Região dependente da empresa, Vale do Araguaia vive estagnação e desemprego
ENVIADA ESPECIAL, VALE DO ARAGUAIA (MT) - Depois de alguns minutos de conversa, Altair Alves Salles, de 33 anos, mostra as mãos machucadas, grossas e amarelas de calos. “Faz cinco meses que estou procurando emprego”, afirma ele. “Mas só consigo trabalhar por diária, como servente de pedreiro.” Com um casal de filhos e muitas contas para pagar, naquele mesmo dia ele tinha trabalhado numa obra das 7h às 18h, em troca de R$ 70.
Morador de um assentamento distante, já era noite quando ele encontrou a reportagem do Estado num posto de gasolina, na entrada de Barra do Garças (MT), a maior cidade do polo pecuarista do Vale do Araguaia, região com um rebanho de 6 milhões de cabeças de gado. Vaqueiro e capataz durante toda sua vida, ele saíra de lá havia dois anos, quando uma separação o fez ir atrás de um sonho. “Nunca havia ligado um computador, nem sabia como usar um celular”, diz, com um sorriso aberto. Mudou-se para Goiânia atrás de cursos, trabalhou como frentista e garçom. Mas a violência da cidade grande o fez sentir saudades.
Na volta, a vida era outra. “Antes, se você saísse de uma fazenda, em 15 dias arrumava outro emprego”, afirma, agora com um nó na voz. “Hoje, o povo não quer mais mexer com nada: reclamam que a ração está cara, que o insumo subiu, que o gado não vale nada e abriram mão das vagas…”. Salles é a ponta mais fraca numa cadeia que vive uma sucessão de crises. Por causa delas, uma das únicas áreas que tem garantido o crescimento menos ruim da economia nos últimos anos também começa a sofrer: a do agronegócio. No Mato Grosso, com um rebanho com 30,2 milhões de cabeças (quase 15% do gado brasileiro), a série de infortúnios que atingiu o setor nos últimos dois anos foi um pouco mais forte. À crise econômica e ao desemprego, se somou uma seca histórica.
Com custos em alta também pela volta do Funrural, a operação Carne Fraca desestabilizou ainda mais o mercado. Dois meses depois, a delação dos diretores da JBS mexeu com prazos e liquidez dos pagamentos e puxou ainda mais para baixo o preço pago ao produtor. Detalhe: sem que houvesse o mesmo reflexo no valor cobrado do consumidor final.
No Vale do Araguaia, área em que 800 criadores se espalham por 34 municípios, o impacto foi ainda maior. Até a JBS se tornar a maior empresa de proteína do mundo,pelo menos 15 frigoríficos de diferentes tamanhos compravam o gado dos criadores. “Hoje, se pegar a BR-158, só tem quatro e todos JBS”, diz o pecuarista Vasco Mil-Homens, da Fazenda Marupiara. “Por isso que, quando a JBS deixou de comprar à vista, pensamos: ‘tá quebrada’.”
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O cenário na região, dizem fazendeiros e especialistas, é uma aula do que acontece quando se alimenta um monopólio. “Houve um ano em que a JBS arrendou dois frigoríficos e, imediatamente, abaixou em R$ 4 o valor da arroba”, diz Mil-Homens. “Fizemos as contas: com dois dias da diferença, a JBS pagava os arrendamentos.”
Efeitos patrocinados por uma política de Estado, com financiamento público via BNDES, para a criação dos campeões nacionais. A JBS é o maior expoente desse movimento. “O Cade (o órgão antitruste) poderia ter agido na aprovação das aquisições, obrigando a JBS a vender algumas unidades”, diz Sérgio Lazzarini, professor do Insper. “Só que o governo tinha um viés desenvolvimentista e passaram por cima do que estava acontecendo.”
Segundo ele e outros especialistas, a pecuária se desenvolvia em velocidade, ganhava produtividade, melhoria genética e tecnologia, sozinha. Chegaria ao tamanho que atingiu sem qualquer campeão nacional.
Gourmet do Brasil. “Quando a JBS se tornou mundial, achamos que transformaria a carne de nelore num produto gourmet do Brasil para o mundo”, diz Mil-Homens. “O que fizeram, porém, foi pisar na garganta do pecuarista, sem repassar a diferença para o consumidor”.
O resultado da redução de margens é sentido em todas as cidades do Vale do Araguaia. “Éramos 36 funcionários e hoje somos 22”, diz Rones de Paula, administrador da Fazenda Roncador. “Os investimentos praticamente zeraram: é só em fio de arame, para a cerca não cair.”
Essa nova realidade, ele afirma, interferiu nas lojas de material de construção, nas madeireiras, nas casas de produto veterinário, nos restaurantes e em todo comércio das cidades. “As lojas estão às moscas”, diz. “Quando é preciso um produto um pouco mais caro, tem de encomendar porque não há estoque.”
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Os exemplos se multiplicam em todas as áreas. José Carlos Biersdorf, o Nico, da NX Leilões, de Nova Xavantina, fazia um leilão de gado por semana. Em 2017, fez três. “De Barra do Garças a Canarana, havia 13 casas de leilões”, diz. “Sobraram duas.”
Região dependente da empresa, Vale do Araguaia vive estagnação e desemprego
Não há alternativa para vender os bois. Quem os engordava em confinamentos e boitéis, os hotéis para gado, amarga perdas e enxuga despesas como pode. “Se antes a folha de pagamento custava 100 bezerros, hoje preciso de 140”, diz Goulart. “O nome disso é destruição de riqueza.”
Pouco antes da delação, a fábrica da JBS em Barra do Garças, cidade onde os irmãos Batista viveram no início dos anos 2000, anunciava a abertura de um terceiro turno, com a contratação de 300 trabalhadores. A prefeitura começou o cadastramento, mas o plano foi suspenso.
Procurada, a JBS disse por e-mail que não houve mudança na unidade e tem hoje 35% de capacidade ociosa. As operações continuam em ritmo normal, sua situação financeira é robusta e ela preza pela parceria com seus fornecedores.
fonte: Christiane Barbieri, O Estado de S.Paulo
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