segunda-feira, 31 de julho de 2017

TERNEIROS A BORDO


Com preços competitivos no mercado internacional, exportação gaúcha de gado em pé ganha espaço em tempos de menor demanda interna e ajuda a frear a queda da cotação do quilo vivo no Estado 

Um comboio de 50 caminhões vindos de Capão do Leão e Cristal chega ao Porto de Rio Grande carregado com 9,3 mil terneiros. No terminal, os animais sobem, um a um, uma rampa que dá acesso ao navio, em procedimento que pode levar até 48 horas. Finalizado o embarque, o navio está pronto para atravessar o Oceano Atlântico e, após 23 dias de viagem, atracar no Porto de Bandirma, na Turquia. Embarques como o descrito acima, ocorrido no último final de semana, tornaram-se frequentes. Segundo a Superintendência do Porto de Rio Grande, o Estado exportou 23.908 bovinos vivos no primeiro semestre de 2017, quantidade superior às 19.762 cabeças do mesmo período no ano passado — sempre tendo como destino o mercado turco. Na mesma comparação, o faturamento caiu 5,4% e ficou em 11,07 milhões de dólares. A carga exportada é composta basicamente por terneiros machos inteiros (não castrados), de raças britânicas. Em 2016, o Rio Grande do Sul exportou 46,4 mil terneiros. O volume pode ser considerado pequeno frente ao total do rebanho gaúcho. Mas, em um cenário de crise na pecuária de corte, influenciado pela queda no consumo, pela operação Carne Fraca e pelo escândalo da JBS, exportadores e analistas do setor afirmam que os embarques ajudaram a conter a queda no preço do terneiro. A cotação do quilo vivo, que há um ano ficava perto dos R$ 6, agora está próxima de R$ 5 e é semelhante à do boi gordo, quando, historicamente, costumava ficar de 15% a 20% acima desta. Segundo o veterinário e consultor Eduardo Lund, que atua na intermediação de negócios voltados à exportação, os embarques ajudaram a dar sustentação ao preço num momento de queda na demanda interna. “Se não houvesse a exportação de gado em pé, estaríamos num caos”, analisa. A estimativa é de que o número de animais exportados chegue a 50 mil cabeças até o final deste ano. Conforme Lund, a demanda do mercado turco deve-se principalmente à qualidade dos bovinos gaúchos somada aos preços mais competitivos do que o do gado criado na Europa. Grande concorrente do Rio Grande do Sul, o Uruguai — com características de rebanho semelhante — exportou 98 mil cabeças no primeiro semestre. A Argentina, por sua vez, encontra-se em fase de recomposição do rebanho e, portanto, não está focada no mercado externo neste momento. “O mundo é carente (de gado) e quem tem preços competitivos somos nós”, afirma Lund. Os animais destinados à Turquia pesam de 180 a 250 kg e, após chegarem ao destino, vão para a engorda, para serem vendidos futuramente. O crescimento do volume de exportações neste semestre coincide com momento de baixa demanda dentro do Brasil. A zootecnista e consultora de mercado da Scot Consultoria, Isabella Camargo, observa que está sobrando oferta no mercado interno. Por isso, não acredita que as exportações tenham impacto negativo para o setor. “O mercado interno nem está conseguindo consumir o que tem”, comenta. As notícias de navios carregados com gado, no entanto, não agradam aos frigoríficos. O presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do RS (Sicadergs), Ronei Lauxen, afirma que, diante de uma ociosidade de 30% nos abatedouros, os embarques provocam um impacto negativo na oferta de animais — ainda que representem cerca de 3% do total de abates. “Quando tu já não tens matéria-prima suficiente para abastecer todas as indústrias, qualquer quantidade retirada dessa oferta já mexe com o mercado”, afirma. Lauxen ressalta que os frigoríficos gaúchos trazem bovinos de fora do Estado, porém diz que isso só ocorre na entressafra, em especial em junho e julho. Também defende a exportação de carne, que é uma forma de agregar mais valor à produção do que o gado vivo. O coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro), da Ufrgs, Júlio Barcellos, ressalta que os 23 mil animais embarcados neste ano representam um volume pequeno perto da produção gaúcha, que é de 2,9 milhões de cabeças por ano. No entanto, sustenta que a exportação tem efeito sobre o preço do terneiro, não pela quantidade, mas por um aspecto “psicológico”. Explica, ainda, que isso não altera oferta e demanda, mas provoca outra percepção dos pecuaristas e dos compradores de gado, que também ficam preocupados. “De certa forma, gera um pouco de reação de mercado”, acrescenta.
OFERTA CONTIDA NAS FEIRAS
 A opção de criadores pelo mercado externo vem sendo apontada como uma das causas da redução da oferta ocorrida nas feiras de terneiros nos últimos anos. O presidente do Sindicato dos Leiloeiros Rurais e Empresas de Leilão Rural do RS (Sindiler), Jarbas Knorr, considera que trata-se de um mercado interessante para o produtor e, ao mesmo tempo, lembra que a quantidade exportada é quase idêntica à do número de terneiros machos arrematados durante as feiras do último outono (25 mil). “Muitos deixam o terneiro inteiro para vendê-lo para o exterior”, observa. Knorr, no entanto, não acredita que as exportações tenham contribuído para sustentar o preço do terneiro.


Mercado ainda instável
Fluxo das vendas não é constante e, por isso, há recomendações para que Brasil encontre mais caminhos para colocar seus bovinos no exterior

C om 12% das exportações brasileiras de gado vivo, o Rio Grande do Sul está atrás apenas do Pará, que domina o ranking com participação de 79%. Para que esse fluxo continue a crescer, no entanto, ainda é necessário abrir novos mercados, segundo a zootecnista e consultora de mercado da Scot Consultoria, Isabella Camargo. Até abril de 2016, a Venezuela era o destino de mais de 50% das exportações brasileiras de gado vivo. Em 2015, chegou a receber 9 mil animais provenientes do Rio Grande do Sul. Mas com a crise econômica que atingiu o país sul-americano, as operações para lá cessaram. Hoje as exportações brasileiras concentram-se no Oriente Médio, porém os países daquela região ainda não alcançaram a demanda do antigo comprador. “Ainda é um mercado muito instável”, analisa Isabella. “O Líbano faz dois meses que não compra e a Turquia ficou janeiro e fevereiro sem comprar”, exemplifica. A volatilidade desse mercado pode ser vista pelos números das exporta- ções dos últimos anos, fornecidos pela Superintendência do Porto de Rio Grande (SUPRG). Em 2012, o Estado chegou a embarcar 47,4 mil cabeças. Dois anos depois, o volume caiu para 8,6 mil unidades. No ano passado, as operações ganharam novo fôlego, com o embarque de 46,4 mil terneiros. Entre os exportadores, há a expectativa de que o Egito retome as compras nos próximos meses. Segundo o veterinário e consultor Eduardo Lund, o país - que importou gado do Rio Grande do Sul pela última vez em 2014 — costumava comprar animais da Colômbia, onde recentemente foram detectados focos de febre aftosa. “O da Colômbia pode vir parar aqui no Brasil”, espera Lund. Entre os anos de 2010 e 2014, o Rio Grande do Sul também exportou gado vivo para o Líbano, Líbia e Jordânia. O economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz, concorda com a importância das exportações na regulação de preço do mercado interno, especialmente diante da crise atual vivida pela pecuária de corte em função da Operação Carne Fraca e do escândalo da JBS. De acordo com ele, os frigoríficos não têm com o que se preocupar, uma vez que o volume de gado nos navios é pequeno diante do total de abates. Mas, na opinião dele, estes mercados devem continuar existindo, porém como nicho. “A tendência de vender carne processada para a Ásia é cada vez maior”, observa. O professor Júlio Barcellos, do Nespro/Ufrgs, alerta para a elaboração de uma nova normativa do Ministério da Agricultura que deve tornar mais rígida a fiscalização sobre os locais de quarentena e certificações dos locais de embarque. “Isso, de certa forma, também vai começar a causar algumas dificuldades para o Brasil comercializar”, acredita. 

EMPRESÁRIO ACREDITA QUE VOLUME DE OPERAÇÕES TENDE A CRESCER
Criada há um ano e meio, em Pelotas, a Brasil Beef é uma das quatro empresas do Rio Grande do Sul autorizadas a exportar gado vivo. Durante este período, foram realizados seis embarques — o último deles há uma semana, com 5 mil cabeças. O diretor da empresa, Rodrigo Crespo, que também é produtor e leiloeiro, acredita que o volume de operações tende a crescer. “Há uma falta de animais no mundo para suprir esses mercados (como a Turquia). Se tivermos um câmbio favorável, é um mercado que não tem como não seguir”, acredita. Para o produtor, a exportação pode representar um ganho de preço. Segundo Crespo, os animais destinados ao navio são comprados por R$ 5,30 a R$ 5,40 o quilo vivo. E há a vantagem de não precisar castrar o terneiro, já que a Turquia só compra animais inteiros. Fora o custo da mão de obra, a castração implica perda de peso. “Um animal inteiro tem um ganho de peso de 10% em cima do mesmo animal castrado”, compara Crespo. Além disso, os turcos dão preferência ao animal inteiro por ter menos gordura. Embora o volume exportado não seja expressivo, Crespo afirma que as vendas para o exterior servem como reguladoras de mercado. “Também é uma forma de ‘desovar’ o que pode ter de excesso (na oferta interna)”, analisa. Observa, ainda, que o volume de gado vendido para outros estados, dentro do Brasil, é superior ao das exportações. 


Cuidados em toda a travessia
Deslocamento do gado pelo oceano exige quarentena prévia e acomodações adequadas no navio 

Antes de subir ao navio, os terneiros destinados à exportação passam por uma quarentena em um dos cinco Estabelecimentos de Pré-Embarque credenciados no Rio Grande do Sul. Dois estão localizados em Rio Grande e os demais em Capão do Leão, Cristal e Eldorado do Sul. No caso das exportações para a Turquia, o protocolo sanitário exige que o período seja de 21 dias. Durante a quarentena, os animais - que normalmente são originários de criação a pasto -, alimentam-se de ração e silagem. A quarentena serve para a verificação do status sanitário dos terneiros. Se houver manifestação de doenças durante esse período, o animal fica impedido de embarcar. Cinco exames obrigatórios são realizados ao longo destes 21 dias: brucelose, tuberculose, leucose, paratuberculose e diarreia viral bovina (DVB). Além do controle de doenças, a quarentena serve também para que o animal se prepare para a longa viagem a bordo do navio. O veterinário Toni Machado, responsável técnico da Brasil Beef, considera que o debate sobre o bem-estar animal na exportação de gado vivo já está superado. “Os animais demonstram sinais de conforto ao chegar dentro do navio. Eles deitam, ficam ruminando, descansam, é um ambiente com fluxo de ar”, descreve. Além disso, segundo Machado, o embarque é feito com a utilização de bandeiras e chocalhos, evitando os choques e objetos pontiagudos para “tocar” o gado. A maioria das embarcações conta com até dez andares. Dentro deles, as baias são organizadas com quatro a oito animais, em média. A bordo do navio, os terneiros alimentam-se à base de ração e feno. Machado diz que isso garante a manutenção do peso. Se algum animal apresentar problemas durante a travessia será encaminhado à enfermaria e atendido por um veterinário. 

CONFORTO É EXIGÊNCIA DA OIE
O transporte internacional de terneiros segue regras estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE). Para o veterinário Leonardo de la Vega, do Comitê Permanente de Bem-Estar Animal da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o deslocamento de cargas vivas deve obedecer cinco itens principais: o animal deve estar sadio, não sentir medo, viajar em condições de conforto, receber alimentação e hidratação adequadas e manter a capacidade de expressar seu comportamento natural. Vega afirma que a exportação não é incompatível com o bem-estar dos animais.

Durante a viagem, que começa no porto de Rio Grande, os animais são alimentados com ração e feno e acompanhados por veterinário 

fonte: Correio do Povo Rural 
 Coordenação: Elder Ogliari | rural@correiodopovo.com.br 
Reportagem: Danton Júnior 
Fotos Angelica Barcellos Chaves Silveira
Ano: 34 Número: 1.777 de 30.07.2017

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