Na edição julho/setembro 2015 da revista CarneTec, publicamos entrevista com o gerente de Linhas Especiais da Marfrig Beef, Andre Renato Galindo, concedida no último dia 4 de maio na feira Apas, voltada a supermercadistas. A seguir, acompanhe a versão na íntegra da entrevista, obtida exclusivamente, antes que o executivo atendesse a imprensa em geral em coletiva no estande da empresa. A conversa aborda, entre outros assuntos: um novo posicionamento para cortes do dianteiro com alta qualidade; o momento de transição no consumo, com o brasileiro trocando o “muito” pelo “melhor”, com carnes de alta qualidade ocupando espaço de destaque nas gôndolas de supermercados e empórios; e a evolução do setor nos últimos 30 anos no Brasil.
Fale um pouco sobre os novos cortes do dianteiro bovino. Qual é o diferencial dessa linha?
Estamos aumentando o nosso portfólio para a gôndola, para o consumidor final, com produtos diferenciados do dianteiro. O conceito é trazer novas opções, com qualidade superior e a preço competitivo para o consumidor levar para casa, tanto na marca Bassi quanto na Marfrig Angus.
No Brasil, temos o hábito de consumir basicamente cortes do traseiro, como o coxão mole, a alcatra e a picanha, pois até então cortes do dianteiro não tinham maciez suficiente para atrair o consumidor e até hoje ainda são vendidos nas casas de carnes em cubos para panela ou moído.
A partir da evolução tecnológica em genética e nutrição, aliada às raças britânicas Angus e Hereford, os cortes do dianteiro como, por exemplo, o acém com osso (short ribs), a raquete de paleta (shouder steak), o coração de paleta e o assado de tiras, passaram a ocupar lugar de destaque na culinária brasileira devido ao seu sabor intenso, suculência e maciez dignos dos cortes mais nobres da carcaça.
Como comunicar essa novidade ao consumidor?
Estamos vivendo um momento muito bom no mercado, no qual a marca da carne traz uma bagagem muito interessante para o consumidor. Estamos procurando focar isso na marca Bassi, que é a nossa principal grife, e o consumidor tem absoluta certeza de que o que tem por trás da Bassi é uma carne de alta qualidade, não importando o corte. O consumidor está ousando levar cortes que até então jamais compraria num açougue para fazer churrasco, como uma paleta, por exemplo. Atrelamos uma marca extremamente conhecida como marca de alta qualidade a um produto novo e diferenciado. E tudo isso ainda proporciona um equilíbrio de preços entre os diversos cortes da carcaça.
E é uma forma de promover a venda do dianteiro...
Na verdade, o animal de alta qualidade custa para fazer, está mais caro que um animal comum, tem genética, nutrição, muita coisa envolvida. Então se transmitirmos esse custo todo para a picanha e o contrafilé, teremos estes produtos com um sobrepreço muito alto. E agora conseguimos pulverizar os custos em todos os cortes, obtendo um custo médio muito melhor, não precisando puxar muito nos preços dos cortes mais nobres. Lembrando que os preços do dianteiro são preços posicionados, como o produto merece – não são preços promocionais como os encontrados para o dianteiro comum.
Antes dessa ação, o que a Marfrig fazia com esse dianteiro?
A Marfrig vem testando isso desde que começou os programas de carne Angus. A nossa equipe de P&D vinha tendo ideias, procurando inovar, e o food service é sempre o primeiro a testar o produto. O food service testou, aprovou e o varejo veio em seguida. Alguns cortes como o short ribs já estão no food service há pelo menos 4 ou 5 anos. Ficou bem amadurecido o mercado no food service para, neste ano, apresentarmos ao varejo.
E, claro, o food service continua sendo um dos focos da empresa...
Sim, o nosso negócio é esse, a Marfrig nasceu do food service, em ver o que o cliente quer, vir para dentro da indústria e fazer o produto. Até então, o food service de alta gastronomia, o mais exigente, as parrillas, tinha como ideia que a única carne boa era a importada, da Argentina ou Uruguai, e fizemos esses programas aqui dentro, trazendo a mesma qualidade genética que há no Uruguai, melhoramos isto aqui e ainda demos alimento para ele. Uruguai e Argentina, como todos sabem, têm excelente genética e animal criado a pasto. O nosso é criado a pasto, mas terminado em confinamento, o que dá a ele um acabamento de gordura melhor, um marmoreio – a gordura entremeada – tão desejado na alta gastronomia. Enfim, temos a mesma qualidade de produto, só que com um acabamento melhor pelos nossos confinamentos.
A carne do Brasil já não é mais vista no exterior como antigamente.
Ao contrário, se falarmos assim: toda carne brasileira é melhor; não é. Mas com os programas de carne de alta qualidade, principalmente os da Marfrig, a carne hoje, na média, é melhor que a importada.
Então devemos parar de falar carne de primeira ou de segunda, pois tudo depende da qualidade do animal?
Há um velho ditado que diz que “não existe carne de primeira, mas sim boi de primeira” e é exatamente isto: de uma carcaça selecionada, de boa raça, precoce e com boa nutrição, podem ser obtidos cortes com textura, suculência e maciez surpreendentes, capazes de satisfazer os mais exigentes paladares, desde que sejam bem preparados.
Como o senhor vê o mercado atual para a carne vermelha no cenário interno e a concorrência com o frango?
Não houve perda de espaço, pois o consumo interno de carne vermelha subiu nos últimos dez anos de 30 kg habitante/ano para 39 kg habitante/ano, mas houve sim um crescimento muito maior do consumo de frango devido basicamente à melhoria do poder aquisitivo das classes C e D, que antes não tinham acesso a proteínas de forma regular.
O consumidor brasileiro ainda vê a carne vermelha como commodity ou já está pagando mais por diferenciais de qualidade?
Estamos passando por uma transição de consumo, trocando o “muito” pelo “melhor”. O consumidor está mais exigente e aceita pagar um diferencial por entender o que tem por trás de uma marca superior, uma carne para ser apreciada. É por isso que cada vez mais as carnes de alta qualidade ocupam espaços de destaque nas gôndolas dos supermercados e empórios.
E quanto à escassez de boi no mercado?
Estamos vivendo uma situação bastante diferente, o boi subiu muito de preço, são altas em cima de altas, e os frigoríficos, de uma forma geral, não estão com todas as escalas prontas. De certa forma, o mercado está bastante demandado, principalmente por conta das exportações, com a valorização do câmbio, e assim acaba faltando um pouco de carne no mercado interno.
O senhor trabalha hoje em uma das maiores empresas do mundo na área de carnes. Ao longo de seus 28 anos de experiência no ramo, fale um pouco sobre a evolução deste setor no Brasil.
Passamos por grandes mudanças nos últimos 30 anos, o Brasil se transformou num dos maiores exportadores de carnes do mundo, exportando para os mercados mais exigentes como União Europeia, Rússia e países árabes, e com isto vieram as exigências sanitárias e protocolos de produção que nos obrigaram a ser eficientes e competitivos. Esse efeito cascata chegou às mesas dos consumidores brasileiros em forma de qualidade e segurança alimentar. Portanto, essas foram as grandes conquistas em termos de Brasil.
Quanto à Marfrig, o core business sempre foi carne de alta qualidade e a empresa sempre investiu em programas de fomento pecuário, o que nos dá um lugar de destaque no cenário mundial. Hoje, produzimos Carne Angus e Hereford Certificadas, além do Wagyu (Kobe Beef) – que é considerada a melhor carne do mundo, proveniente de raça de origem japonesa. Os clientes mais exigentes, a alta gastronomia e as melhores parrillas brasileiras são atendidas com esse tipo de produto.
Estou na Marfrig há oito anos, venho da indústria frigorífica há bastante tempo, tenho 30 anos de carne bovina. Meu pai começou no Paraná há muito tempo com abate e distribuição de carne. E a evolução que observo nestes anos todos é uma coisa impressionante.
Hoje, por exemplo, o Brasil participa da Cota Hilton, uma cota destinada à Europa com melhor preço. E a exigência para se ter Cota Hilton é: carne de animais jovens, bem alimentados e rastreados desde a sua origem. Imagine, para se fazer um animal de alta qualidade, de alto peso, com pouca idade, tem que ter tecnologia e genética. Parte dessa carne vai para a Cota Hilton e parte fica no mercado doméstico.
Dez anos atrás o Brasil abatia animais de 5 anos de idade, e hoje se abate com 2,5 a 3 anos de média geral. Nos programas de qualidade, abatemos animais de 14, 15 meses. E toda essa evolução e qualidade de produto, obtida graças à necessidade de conquista de novos mercados no exterior, está na gôndola do mercado interno. Não tem como se fazer um produto diferente para exportação e um sem cuidado para o mercado interno; muito pelo contrário.
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