicial – kg.
Exemplificando: Animal – fase inicial de terminação: 350 kg PV; Peso vivo (PV) de abate: 500 kg; peso de carcaça: 275 kg. Se o animal ficou no confinamento durante 100 dias, ele ganhou 150 kg de peso durante o período ou 1,5 kg/dia sendo o rendimento de carcaça de 55%. Analisando assim, os números mostram parte do resultado, porém o que interessa é que a receita bruta é dada pela comercialização dos 275 kg de carcaça e não pelo peso vivo do boi. Assim, o rendimento de carcaça passa a ser apenas um referencial.
O produtor precisa saber quantos kg de carcaça o animal produziu e não quanto de peso vivo. Para isso, o RGC auxilia na análise. No mesmo exemplo, a única medida que o produtor não tem é o peso de carcaça inicial. Neste caso, pode-se usar um valor de referência para rendimento de carcaça inicial de 50%. Portanto, se o animal tinha 350 kg, com 50% RC, teria 175 kg de carcaça. Neste exemplo, o RGC seria (275-175)/(500-350) *100 = 66,66% ou seja, dos 150 kg de peso vivo colocado no confinamento, 66,66% foi de carcaça (100 kg).
São os 100 kg de carcaça que pagam a conta do produtor e não os 150 kg de peso vivo colocado. O animal portanto teve um ganho de peso vivo de 1,5 kg/dia e de carcaça de 1 kg/dia. Com um preço de @ a 100,00, o kg da carcaça seria de R$6,66. Neste exemplo a receita bruta seria de R$6,66/dia o que poderia pagar uma diária de confinamento de R$5,50 sobrando um lucro de R$1,16/dia ou R$116,00 no período analisado.
Com a ótica do RGC podemos ter cenários que aparentemente são ruins e não são e cenários contrários, ou seja, onde o ganho de peso vivo é alto, porém o RGC é baixo. Isso é muito comum quando o animal tem GMD elevado (chamado de ganho compensatório), porém, grande parte do ganho é de CNC. No final, ao abater o animal, o rendimento de carcaça vai dar baixo e aí, muita vezes, o pecuarista não entende, pois, como o animal ganhou muito peso e as arrobas entregues foram baixas? Esta situação é muito comum nos confinamentos brasileiros, onde os animais entram debilitados e precisam recuperar as vísceras para possibilitar maior taxa de digestão, absorção de nutrientes e metabolização.
É comum observar GMD de 1,8 a 2,0 kg/dia, porém a questão é saber quanto de carcaça está contida neste ganho, o chamado RGC. Numa diária de confinamento de R$5,50/dia, com @ a 100,00, o animal tem que ganhar 0,83 kg de carcaça por dia para nivelar os custos. O pecuarista precisa manejar os animais para ganhar carcaça e não peso corporal.
O RGC tem sido avaliado em vários trabalhos de pesquisas conduzidos na APTA Regional em Colina/SP, cujos valores médios são de 67% (670g de carcaça/kg de peso vivo ganho) para terminação em confinamento convencional. Para animais terminados no pasto com alto concentrado (2% do PC), o RGC chega a 80%. Com isso, um animal no confinamento convencional ganhando 1,5 kg/dia com RGC de 67%, o ganho diário de carcaça é 1,0 kg/dia.
Com animais terminados no pasto com alto concentrado, o ganho de peso vivo observado é de 1,260 kg/dia, porém com RGC de 80% neste caso, está ganhando também 1,0 kg/dia de carcaça. Se o produtor se atentar somente ao ganho de peso vivo, pode deixar de usar estratégias de terminação que poderiam facilitar o manejo. Essas diferenças também se aplicam a produtores que adotam o uso de grão inteiro no confinamento, onde o ganho de peso vivo é mais baixo, porém o RGC é maior. Em ambos os casos, ao abater os animais, o rendimento de carcaça final será maior, porém como comentado, ele deve ser apenas um referencial para análise dos dados da operação de terminação.
Considerações finais
Somente conseguiremos padronizar o rendimento de carcaça bovina no Brasil quando as características do sistema de produção forem mais semelhantes e também quando as carcaças forem mais pesadas para diluir os efeitos que os componentes não integrantes da carcaça e conteúdo do trato gastrintestinal têm sobre o rendimento final.
O produtor rural precisa ficar atento ao rendimento de carcaça, porém não pode perder o foco que ele é remunerado pela carcaça produzida e que um maior ou menor rendimento de carcaça pode ser ilusório e desviar o foco do eixo central da questão, ou seja, o importante é saber quanto de carcaça efetivamente o animal produziu.
fonte: Beefpoint