quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A revolução dos bifes / Dianteiro toma a dianteira

    • Por Redação Paladar
    Com a melhoria genética e os cuidados com a alimentação do gado, as carnes ‘duras’ da frente do boi – acém, paleta, peito – amaciaram. E o resultado é que vêm disputando brasas com picanha, filé, alcatra, os cortes ditos nobres do churrasco. Elas têm mais sabor e custam muito menos. E são muito bem-vindas neste momento de alta nos preços da carne.









































































































































































































    Por Jose Orenstein























Empurra a picanha, o contrafilé, a fraldinha para lá: a raquete, o peixinho, o sete da paleta e o acém pedem passagem e espaço sobre as brasas e chapas. Os cortes da parte dianteira do boi, antes reles plebeus das grelhas, experimentam suculenta ascensão social em São Paulo e disputam, bife a bife, o centro da churrasqueira com seus primos, os cortes nobres.
A nova classe C das carnes é composta basicamente de três partes: paleta, acém e peito. É como se divide grande parte do dianteiro do boi, que representa perto de 38% do animal. Dessas três partes, é possível tirar uma série de cortes – alguns deles descritos nesta página – que não precisam mais ficar algumas horas cozinhando na panela, ou longos minutos na panela de pressão, para ceder facilmente à dentada. Basta alguns segundos de chapa – ou um espeto sobre o carvão em brasa – para ficarem macios, com alto nível de sucos e saborosos.
Ilustração: Carlinhos Müller/Estadão
“A maioria ainda pensa que só o filé mignon é macio e só a picanha é saborosa. Mas isso vai mudar”, diz, esperançoso, Pedro Merola, dono da Feed, uma das marcas que aposta no interesse do público por carnes de qualidade. A loja aberta há nove meses em São Paulo, no Itaim, está lançando uma linha de cortes de dianteiro.
Mas o que mudou para que o dianteiro, a dita carne de segunda, tenha virado alternativa às peças do traseiro? Acém e paleta não são novidade. O que ocorre é que as melhorias genéticas e, principalmente, o manejo cuidadoso do gado, estão resultando na criação de animais de altíssimo nível, que permitem o aproveitamento de partes que antes não tinham qualidade. Com o gado no pasto, a carne da parte da frente do animal tende a ficar mais magra e mais dura. Porém isso não ocorre com animais de raças selecionados, tratados com alguns cuidados.
O Feed cria o próprio gado – meio-sangue, de angus e bonsmara, que passa até 22 meses no pasto e até 4 no confinamento. O Beef Passion, também. A marca, que mantém uma pequena loja em Santa Cecília, funciona na mesma linha, trabalhando com raças especiais – de matriz europeia, diferentes do nelore, que compõe o grosso do rebanho nacional –, e alimentação controlada.
Com o que vende ao público e o que vai para restaurantes como D.O.M., Vito e o carioca Roberta Sudbrack, a Beef Passion distribui, por mês, 10 toneladas de carne de dianteiro. “Temos gado angus e wagyu. Mesmo no dianteiro, a carne tem ótimo marmoreio – e o sabor é mais encorpado”, diz o dono, Antonio Ricardo Sechis.
Os cortes dianteiros custam menos e seu aproveitamento interessa também a quem cria o gado. “Não faz sentido vender só metade do boi”, diz Sechis. A carne do traseiro representa quase 48% do animal.
Na grande indústria, a tendência de aproveitar os cortes antes desprezados também é crescente. “Os cortes do dianteiro são hoje a menina dos olhos do mercado”, diz Henrique Freitas, gerente da linha Swift Black, da gigante JBS. Ele diz que os preços para peças do dianteiro podem chegar a 50% de um corte equivalente do traseiro – caso do petit tender, ou petit filé, tirado do peixinho, na paleta do boi, que seria um substituto do filé mignon.
“Os clientes estão descobrindo a variedade de cortes mais em conta”, diz Leo Teixeira, dono do açougue Talho Carnes, aberto há um ano em São Paulo.
Num futuro ainda distante, com o aumento da demanda pelos cortes do dianteiro – pela educação do consumidor e pela cultura de menos desperdício que se impõe – a tendência é que o preço suba. Mas até lá, churrasquear acém, peito e paleta, é bom negócio: mais sabor, mais barato. Conheça os cortes e como aproveitá-los.
FOTOS: Felipe Rau/Estadão
MIOLO DA PALETA
A paleta é a perna dianteira do boi e seu miolo não costuma pesar mais de 1 quilo e tem boa capa de gordura. À primeira vista, lembra uma picanha. Suas fibras, no entanto, são mais finas e mais magras. A peça tem boa proporção de gordura entremeada às fibras e pode, assim, render ótimo churrasco. Fatiado em bifes e feito na grelha ou selado numa chapa bem quente também rende: é uma carne saborosa, bem irrigada. Não vai desmanchar na boca, mas também não vai exigir grande trabalho dos dentes, tem maciez razoável.
PEIXINHO
Mesmo em animais de raças que acumulam mais gordura, como a angus, o corte derivado da parte da frente da paleta – o popular peixinho – é magro, tem bem menos gordura entremeada às fibras, o marmoreio, que seu vizinho raquete, por exemplo.
Tradicionalmente ele é usado no preparo de cozidos como o francês pot-au-feu, por supostamente ser duro demais para ir à frigideira ou chapa quente. O fato, no entanto, é que, quando bem cortado pelo açougueiro, fatiado em bifes, pode passar tranquilamente por medalhão de filé mignon –com o grande atrativo de custar a metade ou até um terço do preço. Isso porque o peixinho é de uma maciez a toda prova, acentuada na carne de gados que passam por seleção genética, confinamento, alimentação controlada.
Em inglês, este corte é conhecido como petite tender, petit filet, shoulder tender, nomes que muitas vezes também são usados aqui no Brasil.
RAQUETE (SHOULDER)
Não faltam nomes para este corte: raquete, sete da paleta, segundo coió, ganhadora, língua shoulder… Tanto faz como você vai chamá-lo, a verdade é que o pedaço de carne que fica na parte interna superior da paleta, ao lado do peixinho, é o supertrunfo do dianteiro: sob todas as formas de cocção ele vai vencer, ele vai dar certo. “É espetacular, muito saboroso, quem conhece não para mais de comer”, diz Sylvio Lazzarini, do Varanda Grill. Reza a tradição na Itália que a melhor forma de aproveitá-lo é cozinhá-lo com um belo vinho: está feito o brasato. Mas o corte mais comum da peça (shoulder steak), transversal, com a fibra correndo pelo meio, ovalado – daí a semelhança com a raquete de tênis –, fica irresistível simplesmente grelhado.
RAQUETE (FLAT IRON)
“Quando comecei a testar esse corte, fiquei emocionada, quase chorei”, brinca Letícia Massula, chef que ajuda a elaborar os cortes para a Feed. Lá, além do corte mais comum, tipo shoulder steak, é possível achar também um corte da raquete encontrado com mais facilidade nos Estados Unidos: o chamado flat iron steak. A diferença é que nesse caso, o que se faz é abrir a peça longitudinalmente, tirando a fibra branca e obtendo uma peça fina e longa.
O resultado é saborosíssimo: a carne, de boa textura e maciez surpreendente (se o corte é tirado de um animal de raça especial com alimentação controlada), presta-se com facilidade a uma passada rápida na chapa – e pode substituir, sem susto, por exemplo, um bife de contrafilé.
ACÉM
O acém é o maior corte do dianteiro bovino – ocupa o espaço entre o pescoço e a costela, acima da paleta. O miolo do acém sempre frequentou as grelhas de churrasqueiros mais avançados ou aventureiros. Mas, em geral, acém é um dos primeiros nomes que se associa à ideia de carne de segunda. Tem fama de “imastigável” se não passar um bom tempo na panela.
A verdade é que se trata de uma carne macia, relativamente magra e potencialmente muito saborosa. O corte tem sido usado pelo chef André Mifano, do restaurante Vito, em São Paulo num prato que concorreu ao Prêmio Paladar 2013: acém de wagyu com batatas. A raça japonesa é conhecida pelo altíssimo grau de marmoreio e maciez e nesse caso, basta uma cocção simples para que a carne se mostre.
Acém é chamado também de agulha, alcatrinha ou lombinho. Em inglês, corresponde à parte chamada de chuck.
COSTELA DO DIANTEIRO
A costela de dianteiro é tão ou mais saborosa e suculenta que a costela traseira. Ela fica na ponta do peito, na fronteira com o acém, um corte com osso mais fininho, mas com o tecido conjuntivo que o envolve cheio de colágeno, que lhe empresta a intensidade. Normalmente, no açougue comum, é uma carne mais magra. Mas em animais especiais, de alimentação controlada, ela traz um alto grau de marmoreio.
O primeiro impulso é jogar a peça numa grelha de churrasco – e, aí, não tem erro. Mas a costela presta-se ainda muito bem à chapa ou panela de ferro comum em casa. Mais fina, fica pronta com poucos minutos de exposição ao calor. “Difícil achar um corte mais saboroso que esse. Pode pegar, ancho, chorizo… Esses podem ser mais macios, mas essa parte da costela é imbatível”, diz Antonio Ricardo Sechis, da Beef Passion, que produz o corte com angus (caso da foto acima) e wagyu.
Em inglês, esse corte é parte do chamado short rib.
fonte: Estadão

Nenhum comentário: