Rick Britton é da quinta geração de uma família de criadores de gado bovino. Ele não estranhava mais os períodos de seca sofridos por sua fazenda de 200 mil hectares no norte do estado de Queensland. Mas, uma seca brutal que já dura dois anos na Austrália, terceiro maior país exportador de carne bovina do mundo, vem aumentando as preocupações de que a alta dos preços mundiais do produto poderá alcançar níveis ainda maiores.
“O solo se transformou em uma paisagem lunar, com o capim reduzido”, diz Britton, que é prefeito do distrito de Boulia, cidade que tem 600 habitantes. “Com a escassez de pasto nos últimos 18 meses, não tivemos alternativa a não ser reduzir nosso rebanho de 7,4 mil para 4 mil cabeças”.
O ano passado foi o mais quente na Austrália, e a seca está levantando questões em torno da viabilidade da pecuária em regiões de Queensland, que tem quase metade do rebanho do país, que chega a 27 milhões de bovinos. O quadro climático australiano coincidiu com uma grave seca em estados produtores de gado dos EUA, o que gera um aperto mundial de oferta num momento de crescimento acelerado da demanda chinesa.
Ontem, o governo australiano respondeu aos apelos dos pecuaristas e aprovou a liberação de 320 milhões de dólares australianos (US$ 288 milhões) para socorrer os criadores afetados pela seca. “Alguns de vocês podem se sentir inclinados a dizer ‘essa é uma concessão especial para os pecuaristas’, mas não, o fenômeno se assemelha a uma catástrofe natural”, afirmou o primeiro-ministro do país, Tony Abbott.
O nível de assistência concedida aos agricultores na Austrália é relativamente baixo, já que os subsídios correspondem a 2% da receita bruta gerada pelo segmento, bem menos do que oferecem EUA e União Europeia.
As entidades que representam pecuaristas comemoraram o pacote, mas a maioria reconhece que a saúde futura da atividade australiana depende da volta das chuvas em Queensland. “Cerca de 70% de Queensland e metade de Nova Gales do Sul foram declarados em estado de seca”, afirma Dale Miller, do grupo de lobby AgForce Queensland.
Com uma pequena possibilidade de crescimento de capim, os pecuaristas são obrigados a comprar ração para seus animais. A seca também eleva o custo dos grãos usados como ração, o que deixa aos criadores poucas opções a não ser mandar parte de seus animais para o abate para reduzir os custos. “A seca tem sido tão grave que os criadores tiveram de esperar até três meses para ter acesso aos abatedouros, que estão operando a plena capacidade”, diz Miller.
Os abates no trimestre encerrado em dezembro alcançou o recorde de 2,2 milhões de animais, 15% mais que em igual período de 2012. No intervalo, foi produzido um volume recorde de 596 mil toneladas de carne bovina, enquanto as exportações de boi em pé cresceram 230%, para 275 mil toneladas, sempre em relação ao quarto trimestre de 2012.
Essa alta na produção ameaçou reduzir os preços do gado e da carne no mercado local em 2013. Mas o crescente apetite da China por carne vermelha ajudou a amortecer o impacto da seca sobre os criadores e produtores australianos. No ano passado, os embarques australianos de carne bovina à China saltaram para 155 mil toneladas, ante 30 mil em 2012, ou quase 50% do volume total importado pelos chineses.
“Os consumidores chineses comem quantidades relativamente pequenas de carne bovina, mas eles são 1,3 bilhão e tendem a continuar compradores no futuro”, diz Tim McRae, economista da empresa de marketing e pesquisa agropecuária Meat & Livestock Australia. A forte demanda em parte da Ásia e as restrições na oferta produziram uma alta de 6% dos preços mundiais do gado entre junho e dezembro de 2013, segundo o Rabobank. A instituição prevê que as limitações na ponta da oferta sustentarão os preços neste começo de 2014.
Nos EUA, maior produtor mundial de carne bovina, uma seca também aguda nos estados de Texas e Califórnia reduziram a 87 milhões seu número de cabeças de gado, menor nível desde 1951. Isso elevou os preços da carne bovina americana e levaram o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) a projetar uma queda de 5% no consumo do produto ao longo deste ano.
McRae prevê que a queda das exportações australianas poderá impulsionar ainda mais as cotações mundiais. “A Austrália é um grande exportador mundial, e, se houver chuva, os criadores vão manter seus animais e começarão a recompor seus rebanhos”, diz McRae. “Isso exercerá pressões sobre os preços da carne bovina.” Em algumas das áreas afetadas pela seca de Queensland e Nova Gales do Sul, há sinais de que um abrandamento da seca pode estar a caminho. Nesta semana, choveu no distrito de Boulia.
“As chuvas que tivemos na noite de ontem são um bom começo”, diz Britton. “Se tivermos um volume de chuvas realmente bom no mês que vem ou nos próximos um ou dois meses, os criadores vão recompor seus rebanhos”.
Fonte: Jornal Valor Econômico, resumida e adaptada pela Equipe BeefPoint.
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