quarta-feira, 8 de junho de 2016

RALLY DA CARNE

O boi gaúcho está passando fome, revela a primeira fase do projeto que começou no Rio Grande do Sul e vai percorrer 60 mil quilômetros em 11 Estados

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"É a integração da lavoura com a pecuária que está garantindo a qualidade do meu pasto” Marcelo Xavier,da fazenda Cinamomo, em São Sepé (RS)Foto: Guto Andrade/rally da pecuária
Na manhã do dia 12 de abril, uma caravana de quatro picapes de cabine dupla, lotadas de agrônomos e veterinários, saiu do município gaúcho de Santa Maria com destino a Passo Fundo, um trajeto de 280 quilômetros que se transformou em 1,2 mil quilômetros. É que o grupo, antes de chegar ao seu destino, passou por São Sepé, Dom Pedrito, Bagé, São Gabriel, Alegrete e São Borja, municípios da região do Pampa gaúcho onde estão os principais polos de produção pecuária do Estado. No Pampa são criados 4,7 milhões de bovinos, 36% do rebanho gaúcho de 13 milhões de animais. Na fazenda Cinamomo, de 1,1 mil hectares que pertence ao produtor Marcelo Xavier, em São Sepé, por exemplo, eles visitaram o rebanho de 800 animais da raça braford, criados em 400 hectares. Outros 500 hectares são cultivados com soja. “É a integração da lavoura com a pecuária que está garantindo a qualidade do meu pasto”, diz Xavier. “A integracão tem sustentado o melhoramento genético do rebanho e a venda de gado comercial.”

Gado ESPECIAL: a produção de Valter Pötter, da Guatambu, pode entrar nos mercados que mais pagam pela qualidade de carne

Os dados colhidos na Cinamomo vão fazer parte do banco de informações do projeto Rally da Pecuária, promovido anualmente desde 2011 pela consultoria Agroconsult, de Florianópolis (SC), que também realiza o Rally da Safra para avaliar as culturas de soja e milho. Até o início de junho, a caravana vai percorrer 60 mil quilômetros por 11 Estados, passando pelos maiores polos de criação de bovinos do País. A DINHEIRO RURAL acompanhou com exclusividade o primeiro circuito de viagens, dos sete que estão sendo realizados.  De acordo com o agrônomo Maurício Palma Nogueira, sócio da Agroconsult e coordenador do rally, apesar das análises mais detalhadas sobre as regiões visitadas serem apresentadas apenas no final do projeto, as visitas às fazendas e os encontros realizados com os produtores de cada região já fornecem um bom recorte do que será consolidado lá na frente. “Apesar de visitarmos bons produtores que servem de exemplo do que deve ser feito na pecuária, de modo geral o boi gaúcho está passando fome”, diz Nogueira. “Enquanto isso não melhorar, o Rio Grande do Sul não vai aproveitar a chance que tem, que é vender carne premium em quantidade.” Pela primeira vez, desde que foi criado, o rally está fazendo um diagnóstico do tipo de gado entregue aos frigoríficos, além de colher os dados zootécnicos das propriedades, como ganhos de produção, de produtividade, parque de máquinas e equipamentos, investimentos e crédito.


Para os apreciadores de um bom bife, é fato que os gaúchos possuem a genética da melhor carne do País. Mas filés mignon suculentos, picanhas com bom acabamento de gordura e contra-filés com grande área de olho de lombo são cortes encontrados  nos rebanhos dos pecuaristas que castram os seus animais. Esse tipo de gado é o mais valorizado do mercado, podendo chegar a bonificações de até 8% nos programas de carne de qualidade. Além disso, na comparação com outros Estados, o mercado gaúcho é naturalmente mais valorizado. No ano passado, por exemplo, enquanto a média da arroba do boi gordo era vendida a R$ 143 em São Paulo, no Rio Grande do Sul, o preço médio foi 15% superior, ou R$ 163 por arroba. Mas, olhando de perto, a realidade é outra. Do total de 1,8 milhão de animais abatidos no ano passado pelos frigoríficos gaúchos, a estimativa é de que apenas 4%, ou 74 mil animais, conseguiram acessar mercados de carne premium. Isso ocorre por falta de peso dos animais, mais leves que em outras regiões, e pela falta de acabamento das carcaças. Nos últimos dez anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, enquanto o peso médio das carcaças de bois aumentou 7,8% no País, ficando em 244 quilos, nesse mesmo período, o peso do gado abatido no Rio Grande do Sul caiu 0,6%, rendendo no ano passado 217 quilos de carcaça por animal. Isso significa que se a pecuária gaúcha tivesse crescido no ritmo da produção nacional estaria produzindo 445,4 mil toneladas por ano em equivalente carcaça, em vez das 395 mil toneladas registradas em 2015, uma diferença de 50 mil toneladas. Analisando o valor bruto da produção de gado, segundo dados do Ministério da Agricultura, nos últimos dez anos o faturamento no Estado cresceu 34,5%, chegando a R$ 3,8 bilhões em 2015, ou R$ 2,12 mil por animal. No restante do País, o crescimento foi de 75%, chegando a uma média de R$ 2,41 mil por animal. “É preciso que o produtor invista mais, para ganhar mais”, diz Nogueira, da Agroconsult. “Um bom modelo de gestão seria fazer, por exemplo, o semiconfinamento dos animais, um método bastante praticado em várias regiões do País, mas com poucos adeptos no Rio Grande do Sul.” Para ele, a saída é apostar em programas de nutrição animal adicionais e também na adubação do pasto natural do Pampa, que sozinho não é capaz de sustentar a pecuária.

Lucro: Camardelli, o presidente da Abiec, diz que, sem exceção, a regra do jogo é buscar a melhor rentabilidade
MERCADO Xavier, da fazenda Cinamomo, é um exemplo de que as mudanças são possíveis. No ano passado ele faturou R$ 500 mil com o abate de 200 bovinos, além da venda de 60 touros. “Nossa carne tem sido disputada por três frigoríficos da região”, diz Xavier. “Antes, isso não acontecia.”

Produtividade: Luiz Cezar da Silva, da fazenda São Manoel, quer sair de uma produção de dois para cinco touros por hectare

Para o executivo Antônio Jorge Camardelli, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), que acompanhou quase todo o trajeto do rally gaúcho, a grande oportunidade do produtor gaúcho está nas exportações, onde ele poderia competir com os maiores produtores mundiais de raças taurinas, principalmente a angus e a hereford e os cruzamentos realizados a partir desse gado. “O pecuarista do Sul está há poucos passos de realmente passar a ganhar mais”, diz Camardelli. “Qualidade de gado ele já tem, só é preciso acertar o manejo para fornecer animais mais pesados e em volume adequado à indústria frigorífica.” No ano passado, a indústria de carne gaúcha faturou US$ 213 milhões. Mas, caso houvesse mais carne premium para exportar, poderia ter ido além porque o mercado está em alta. Neste ano, por exemplo, a Abiec estima para as exportações um aumento da ordem de 27% na receita em relação a 2015, chegando a US$ 7,5 bilhões. “Sem exceção, a regra do jogo é buscar a melhor rentabilidade”, diz Camardelli. “É esse caminho que toda a pecuária gaúcha deve trilhar.”

Na estrada: coordenadas por Nogueira, da Agroconsult, até junho, quatro picapes vão percorrer 60 mil quilômetros para  diagnósticar a cadeia da carne bovina Agroconsult
Um exemplo de que é possível produzir qualidade em escala é a Estância Guatambu, em Dom Pedrito, do pecuarista Valter José Pötter, um dos mais respeitados produtores da região. Pötter cria gado desde os anos 1970. Em uma área de 5,2 mil hectares de pastagem ele cria 5,7 mil animais. Além do gado comercial, a Guatambu é referência no melhoramento genético das raças hereford e braford. No ano passado, Pötter mandou para o abate dois mil animais que renderam 230 quilos de carne cada, 6% acima da média do Estado. “Toda a minha produção vai para a linha de carnes especiais do Marfrig, que tem espaço no mercado de exportação”, diz Pötter. O criador não revela quanto faturou com os bois, mas, tomando o preço da arroba e a bonificação média na região, a estimativa é de uma receita superior a R$ 5 milhões com o gado abatido.


Para o CEO da divisão Bovinos Brasil do grupo Marfrig, Andrew Murchie, o incremento na produção de carne é uma tarefa para toda a cadeia produtiva, da nutrição mais caprichada a uma genética mais apurada. “Com genética diferenciada, o produtor passa a ter um gado mais precoce, de melhor conversão alimentar”, diz Murchie. “Os gaúchos precisam estabelecer essa meta.” Dos 2,1 milhões de animais abatidos pelo Marfrig no ano passado, 300 mil vieram de bovinos de raças europeias em todo o País. O Rio Grande do Sul respondeu por 20% desse abate. “Mas queremos mais”, afirma Murchie.

Além de grandes produtores, como é o caso da Estância Guatambu, a genética pode vir de pequenas criações. Uma das proprieades na rota do rally, a fazenda São Manoel, em Santa Maria, do pecuarista Luiz Fernando Cezar da Silva, vem melhorando a produção de touros através da adubação dos pastos, da integração com a lavoura de soja há oito anos e também com a suplementação alimentar nos cochos. Com isso, de uma lotação de dois animais por hectare, Silva acredita que pode chegar a cinco animais ainda este ano. “Com a intensificação agrego valor à produção dos touros”, diz ele. O produtor tem garantido um aumento da receita de 12% ao ano com os reprodutores, desde 2008. Em 2015 ele faturou R$ 600 mil com  esses animais. “Agora, quero irrigar a área de pasto”, diz Silva. “Vou ter mais grãos e touros muito melhores e mais precoces para vender.”

Ganhos: 
para Andrew Murchie, do grupo Marfrig, a valorização da carne começa por uma cadeia produtiva mais alinhada
fonte: Dinheiro Rural

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