Patrícia Comunello
MARCO QUINTANA/JC
Luis Manuel Sarmento acompanha venda de 200 cabeças que vão atender ao mercado paulista
O Rio Grande do Sul tem a carne mais desejada pela indústria e pelo varejo de nicho, o que acirrou o confronto entre o maior player global no setor, o JBS, seu rival Marfrig e operadores locais. Produtores sorvem preços em alta e escolhem a quem vender, mas são cobrados para entregar regularidade e padronização.
Esqueçam Grêmio e Internacional. A disputa mais acirrada do momento no Estado envolve outra paixão do gaúcho: a carne. E não é qualquer naco de proteína vermelha, mas aquela de sabor, maciez e até aroma campeões nacionais, ofertados por bovinos jovens (18 a 24 meses), com mais de 75% de sangue britânico. O assédio envolve players globais, como JBS, maior processador de carne no mundo, Marfrig e, correndo por fora, mas nem por isso menos credenciados, médios e pequenos frigoríficos. Erguerá a taça do campeonato na liga da indústria da carne quem reunir três craques: fidelidade de pecuaristas, regularidade e padrão de carcaça, que cabem ao setor primário.
Os criadores ganham pela valorização do produto mesmo na safra e podem escolher a quem vão vender. O preço da arroba chegou a bater em R$ 140,00 na praça doméstica no começo de 2014. Além disso, a estabilidade no rebanho, que se mantém em pouco mais de 13,7 milhões de cabeças desde 2010 (55% bovinos de corte), ajuda a manter o apetite dos compradores. Os abates também seguem estáveis, em pouco mais de 2 milhões de cabeças por ano. O que chama a atenção é a escalada do elenco jovem (13 a 24 meses), de 13,7% no processamento total de 2010, para 16% em 2013. Dos 2.052.218 animais enviados aos frigoríficos no ano passado, 331.935 tinham entre 13 e 24 meses. Em 2010, o segmento jovem somou 280.614 entre as 2.086.396 cabeças abatidas.
No campo, trava-se o confronto que se compara à exportação de craques da bola para mercados europeus. Em vez de jogadores, despacham-se bois bem conformados de raças puras ou de cruzamento, com predominância de Angus, Hereford e Braford, ou outras cruzas da matriz pecuária local. Até começo de setembro, 27.773 animais foram transportados a São Paulo, quase nove de cada 10 cabeças embarcadas de alguma propriedade para engordar em outros estados. A maior parte aportou em Guaiçara, a pouco mais de 100 quilômetros da capital paulista e onde fica o complexo industrial que move um dos negócios mais lucrativos do JBS, cuja fama ganhou o País, o Swift Black. Lá, os bois castrados e jovens, com até 440 quilos, de predomínio britânico, chegam após quase dois dias de viagem a partir do Estado, permanecem quatro meses ganhando quilos e mais quilos, são abatidos, e a carne, que valerá ouro nos cardápios de restaurantes e lojas gourmets, passa por um tratamento de sangue azul.
Foi o destino das 200 reses Hereford que o pecuarista de Bagé, dono da Fazenda São Francisco, Luis Manuel Sarmento, despachou no dia 24 de setembro. Foi a primeira venda de Sarmento, herdeiro de uma família que passou pelas charqueadas (século 19) e chegou ao mercado da carne do século 21, que escolhe a dedo o animal que vai gerar a picanha, o entrecôt e outros cortes para alegrar consumidores exigentes. “Meu bisavô Manuelito Sarmento levava gado em tropa às charqueadas. Dia desses achei em um armário um troféu de 1915 que ele ganhou pelo melhor novilho da região”, conta o bisneto, aos 53 anos, orgulhoso do plantel que se agita no brete da propriedade, antes de se enfileirar e adentrar no corredor para encher quatro caminhões do JBS. No lombo dos animais, vislumbra-se a marcação SB, de Swift Black.
“Não interessa se vai abater aqui ou em São Paulo, vale é o preço. Somos produtores, isso aqui é uma fábrica e meu produto tem de sair”, justifica Sarmento, que indica outro fator decisivo. “O que não consigo terminar (engordar), tenho de vender, senão me aperto, pois já tem planta nascendo.” O pecuarista antecipa a venda dos bois, que em outros anos permaneceriam mais tempo no pasto e aportariam em um frigorífico situado no Estado, pois precisa desocupar a terra para dar lugar à novidade: a cultura da soja. Sarmento arrenda 700 hectares dos mil destinados a grãos. A São Francisco tem 5 mil hectares. “Iria custar mais tempo e espaço para engordar, e tempo é dinheiro.”
Olho clínico para garantir animais ao programa Swift Black
O carregamento dos 200 animais leva menos de uma hora na Fazenda São Francisco, em Bagé. O certificador do Programa Swift Black, do JBS, o bageense e pecuarista Martim Teixeira da Luz, registra com seu smartphone imagens dos lotes narrando atributos. Ele repete o gesto em todos os embarques, feitos diariamente. Os vídeos caseiros são enviados à sede para comprovar a estirpe da seleção que em seis meses, prazo do ciclo do programa (terminação e maturação após abate), vai parar no prato de restaurantes como o Pobre Juan, de São Paulo. Uma semana antes, o certificador selecionou os lotes e marcou com as iniciais SB (Swift Black). “O rebanho gaúcho sempre estará no topo, mas não basta ser britânico, tem de ter tecnologia, bem-estar animal, resfriamento, desossa e maturação após embalar a carne”, descreve Luz. “Empresa pequena não conseguiria fazer.”
Luz sustenta que a negociação é vantajosa ao produtor, que antecipa a renda e ainda reduz a conta da terminação. Referência na pecuária gaúcha, o presidente da Estância Guatambu, Walter José Pötter, garante que a vantagem ainda está em terminar na propriedade, obtendo mais quilos. “O JBS quis comprar da gente, mas não achamos atrativo”, justifica Pötter, que fornece ao Marfrig, concorrente do líder global. “Todos querem carne de qualidade, a dificuldade é chegar aos animais”, detecta o presidente da Guatambu, que admite limitação no setor primário de fazer terminação adequada e buscar mercado. Confinamento é ainda incipiente. “O JBS tem o mercado na mão, pois abastece o varejo com o programa”, constata Pötter, advertindo que “pecuária de corte exigirá cada vez mais escala, com margem bruta entre R$ 100,00 e R$ 150,00 por hectare.”
“Estamos preocupados com a rentabilidade da propriedade, política que nenhum frigorífico tem”, contrapõe o certificador do SB, estimando em 15% o ganho de fornecedores como Luis Manuel Sarmento, dono da São Francisco. “O produtor precisa plantar, e se pegar dinheiro 90 dias antes, é ganho”, argumenta Luz. O programa só vai crescer, provando o alto retorno para a companhia. O complexo de Guaiçara elevará de 26,5 mil para 33 mil animais confinados por ano, ínfimos 0,5% do volume de cabeças abatidos pelo JBS. A velocidade de expansão dependerá da oferta de matéria-prima. “Tem produtor que me chama hoje até na hora de comprar terneiro, para não ter nenhum animal excluído na escolha do lote”, conta o olheiro.
De boi magro em boi magro, condição que para pecuaristas tradicionais sempre foi sinal de aperto financeiro, os melhores produtores de novilhos do Pampa vão sustentando o programa da gigante. Luz costuma alcançar áreas menos fartas, como na entressafra (janeiro e fevereiro e julho) para atender à cota mensal, que não para de crescer desde a estreia do programa em 2010. Nos primeiros anos, o suprimento era da Argentina, e poucos do Uruguai. Hoje, o produto gaúcho domina. Em 2014, a meta é enviar 36 mil animais, e 40 mil em 2015.
Rival aponta danos da exportação de animais para ganhar valor
O Marfrig, cobrado por acionistas para gerar mais rentabilidade, precisa dos bois que o JBS está angariando nas propriedades gaúchas. A empresa, que reduziu de cinco para três as plantas de abate locais desde 2013 recuando de 25% para 15% sua fatia no volume total de animais processados nos frigoríficos do Estado, enfrenta ociosidade e terá de decidir se manterá aberta a planta de Alegrete, que abate hoje 500 cabeças diárias e gera 640 empregos.
A unidade é a única no Estado habilitada a exportar para a China, mercado reaberto em julho, após anúncio do governo do país asiático. O complexo, ex-Frigorífico Alegretense, também é aprovado pela Rússia, que reativou as compras recentemente. Há três anos, o País era o maior importador da carne gaúcha. “Nosso compromisso é fazer de tudo para viabilizar”, afirma o CEO do Marfrig, Martín Secco.
No Estado, a empresa usa as armas que pode. Paga bonificação a produtor que tem rastreabilidade, ainda restrita, e estabelece acordos com projetos, como o confinamento da Jaguaretê, empreendimento em Eldorado do Sul que alcançará capacidade estática de 4 mil animais anuais até dezembro. Outra aposta é receber bovinos da Alianza del Pastizal, com 100 pecuaristas no Estado que focam produção mantendo 50% de área de pasto nativo. O diferencial será gravado na embalagem de cortes de novilho. Além disso, é credenciada em programas de certificação de associações de criadores de Angus e Hereford, remunerando melhor.
O peso de frigoríficos médios e pequenos nos abates, marca do mercado gaúcho, incomoda o Marfrig. Os executivos da empresa pediram, em encontros com sindicatos de produtores, garantia de entrega de volume de animais. O presidente do Sindicato Rural de Alegrete, Pedro Piffero, alegou que não é possível assegurar fidelidade. Piffero lembra que não é só o JBS que compra animais na região. O Marfrig abate 110 mil cabeças ao ano em Alegrete, enquanto a região oferta 400 mil. “As quase 300 mil restantes vão para onde? Não falta bovino, o que aumentou foi a concorrência”, conclui o ruralista.
‘Estão matando uma indústria’
A indústria frigorífica regional também está na briga por matéria-prima. Precisa ter regularidade no fornecimento de bois jovens e de genética 75% britânica. A diferença está no esquema de jogo de cada operação para acertar o gol, ou seja, o mercado. Mesmo que o consumidor tenha freado um pouco a fome por carne neste ano, segundo o varejo, a certeza é que a demanda se manterá. E a margem líquida do setor não deve ultrapassar 3% a 5%. Repasse de preço ao varejo, mais dificuldade, previne o presidente da Scot Consultoria, Alcides Torres, citando que o ganho no súper, que chegou a 90%, hoje caiu a 50%. “É muito!”
O JBS se especializa em levar animais para fora. O que não agrada em nada operadores locais. “Estão matando uma indústria”, reage o sócio-diretor do Producarne, Edson Endres, com sede em Bagé, reforçando que o boitel paulista (nome popular para confinamento) reduz a matéria-prima às plantas locais. O empresário, que abriu a unidade há três anos, questiona produtores que dizem estar ganhando dinheiro vendendo animais ao player global. “Onde agrega valor? Estão massacrando a indústria de carne por falta de matéria-prima. Por que não fazer incentivo para que esse gado fique aqui?”, propõe o empresário, citando que o “monopólio” do JBS prejudica também curtumes, graxarias, empregos e até a indústria de papelão. “Sou contra barreiras, mas existe uma coisa chamada proteção”, sugere o dono do Producarne. “O governo é obrigado a olhar isso. Por que não fazer um agrado a quem gera emprego aqui?”
O CEO do Marfrig, Martín Secco, afirma que cabe ao governo resolver a situação. “São decisões que têm de ser tomadas, e muitas vezes não são muito simpáticas”, admite Secco, citando a exportação de gado em pé. “Me diz qual é a indústria gaúcha que faz a qualidade do Swift Black. Não existe”, reage Martim Teixeira da Luz, certificador do programa do JBS. “Entra hoje muito mais carne de fora do Estado do que sai.” Foram 260 mil animais em 2013. Pedro Piffero, do Sindicato Rural de Alegrete e da Farsul, é contra taxação de envio de bois para fora. O secretário estadual de Agricultura, Claudio Fioreze, descarta barreiras e aponta saídas no incentivo ao confinamento e à integração de produtores e indústria, hoje com 30% a 40% de ociosidade. “A compra do JBS não é significativa, mas pode complicar ao longo do tempo.”
Tamanho não é problema no campeonato pela carne
A indústria de carne no Estado não é mais a mesma. A precursora dos ventos da industrialização, desde o auge e a derrocada das charqueadas, também sobreviveu com muitas baixas a outras fases, como nos anos de expansão de 1970 e 1980. O governo militar inseriu o setor na estratégia de abastecimento e impulsionou a construção e financiamento de grandes plantas.
Nesse período, são bancados novos empreendimentos. Nas últimas décadas, o setor encolheu, mas também recebeu investimentos como os da Marfrig (fim dos anos 2000) e assistiu à consolidação do modelo de empresas de porte pequeno e médio, com 100 a 300 abates diários. Algumas se descolam e ganham mais musculatura, como o Frigorífico Silva, com sede em Santa Maria, que é o primeiro em planta de abate. “Somos o único entre os mais antigos que nunca trocou de razão social”, lembra o diretor comercial e sócio, Gabriel Silva. A empresa é de 1970, exporta e amplia a unidade.
Em Santa Cruz do Sul, o frigorífico Gassen, aberto há 15 anos, entra no rol das plantas de porte pequeno que ganham terreno a cada dia. O gerente comercial do Gassen, Marcio Gideon, lembra que a empresa familiar se profissionalizou, e administra capacidade diária de 200 animais, que hoje recebe 150 animais. “Chegamos a 190 a 200 entre fim de 2013 e 2014, o mercado estava mais aquecido”, cita Gideon. Mas mesmo a ocupação menor, não esmorece a meta de chegara a 250 até janeiro de 2015, com rearranjo do atual parque industrial. “O mercado vai se ampliar e precisaremos de mais logística, vamos ter mais representantes comerciais pelo País”, detalha o diretor do Gassen.
Além de abastecer redes regionais, a indústria que está no Cispoa-Sisbi, manda produto para outros estados, como Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. “Vai carne com osso e linhas mais nobres.” Hoje, 15% a 20% dos abates são de novilho jovem, abastecidas por criadores de raças britânicas. E no futuro, se mantida e ampliada a oferta desse tipo de carcaça, é estrear no mercado de exportação. “É meta futura.” Quando, é “segredo de Estado”. A escalada e ambição do Gassen confirmam a tendência que o CEO do Marfrig, Martín Secco, detectou e tem perdido noites de sono. “Vemos com preocupação”.
A política com os produtores adotada pelo Gassen segue duas táticas: pagar à vista e fidelizar o fornecedor. “O próprio dono negocia e mantém a carteira de produtores”, revela o gerente comercial. “O produtor se educou, depois de ter tomado calote. Filtra empresas com mais tradição, não é tanto pelo preço.” O problema é que mesmo assim não há garantia total de que não vai faltar matéria-prima. O mesmo gargalo vivido pela grande indústria é verificado no dia a dia da pequena. “Sobressai quem tem produto com qualidade, mas nem todos conseguem ter regularidade e qualidade para atender o ano todo.”
O Producarne é outra promessa de players que belisca os grandões. O sócio-diretor Edson Endres, ex-comerciante e dono de transportadora que atuava no Vale dos Sinos, decidiu no fim dos anos de 1990 a ingressar nesse setor. Por 12 anos, estudou seu plano, adquiriu área em Bagé, montou sua unidade e hoje abate 150 animais ao dia. Há três anos na atividade, Endres conseguiu montar um modelo que atua “um pouco” com commodity e mais com produto de qualidade e com certificação. “É a vantagem de lojas especializadas de comprar produto embalado a vácuo, o consumidor sempre vai comprar o mesmo produto”, define o sócio-diretor.
A indústria atua para propagar a marca Producarne, e se posiciona em lojas especializadas e boutiques de carnes em Porto Alegre e outros locais entre a Região Metropolitana e o Interior, incluindo a campanha. Na seleção de raças, Hereford e Braford recheiam os cortes a vácuo. “Quando tiver produto Producarne, mesmo sem ser certificada, pode comprar que é bom. Certificação de origem tem de pagar mais, pelo menos 20% a mais”, contrasta o empresário. “O futuro será trabalhar com carne certificada de origem.”
Do celeiro calçadista ao berço da carne, Endres sabia que a empreitada não seria como degustar um bom corte de picanha macia. “Tenho consciência de que a indústria da carne é penosa, trabalhadora, corrida. Mas faço uma pergunta: existe súper sem indústria da carne, sapato sem couro? Sabonete sem as graxarias?” E mais: “Existe produtor rural sem frigorífico? Nem o Jorge Gerdau vai vender tanto arame farpado”, encerra a lista. “Frigorífico é um bem e um mal necessário”, conclui o dono do Producarne. “Hoje, somadas pequenas e médias unidades, são as que mais abatem e muitas atuam em nicho”, observa Endres.
São 459 unidades de abates no Estado, com capacidade de processar 3 milhões de animais, estima o Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados (Sicadergs). O presidente da entidade, Ronei Lauxen, aponta que o setor está espremido entre a valorização do boi e dificuldade de repassar preços. Lauxen rechaça restrições ao envio de animais para outros estados, pois “não soaria bem e o mercado é livre”. “Mas o Estado perde a grande oportunidade de vender um produto diferenciado.”
Especialistas criticam concentração e apontam desafios à pecuária
O preço em alta deve se manter até 2016, projeta o diretor-presidente da Scot Consultoria, Alcindo Torres. E a mudança na exigência e busca de cortes de maior qualidade, com foco em animal jovem, também. Segundo Torres, a busca de carcaças mais valorizadas se inseriu em 2004, quando o Brasil começa a exportar em peso, demarcando terreno crescente no mercado internacional. Hoje, é o maior exportador e pode responder por 50% do suprimento em dez anos, projetou a Abiec. Até o mercado nacional está ficando exigente. “Foi com a exportação feroz de carne bovina que se buscou a padronização, com redução de idade de abate, primeiro com as raças de zebu (Centro-Oeste e Norte), e de padronização da alimentação com o programa Angus”, descreve Torres.
“O Rio Grande do Sul vai liderar a corrida pela padronização”, aposta o consultor. Para Torres, o padrão inserirá cada vez mais fatias de classe média, com família com menos integrantes, cardápio que pede pedaço menor de carne e macia. “O nicho de gourmets se manterá.” E os especialistas vislumbram avanço na padronização, com maior adoção de confinamento, onde se consegue controlar tamanho, idade e desempenho na conversão. “No Sul, que não tem muitos programas, é lugar bom para confinar, pois pode usar resíduos das lavouras de soja e arroz”, defende Torres. Com o avanço da oleaginosa na Metade Sul, a oferta de comida estará mais disponível. “O Estado não precisava, mas a hora que começar ninguém segura”, provoca Torres, citando que o confinamento impõe maior gestão de custos e data certa para entregar ao frigorífico.
É tudo que a indústria acalenta: oferta de matéria-prima. O coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Júlio Barcellos, aponta que o setor primário passa por mudanças, com seleção de quem ficará na atividade. “Está saindo quem tem baixa eficiência e renda”, define Barcellos, que associa a transição no campo ao estágio da demanda global por carne, que hoje gera fluxo de 8 milhões de toneladas entre os continentes. “A produção não vem crescendo em dez anos e não tem aumento muito rápido, pois depende de mais terra ou confinamento, processo mais caro e que exige agricultura forte”, endereça o coordenador do Nespro.
Varejo tem apetite por cortes nobres
Dirceu Pons e os filhos: unidos na prática de oferecer preço competitivo mesmo em boutique. Gilmar Luís/JC
O ramo que mais se aproveita da disputa pelo boi de qualidade é o nicho de restaurantes e casas especializadas, sem contar gôndolas de redes de supermercados que oferecem corte com sua marca. A família Pons, de linhagem pecuaristas da região da Campanha, levou para a Rua 24 de Outubro, 111, no bairro Moinhos de Vento, todo seu conhecimento sobre carne de qualidade, além da vontade de comer. “Estou há 18 anos em Porto Alegre e sentia carência de ter onde comprar cortes de novilho, produzidos em pastagens”, conta o veterinário Dirceu Pons, que abriu há um ano a Boutique Premium de Carnes.
Parte da matéria-prima vem da Fazenda Santa Ana, em Dom Pedrito, que está na família há 100 anos. Os Pons vendem os 700 animais terminados por ano ao frigorífico Producarne, de Bagé, que processa e depois envia os cortes para a Capital. “A vantagem de ser do campo é que conhecemos os mecanismos de produção”, observa o empresário, que envolveu os filhos Luciana, Claudio e Ana Carolina na empreitada. Os Pons, que abastecem consumidores individuais e restaurantes, pratica preço competitivo para firmar nome e hábito. “Por que é boutique não precisa ser caro. A gente quer que o cliente venha e conheça”, justifica o empresário, que tem planos de abrir loja no Litoral.
A rede de 11 casas do restaurante Pobre Juan, é outro termômetro da ascensão da carne de qualidade, parte alicerçada pelo produto “exportado” pelos gaúchos que estão na cota de 20% da matéria-prima oriunda de plantéis brasileiros. Outros 60% vêm do Uruguai, e 20% do Pampa Úmido argentino, que, em 2004, quando nasceu o Pobre Juan, era o único abastecedor. E a solução do Cone Sul foi o caminho, pois não havia regularidade de entrega de frigoríficos e produtores nacionais. “Fizemos tentativas. Tinha lote de carne que representava o melhor, mas outro não. Perdemos a confiança”, justifica o sócio da rede, Luiz Marsaioli.
Mas a crise na Argentina, que gerou baixas ao rebanho, cuja carne é unanimidade no mundo, abalou o fornecimento e impôs outro sistema. A rede, que integra a holding Gran Vivan, implantou o prime Cater, que porciona os cortes enviados por frigorífico, como o Swift Black, do JBS, na medida do cardápio de pratos das 11 casas da grife de churrasco. “Foi a solução para não ficar na mão de ninguém e garantir carne, pois dobramos de tamanho em dois anos”, explica Marsaioli. O Prime Cater porciona hoje 100 toneladas ao mês, abrindo canal para entrar em outras casas, de fast food e boutiques.
fonte: Jornal do Comercio
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