Semana passada, participei como palestrante e moderador do Merial Live Day, evento de um dia com transmissão pela internet para todo o Brasil, realizado pela Merial em parceria com o BeefPoint. Foi um grande sucesso com mais de 1.800 pessoas assistindo o conteúdo de 10 palestras pela web. Fiquei muito satisfeito por ser uma iniciativa de levar mais informação para nossa pecuária.
Uma das palestras que mais gostei, foi a do meu amigo e parceiro Roberto Barcellos, que é uma das principais referências do mercado brasileiro quando se fala em carne de alta qualidade. Roberto atua na produção do boi, da carne e na comercialização da carne, além de ter mais de 15 anos de experiência passando por diversas empresas. Como eu já assisti várias palestras dele, fico sempre esperando o que ele vai trazer de novidade e como vai conduzir o debate de um tema que sempre gera muito interesse.
Fiquei muito satisfeito com a apresentação e com o painel no final da tarde, pois tive uma forte impressão de que estamos caminhando para um mercado mais maduro de carne bovina de alta qualidade no Brasil. Gostaria de apresentar uma série de pontos apresentados pelo Roberto e também observações minhas do que acontece aqui no Brasil e do que acompanho nos EUA, no Uruguai e na Austrália.
Foco na Qualidade. Em muitos setores do agro brasileiro está crescendo a atenção com a qualidade. Se fala em qualidade de cana, de leite, de café, de vinho, de cachaça, etc. Em 2012, trouxemos o diretor da ABIC para falar sobre o programa de qualidade de café num dos nossos workshops. Foi um dos pioneiros no Brasil, no início se preocupando com pureza e hoje de forma muito mais aprofundada, olhando a qualidade da bebida, diferentes selos e padrões. O café evoluiu muito e temos como uma referência e exemplo para a pecuária de corte há muito tempo. Uma das coisas que aprendi com o café é que qualidade gera mais consumo. Se o café é bom, as pessoas querem tomar mais vezes, querem repetir. E isso aumenta a demanda, pelo volume e pelo preço.
Boi ou Carne? Ainda falamos pouco de carne e muito de boi. Na Austrália, por exemplo, já está mais claro que seu produto é a carne bovina, e não o boi ou a carcaça. Mudar esse paradigma ajuda a ver cada situação de uma forma mais precisa. Por exemplo, qual é o melhor rendimento? Diferentes tipos de animais vão ter diferentes rendimentos de carcaça e também rendimento de desossa.
Como quem paga a conta é o consumidor final, um produto com baixo rendimento de desossa vai ter que custar mais caro e pode não ser o melhor no final das contas. Estamos vendo isso acontecer nos EUA com o aumento do uso de genética, aditivos e nutrição para se aumentar a produção de carne por animal e também aqui no Brasil o sucesso de um programa do varejo que vende carne magra e macia.
O maior acabamento de gordura geralmente reduz o rendimento de desossa e também aumenta o custo de produção. Por isso é tão difícil fechar a conta da produção de alta qualidade quando apenas alguns cortes para churrasco são vendidos com preço premium. Quem conseguir vender mais cortes com preços especiais terá um grande diferencial de competitividade.
Maciez. O mercado brasileiro ainda está focado em maciez como sinônimo de qualidade. Como o produto “bica corrida” que se encontra no mercado tem grande variação e baixa expectativa de qualidade (boi inteiro, baixo acabamento de gordura, idade variável e sem maturação), o consumidor geralmente consome no dia-a-dia uma carne pouco macia. E quando prova um produto superior em maciez, sente grande diferença.
Mas isso vai mudar e já está mudando. A tendência é ter um foco maior em sabor, origem e em história. Foi isso que aconteceu em mercados mais maduros e é o caminho que as principais marcas estão buscando. Restaurantes com festivais de carne de uma raça específica e açougue lançando linhas “Reserva Especial” com volume limitado são exemplos de iniciativas para atender esse cliente que já “sabem mais”.
Um bom exemplo é o vinho, que a cada dia está procurando criar mais formas de diferenciação. No BeefSummit Sul 2013, um palestrante especialista em vinhos disse que mais de 50% da qualidade de um vinho está fora da garrafa: está na história, na informação, na experiência. Na viagem técnica ao Uruguai, no ano passado, fomos a uma vinícola onde o melhor vinho, era produzido em uma parcela de meio hectare. Isso mesmo, 5.000 m2. E esse vinho era vendido de forma especial, com preço especial, com uma história especial. Eu não pude deixar de comprar uma garrafa, que está bem guardada para a ocasião certa.
Pasto e Confinamento. Dois sistemas de produção produzem dois tipos de carnes. Roberto alerta que ainda há marcas vendendo dois produtos diferentes dentro do mesmo rótulo. Isso vai diminuir daqui em diante, a medida que o volume aumenta e a exigência do consumidor também. Os projetos que ainda não tem uma separação por sistema de produção, as vezes já o fazem de forma prática como por exemplo oferecer a carne de animais criados no RS para clientes do RS. Não é perfeito, mas funciona na maioria das vezes. A evolução do mercado será para uma padronização e uniformidade do que se entrega.
Tudo que já ouvi sobre qualidade e marca, passando por melão, café e vinho diz que o maior desafio é não colocar o produto “quase bom” quando o “bom” falta. Marcas duradouras, com visão de longo prazo, fazem isso, em qualquer segmento.
Raça e sistema de produção. O mercado está se tornando mais maduro e entendendo que não é apenas raça que faz qualidade. É preciso pensar no sistema de produção e nas técnicas pós-abate. Há estudos mostrando que existem linhagens de Nelore com bons resultados de marmoreio. Há tempos, se realizou um estudo no Brasil mostrando que é possível produzir animais com padrão de qualidade Choice e até Prime com animais zebuínos.
Há de se lembrar também que a maturação é muito importante. Numa palestra na convenção da Novilho MS, o Prof. Pedro de Felício mostrou dados muito interessantes de como é possível aumentar a maciez com maturação. E também já aprendi, na prática, uma técnica muito fácil de se aumentar a maciez de uma carne: bezuntá-la com óleo de soja exatamente antes de levar a grelha. É incrível o resultado.
Setor em crescimento. Há também um crescimento de novos projetos em todas as etapas da cadeia. A cada dia que passa escuto sobre novos projetos nas mais diversas regiões do Brasil. Gente que produz cruzamento com Wagyu no norte do MT. Os principais frigoríficos, mesmo os que se apresentavam como exclusivamente produtores de commodity, estão lançando linhas de produtos especiais, inclusive com produção própria, em outros países e/ou confinamentos aqui no Brasil.
Os novos restaurantes dedicados a carne lançados nos últimos anos e também as redes importadas – todos vão precisar de matéria-prima de qualidade e uniforme.
No varejo, temos o aumento e evolução dos açougues-boutiques, como o FEED em São Paulo, e o Vila Beef em Ribeirão Preto, SP. Um dos desafios dessas “boutiques” vai ser concorrer com redes de supermercados e até mesmo com redes de açougues de propriedade de frigoríficos. Uma dificuldade será vender a mesma marca de carne que esses outros negócios, por um preço superior. Já ouvi mais de um dono de açougue reclamar que é muito difícil fazer um trabalho de diferenciação, quando seu cliente vai num supermercado e encontra essa mesma marca de carne por um preço muito mais baixo – até com margem zero para atrair clientes que vão comprar outros produtos.
No varejo, temos o aumento e evolução dos açougues-boutiques, como o FEED em São Paulo, e o Vila Beef em Ribeirão Preto, SP. Um dos desafios dessas “boutiques” vai ser concorrer com redes de supermercados e até mesmo com redes de açougues de propriedade de frigoríficos. Uma dificuldade será vender a mesma marca de carne que esses outros negócios, por um preço superior. Já ouvi mais de um dono de açougue reclamar que é muito difícil fazer um trabalho de diferenciação, quando seu cliente vai num supermercado e encontra essa mesma marca de carne por um preço muito mais baixo – até com margem zero para atrair clientes que vão comprar outros produtos.
De ponta a ponta da cadeia, há gente investindo nesse mercado de nicho.
2%. Barcellos também mostrou um dado interessante. Segundo ele, de 40 milhões de cabeças abatidas por ano, 800 mil são de programas de qualidade. Ou seja, o mercado atual é de 2% do volume total. Uma parcela muito pequena. Esse percentual deve crescer, mais um aumento de 250% ainda irá representar apenas 5% do todo.
Duas lições desse cenário: 1- procure ser bem diferente dos outros 98% do mercado, ou você terá grandes problemas. 2- o mercado para carne commodity é muito grande e vai continuar assim. Saiba em qual mercado você está atuando: seja líder em qualidade em um, ou líder em custo no outro. Nunca o contrário, que é a receita garantida para se perder dinheiro.
Por outro lado, quem prova uma carne especial, esses apenas 2%, quer repetir. Eu mesmo sou um exemplo vivo desse cenário. A todas as pessoas que apresento uma carne especial: em churrascos na minha casa em Piracicaba, e também no coquetel dos eventos do BeefPoint, sempre a reação é surpreendente. Como um apaixonado por carne, preciso dizer que é uma das melhores experiências gastronômicas que se pode ter. E é o local ideal para reunir amigos.
Fico satisfeito em ver esse mercado evoluir a cada dia, e ajudar a mudar a percepção de que o Brasil é um grande produtor de carne barata. E fico animado ao perceber que essa maior maturidade é que vai dar sustentação ao setor, que cada dia aprende que são múltiplos fatores que garantem (ou estragam) a qualidade do produto final: genética, manejo, nutrição, pré-abate, maturação, cadeia de frio.
Meu recado para quem está nesse mercado é refletir muito sobre qual sua posição no mercado, o que te faz realmente diferente e por quais os motivos que seu cliente vai preferir comprar de você, hoje e amanhã.
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