Com preços
competitivos no
mercado
internacional,
exportação gaúcha
de gado em pé
ganha espaço em
tempos de menor
demanda interna e
ajuda a frear a queda
da cotação do quilo
vivo no Estado
Um comboio de 50 caminhões vindos
de Capão do Leão e Cristal
chega ao Porto de Rio Grande
carregado com 9,3 mil terneiros.
No terminal, os animais sobem, um
a um, uma rampa que dá acesso ao navio,
em procedimento que pode levar até
48 horas. Finalizado o embarque, o navio
está pronto para atravessar o Oceano
Atlântico e, após 23 dias de viagem, atracar
no Porto de Bandirma, na Turquia.
Embarques como o descrito acima,
ocorrido no último final de semana, tornaram-se
frequentes. Segundo a Superintendência
do Porto de Rio Grande, o Estado
exportou 23.908 bovinos vivos no primeiro
semestre de 2017, quantidade superior às
19.762 cabeças do mesmo período no ano
passado — sempre tendo como destino o
mercado turco. Na mesma comparação, o
faturamento caiu 5,4% e ficou em 11,07 milhões
de dólares. A carga exportada é
composta basicamente por terneiros machos
inteiros (não castrados), de raças
britânicas.
Em 2016, o Rio Grande do Sul exportou
46,4 mil terneiros. O volume pode ser considerado
pequeno frente ao total do rebanho
gaúcho. Mas, em um cenário de crise
na pecuária de corte, influenciado pela
queda no consumo, pela operação Carne
Fraca e pelo escândalo da JBS, exportadores
e analistas do setor afirmam que os
embarques ajudaram a conter a queda no
preço do terneiro. A cotação do quilo vivo,
que há um ano ficava perto dos R$ 6, agora
está próxima de R$ 5 e é semelhante à
do boi gordo, quando, historicamente, costumava
ficar de 15% a 20% acima desta.
Segundo o veterinário e consultor
Eduardo Lund, que atua na intermediação
de negócios voltados à exportação, os embarques
ajudaram a dar sustentação ao
preço num momento de queda na demanda
interna. “Se não houvesse a exportação de gado em pé, estaríamos num
caos”, analisa. A estimativa é de que o número de animais exportados chegue a 50
mil cabeças até o final deste ano.
Conforme Lund, a demanda do mercado
turco deve-se principalmente à qualidade
dos bovinos gaúchos somada aos
preços mais competitivos do que o do gado
criado na Europa. Grande concorrente
do Rio Grande do Sul, o Uruguai — com
características de rebanho semelhante —
exportou 98 mil cabeças no primeiro semestre.
A Argentina, por sua vez, encontra-se
em fase de recomposição do rebanho
e, portanto, não está focada no mercado
externo neste momento. “O mundo
é carente (de gado) e quem tem preços
competitivos somos nós”, afirma Lund.
Os animais destinados à Turquia pesam
de 180 a 250 kg e, após chegarem ao destino,
vão para a engorda, para serem vendidos
futuramente.
O crescimento do volume de exportações neste semestre coincide com momento
de baixa demanda dentro do Brasil. A
zootecnista e consultora de mercado da
Scot Consultoria, Isabella Camargo, observa
que está sobrando oferta no mercado interno.
Por isso, não acredita que as exportações
tenham impacto negativo para o setor.
“O mercado interno nem está conseguindo
consumir o que tem”, comenta.
As notícias de navios carregados com
gado, no entanto, não agradam aos frigoríficos. O presidente do Sindicato da Indústria
de Carnes e Derivados do RS (Sicadergs),
Ronei Lauxen, afirma que, diante
de uma ociosidade de 30% nos abatedouros,
os embarques provocam um impacto
negativo na oferta de animais — ainda que
representem cerca de 3% do total de abates.
“Quando tu já não tens matéria-prima
suficiente para abastecer todas as indústrias,
qualquer quantidade retirada dessa
oferta já mexe com o mercado”, afirma.
Lauxen ressalta que os frigoríficos gaúchos trazem bovinos de fora do Estado,
porém diz que isso só ocorre na entressafra,
em especial em junho e julho.
Também defende a exportação de carne,
que é uma forma de agregar mais
valor à produção do que o gado vivo.
O coordenador do Núcleo de Estudos
em Sistemas de Produção de Bovinos de
Corte e Cadeia Produtiva (Nespro), da
Ufrgs, Júlio Barcellos, ressalta que os
23 mil animais embarcados neste ano representam
um volume pequeno perto da
produção gaúcha, que é de 2,9 milhões
de cabeças por ano. No entanto, sustenta
que a exportação tem efeito sobre o
preço do terneiro, não pela quantidade,
mas por um aspecto “psicológico”. Explica,
ainda, que isso não altera oferta e
demanda, mas provoca outra percepção
dos pecuaristas e dos compradores de
gado, que também ficam preocupados.
“De certa forma, gera um pouco de reação de mercado”, acrescenta.
OFERTA CONTIDA
NAS FEIRAS
A opção de criadores pelo mercado
externo vem sendo apontada como
uma das causas da redução da oferta
ocorrida nas feiras de terneiros nos últimos
anos. O presidente do Sindicato
dos Leiloeiros Rurais e Empresas de
Leilão Rural do RS (Sindiler), Jarbas
Knorr, considera que trata-se de um
mercado interessante para o produtor
e, ao mesmo tempo, lembra que a quantidade
exportada é quase idêntica à do
número de terneiros machos arrematados
durante as feiras do último outono
(25 mil). “Muitos deixam o terneiro inteiro
para vendê-lo para o exterior”, observa.
Knorr, no entanto, não acredita
que as exportações tenham contribuído
para sustentar o preço do terneiro.
Mercado ainda instável
Fluxo das vendas
não é constante e,
por isso, há
recomendações para
que Brasil encontre
mais caminhos para
colocar seus
bovinos no
exterior
C
om 12% das exportações brasileiras
de gado vivo, o Rio Grande
do Sul está atrás apenas do Pará,
que domina o ranking com
participação de 79%. Para que esse fluxo
continue a crescer, no entanto, ainda
é necessário abrir novos mercados, segundo
a zootecnista e consultora de mercado
da Scot Consultoria, Isabella Camargo.
Até abril de 2016, a Venezuela
era o destino de mais de 50% das exportações
brasileiras de gado vivo. Em
2015, chegou a receber 9 mil animais
provenientes do Rio Grande do Sul. Mas
com a crise econômica que atingiu o
país sul-americano, as operações para
lá cessaram.
Hoje as exportações brasileiras concentram-se
no Oriente Médio, porém os
países daquela região ainda não alcançaram
a demanda do antigo comprador.
“Ainda é um mercado muito instável”,
analisa Isabella. “O Líbano faz dois meses
que não compra e a Turquia ficou janeiro
e fevereiro sem comprar”, exemplifica.
A volatilidade desse mercado pode
ser vista pelos números das exporta-
ções dos últimos anos, fornecidos pela
Superintendência do Porto de Rio Grande
(SUPRG). Em 2012, o Estado chegou
a embarcar 47,4 mil cabeças. Dois anos
depois, o volume caiu para 8,6 mil unidades.
No ano passado, as operações
ganharam novo fôlego, com o embarque
de 46,4 mil terneiros.
Entre os exportadores, há a expectativa
de que o Egito retome as compras
nos próximos meses. Segundo o veterinário
e consultor Eduardo Lund, o país
- que importou gado do Rio Grande do
Sul pela última vez em 2014 — costumava
comprar animais da Colômbia, onde
recentemente foram detectados focos de
febre aftosa. “O da Colômbia pode vir parar
aqui no Brasil”, espera Lund. Entre
os anos de 2010 e 2014, o Rio Grande do
Sul também exportou gado vivo para o
Líbano, Líbia e Jordânia.
O economista-chefe da Farsul, Antonio
da Luz, concorda com a importância
das exportações na regulação de preço
do mercado interno, especialmente diante
da crise atual vivida pela pecuária de
corte em função da Operação Carne Fraca
e do escândalo da JBS. De acordo
com ele, os frigoríficos não têm com o
que se preocupar, uma vez que o volume
de gado nos navios é pequeno diante
do total de abates. Mas, na opinião dele,
estes mercados devem continuar existindo,
porém como nicho. “A tendência de
vender carne processada para a Ásia é
cada vez maior”, observa.
O professor Júlio Barcellos, do Nespro/Ufrgs,
alerta para a elaboração de
uma nova normativa do Ministério da
Agricultura que deve tornar mais rígida
a fiscalização sobre os locais de quarentena
e certificações dos locais de embarque.
“Isso, de certa forma, também vai
começar a causar algumas dificuldades
para o Brasil comercializar”, acredita.
EMPRESÁRIO ACREDITA QUE VOLUME
DE OPERAÇÕES TENDE A CRESCER
Criada há um ano e meio, em Pelotas,
a Brasil Beef é uma das quatro empresas
do Rio Grande do Sul autorizadas a exportar
gado vivo. Durante este período,
foram realizados seis embarques — o último
deles há uma semana, com 5 mil cabeças.
O diretor da empresa, Rodrigo
Crespo, que também é produtor e leiloeiro,
acredita que o volume de operações
tende a crescer. “Há uma falta de animais
no mundo para suprir esses mercados
(como a Turquia). Se tivermos um
câmbio favorável, é um mercado que
não tem como não seguir”, acredita.
Para o produtor, a exportação pode
representar um ganho de preço. Segundo
Crespo, os animais destinados ao navio
são comprados por R$ 5,30 a R$ 5,40
o quilo vivo. E há a vantagem de não precisar
castrar o terneiro, já que a Turquia só
compra animais inteiros. Fora o custo da
mão de obra, a castração implica perda
de peso. “Um animal inteiro tem um ganho
de peso de 10% em cima do mesmo
animal castrado”, compara Crespo. Além
disso, os turcos dão preferência ao animal
inteiro por ter menos gordura.
Embora o volume exportado não seja
expressivo, Crespo afirma que as vendas
para o exterior servem como reguladoras
de mercado. “Também é uma forma
de ‘desovar’ o que pode ter de excesso
(na oferta interna)”, analisa. Observa,
ainda, que o volume de gado vendido
para outros estados, dentro do Brasil,
é superior ao das exportações.
Cuidados em toda a travessia
Deslocamento do
gado pelo oceano
exige quarentena
prévia e
acomodações
adequadas
no navio
Antes de subir ao navio, os terneiros
destinados à exportação passam
por uma quarentena em
um dos cinco Estabelecimentos
de Pré-Embarque credenciados no Rio
Grande do Sul. Dois estão localizados
em Rio Grande e os demais em Capão
do Leão, Cristal e Eldorado do Sul. No
caso das exportações para a Turquia, o
protocolo sanitário exige que o período
seja de 21 dias. Durante a quarentena,
os animais - que normalmente são originários
de criação a pasto -, alimentam-se
de ração e silagem.
A quarentena serve para a verificação do status sanitário dos terneiros. Se
houver manifestação de doenças durante
esse período, o animal fica impedido de
embarcar. Cinco exames obrigatórios
são realizados ao longo destes 21 dias:
brucelose, tuberculose, leucose, paratuberculose
e diarreia viral bovina (DVB).
Além do controle de doenças, a quarentena
serve também para que o animal
se prepare para a longa viagem a
bordo do navio. O veterinário Toni Machado,
responsável técnico da Brasil
Beef, considera que o debate sobre o
bem-estar animal na exportação de gado
vivo já está superado. “Os animais demonstram
sinais de conforto ao chegar
dentro do navio. Eles deitam, ficam ruminando,
descansam, é um ambiente com
fluxo de ar”, descreve. Além disso, segundo
Machado, o embarque é feito com
a utilização de bandeiras e chocalhos,
evitando os choques e objetos pontiagudos
para “tocar” o gado.
A maioria das embarcações conta
com até dez andares. Dentro deles, as
baias são organizadas com quatro a oito
animais, em média. A bordo do navio, os
terneiros alimentam-se à base de ração
e feno. Machado diz que isso garante a
manutenção do peso. Se algum animal
apresentar problemas durante a travessia
será encaminhado à enfermaria e
atendido por um veterinário.
CONFORTO É
EXIGÊNCIA DA OIE
O transporte internacional de terneiros
segue regras estabelecidos pela Organização
Mundial da Saúde Animal (OIE).
Para o veterinário Leonardo de la Vega,
do Comitê Permanente de Bem-Estar Animal
da Associação Brasileira de Proteína
Animal (ABPA), o deslocamento de cargas
vivas deve obedecer cinco itens principais:
o animal deve estar sadio, não sentir
medo, viajar em condições de conforto,
receber alimentação e hidratação adequadas
e manter a capacidade de expressar
seu comportamento natural. Vega afirma
que a exportação não é incompatível com
o bem-estar dos animais.
Durante a viagem, que
começa no porto de
Rio Grande, os animais
são alimentados com
ração e feno e
acompanhados por
veterinário
fonte: Correio do Povo Rural
Coordenação: Elder Ogliari | rural@correiodopovo.com.br
Reportagem: Danton Júnior
Fotos Angelica Barcellos Chaves Silveira
Ano: 34 Número: 1.777 de 30.07.2017
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