quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

A visão da indústria frigorífica sobre o cenário atual do mercado do boi gordo




Leonardo Alencar é zootecnista formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) – campus de Jaboticabal, com especialização na área de mercado agropecuário, gestão de risco e estratégias de precificação de commoditiesagrícolas. Possui experiência em consultoria agropecuária e no segmento de derivativos da BM&FBovespa.

Atualmente, cursa MBA em Inteligência de Mercado e ocupa o cargo de Gerente Executivo de Inteligência de Mercado na Minerva Foods.

Ele bateu um papo com a Scot Consultoria sobre o mercado do boi gordo neste ano.


Confira a entrevista na íntegra:

Scot Consultoria: Com uma provável limitação de oferta de boiadas e demanda por carne sentindo a crise, o que espera para o mercado do boi gordo neste ano?

Leonardo Alencar: O cenário de 2016 é desafiador, com a pressão da menor oferta empurrando custos ao longo da cadeia e a demanda enfraquecida dificultando repasses para o consumidor final. Em 2015 foi possível observar um estreitamento entre os elos da cadeia produtiva da carne bovina, movimento que devemos observar em 2016 novamente.

Do lado da oferta, a margem da cria segue positiva e incentiva a retenção de fêmeas e investimentos no setor, mas o melhor momento ficou pra trás. O maior entrave passou a ser o preço do bezerro, com a percepção cada vez mais clara de que o próximo elo (recria-engorda) não conseguirá agregar valor suficiente para cobrir os custos.

Dessa forma, apesar da expectativa de oferta de gado para abate acima do observado em 2015, não se espera queda significativa nos preços. O clima, após um começo de ano com regime de chuvas heterogêneo, deve favorecer a produção de gado na safra e cria a expectativa de curva normal de preços. Ou seja, com tendência de queda até maio/junho, fim de safra.

No 2º semestre, entretanto, diante dos maiores custos da engorda somados ao preço elevado da reposição, não se espera aumento no volume do gado confinado em relação a 2015.

Vale lembrar que o uso do confinamento no Brasil é estratégico, como ferramenta de terminação, portanto seu uso deve crescer ainda que o resultado independente da operação não seja positivo, mas em ano de crise e necessidade de corte de custos, a probabilidade de desinvestimento é real.

Do lado da demanda, observa-se que o varejo cortou margem em 2015 e pode cortar novamente em 2016, pressionado pela menor oferta de carne simultaneamente a uma demanda enfraquecida. Há uma mudança em curso no padrão de consumo, com queda no número de visitas aos supermercados e consequente aumento no ticket médio, reflexo do maior peso da inflação no carrinho de compras.

A população tem optado também pelas compras em grandes redes varejistas e no segmento de “atacarejo”, prezando preço e sacrificando praticidade e comodidade. O consumo fora dos domicílios também é prejudicado, com aumento nas refeições em casa.

Se não há respaldo dos preços da carne no Brasil, a indústria deve procurar novos mercados ou ajustar seus custos novamente, via redução de abate. O foco, portanto, deve ser a exportação, o acesso a outros mercados consumidores, que não apenas é favorecido pelo câmbio desvalorizado, como também ajuda a escoar o excedente de produto do mercado interno.

O melhor indicador de saúde financeira do nosso setor deixa de ser o preço da carcaça bovina versus o preço do boi gordo e passa para o porcentual da nossa produção que é embarcado ao exterior.

Scot Consultoria: Quais são as expectativas para as exportações de carne bovina em 2016? Com a situação cambial favorável e de mercado interno lento, existe expectativa de ampliar ainda mais a participação das exportações nas vendas da empresa?

Leonardo Alencar: Diante desse cenário no mercado interno do Brasil, o foco deve ser a exportação, mas os desafios para isso são inúmeros. Certificados internacionais, protocolos e habilitações são pré-requisitos para exportar carne bovina a qualquer destino, entretanto, o cenário de crédito restrito e alto custo do capital reduzem a atratividade das exportações.

O ciclo de caixa para exportar é mais longo, porque inclui a venda, produção, embarque, chegada ao destino e retirada do porto, enquanto no mercado interno a produção não necessita de diferenciação e as vendas tem prazo médio de 30 dias apenas.

Essas variáveis – crédito e ciclo de caixa – dificultam o acesso de indústrias menores ao mercado externo, portanto o efeito do câmbio na casa de R$4,00 não é democrático no setor.

Dessa forma, ainda que a expectativa seja de que a exportação ganhe cada vez mais participação na produção brasileira, o ritmo em que isso tem ocorrido tem sido lento. De acordo com dados da Conab, exportamos 22,8% da produção em 2015, maior patamar desde 2007 (22,9%), mas não chegamos a ¼ da produção ainda.

Por outro lado, uma análise de oferta e demanda no mercado mundial mostra que permanecemos em terreno muito favorável ao Brasil, com Estados Unidos deficitário na produção, portanto segue como um dos maiores importadores, restrição na produção da Europa, Rússia e Ásia, além da forte retração da Austrália.

Os destinos que registraram maior crescimento nos últimos anos – Ásia, Norte da África e Oriente Médio – devem continuar ganhando espaço, tendo como China o principal comprador dos principais exportadores de carne bovina.

Vale lembrar que o Brasil, mesmo como maior exportador de carne bovina do mundo, acessa menos da metade desse mercado. Com a abertura da Arábia Saudita nos aproximamos dos 50%, e com a perspectiva de abertura de Estados Unidos poderemos finalmente romper essa barreira. Ainda há a possibilidade de abrir Coréia do Sul e, o que estaria mais próximo, Japão também.

O contraponto vem dos países dependentes da exportação de petróleo, como Rússia, Venezuela e Irã, sendo que o último terá um benefício maior pela retirada das sanções e, com isso, há uma demanda latente. Otimismo com Rússia e Venezuela, entretanto, é algo arriscado.

No caso específico da Minerva Foods, sempre focamos no mercado externo, portanto estamos próximos da nossa capacidade máxima de exportação, o que nos obriga a importar carne de outras unidades da Minerva para abastecer nossas distribuições no mercado interno. Ainda assim, o objetivo é atingir essa capacidade máxima de exportação, acima dos 80% da produção.

Scot Consultoria: A carne produzida pela empresa em outros países da América do Sul também tem forte participação de vendas no mercado externo, ou o consumo doméstico destes países fica com a produção?

Leonardo Alencar: A América do Sul, por todas as condições favoráveis à produção de alimentos, deve se tornar cada vez mais uma plataforma de exportação. Isso já acontece com os grãos e deve acontecer cada vez mais com as carnes. Somos competitivos e temos qualidade, portanto esse é o caminho.

A existência de um mercado interno forte é positiva nesse cenário porque reduz a volatilidade inerente de trabalhar comcommodities agrícolas, sempre muito sazonais. Isso é verdade também para a carne bovina, cuja demanda é alta em todos os países que temos plantas industriais, apenas variando a relevância.

Enquanto no Uruguai o consumo de carne bovina é dos mais altos do mundo, no Paraguai e Colômbia o consumo é crescente, em todos eles sempre com a concorrência da carne de frango.

Entretanto, o objetivo em todos os países que atuamos é a exportação, sempre a partir da análise do melhor resultado econômico para cada corte e sempre buscando a melhor oportunidade de precificação.

Scot Consultoria: Quais são as suas expectativas para a indústria brasileira este ano? Podemos esperar mais uma onda de fechamentos como em 2015, ou quem estava em situação pior já saiu do cenário?

Leonardo Alencar: O cenário econômico do Brasil permanece binário, portanto não está claro o efeito que pode ter no setor de crédito, no peso dos impostos, custo do capital, paridade cambial etc., fatores fundamentais para a saúde das empresas.

O que vemos hoje é a indústria com margens positivas, tanto na exportação quanto no mercado interno, em alguns casos melhor na carne com osso do que na carne sem osso. Essa condição não deve durar, sendo em grande parte reflexo do Carnaval, com menor produção e consumo aquecido. Após o Carnaval o ano começa e veremos se os preços da carne se sustentam.

Do lado da originação, o mercado segue firme e preços subindo, o que irá espremer a margem das indústrias de mercado interno. Frente ao cenário de demanda enfraquecida, se não há repasse da alta do preço do boi para o consumidor final, a indústria deve ajustar para não trabalhar no vermelho.

Apesar das inúmeras incertezas, não podemos descartar o fechamento de mais indústrias, sobretudo as localizadas em regiões com maior custo de originação.

Scot Consultoria: A entrada de capital árabe deve fortalecer as exportações para aquele país. Há alguma sinergia dos novos sócios com empresas do setor no país?

Leonardo Alencar: Anunciamos no final do ano, uma operação de aumento do capital cujo objetivo foi o de celebrar um acordo de investimento com a SALIC, companhia controlada pelo fundo soberano da Arábia Saudita. Esta operação deve ser concluída no final de março, ou seja, todas as questões societárias referentes à entrada da SALIC no capital da companhia deverão acontecer no início do segundo trimestre do ano.

Além do reforço na estrutura de capital da Minerva, este acordo inicia, para a Companhia, uma parceria estratégica em uma região com alto potencial de demanda, com uma empresa que tem, como missão, investir de forma rentável nas cadeias de valor da agricultura e pecuária em todo o mundo.

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