segunda-feira, 5 de março de 2012

Amarrado


O que dizer desse mercado, hein? Ele não está em seu melhor momento para nós, que vivemos da venda do boi gordo. E se a venda de animais passa por um período ruim – e, diga- se de passagem, o que vemos é a cara da safra, mesmo – o mercado futuro também não nos ajuda a desenhar um horizonte muito positivo sobre o que será do produtor no segundo semestre.
Mas todo mundo que lê esta coluna há algum tempo sabe que não costumo ser torcedora. Posso ou não gostar do que está acontecendo com o mercado, mas aqui procuramos deixar a emoção de lado e trabalhar com a realidade, mesmo que ela não seja agradável. Isso nos dá o máximo de tempo possível para refazer o percurso e desviar do iceberg. Sabemos que negar os fatos não ajuda nada e que cedo ou tarde, a lei da oferta e demanda fala mais alto.
Pra começarmos, vamos analisar ano a ano o comportamento do boi gordo em safras passadas. Quero saber se estamos dentro da normalidade e até onde a história nos sugere que esse movimento pode ir. Observe o gráfico:
Gráfico 1. Variação da arroba em SP no período entressafra/safra de anos anteriores considerando fases de alta e de baixa dos ciclos pecuários.
Bom, dá pra tirar algumas conclusões quando olhamos para o gráfico acima. A primeira – e para mim, mais importante – é saber que nada é regra. Isso significa que em algumas ocasiões os preços do boi gordo subiram durante a safra. Acontece!
Mas o interessante mesmo é associar essas exceções à fase dos ciclos pecuários anteriores. O que quero dizer é que fica claro no gráfico acima que a incidência de preços em alta durante a safra costuma ser menor em anos de fase de alta, traduzidos pelo fundo azul. Já em anos de fase de baixa (traduzidos pelo fundo vermelho), temos uma menor incidência de exceções. Mas assim mesmo elas são possíveis, afinal de contas, exportações, consumo interno, proteínas concorrentes, macroeconomia, custos de produção e outras variáveis também entram na conta.
Outro dado que não é novidade, mas que foi provado pelo gráfico acima, é que na maioria dos anos os preços caem nessa época. Tem gente que diz que o volume de animais confinados está anulando essa regra e que não temos mais safra e entressafra, mas eu discordo.
Mesmo em anos recentes, o regime de chuvas e o impacto que ele tem sobre os custos de produção ainda fazem o boi gordo reagir no segundo semestre. É claro que assim como a safra, a entressafra também tem suas exceções. Observe o gráfico 2.
Gráfico 2. Variação da arroba em SP no período safra/entressafra de anos anteriores considerando fases de alta e de baixa dos ciclos pecuários.
Desde 2006 adentramos a fase de alta do 8o ciclo pecuário desde o início da série histórica mais longa que tenho aqui para os preços do boi gordo. É claro que tivemos outros ciclos antes disso, mas considerarei a minha série histórica.
Nela, fica claro que na maioria dos anos a entressafra obedece a premissa de que a falta de chuvas acarreta um custo maior para o invernista e, consequentemente, necessita uma remuneração maior para que a atividade compense. Isso não é regra. Em 2009, por exemplo, não foi o que ocorreu. Adianta reclamar? Não. É a verdade nua e crua do mercado. Quando a oferta é maior do que a demanda, os preços não acompanham os custos necessariamente.
Certo. Quanto blá, blá, blá.
Vamos ao ponto. O que quero mostrar aqui é que a recente queda já ultrapassou o limite médio que costuma respeitar em fases de alta do ciclo pecuário, mas também não chegou onde uma possível fase de baixa poderia nos levar. Observe:
Tabela 1. Variação média entressafra/safra de acordo com as fases do ciclo pecuário e projeção para 2012. Base = mercado físico São Paulo R$ 99,55/@.
O que temos até o momento é um preço médio de R$99,55/@.
Considerando um cenário pouco melhor, uma queda de apenas 2% de preço médio entre entressafra/safra levaria a arroba aos R$97,34 no balanço do primeiro semestre do ano.
Na pior situação, a arroba poderia chegar aos R$95,46 na média do primeiro semestre, o que justificaria o contrato de maio estar cotado no patamar em que está – que é de R$93,00/@. Mas é importante lembrar que se isso acontecesse, seria o equivalente ao pior cenário possível, típico de anos de fase de baixa do ciclo.
Uma situação intermediária levaria a arroba a ter sua cotação média nos R$96,60. Pra mim, é o que faz mais sentido por enquanto.
Mas tenho algo mais a considerar. Observe:
Tabela 2. Variação média safra/entressafra de acordo com as fases do ciclo pecuário e projeção para 2012. Base = mercado físico São Paulo R$ 95,46, R$ 96,60 e R$ 97,34.
Na última tabela traçamos três possibilidades dentro dos três cenários que a safra desenhou pra gente. Temos várias possibilidades, fica até meio vago analisar assim. Mas acredito que o que a entressafra tem para nos dar está localizado ali, onde fiz um círculo. Ou algo em torno disso. Explicarei por que me parece ser a escolha mais sensata.
Acho que pelos dados que temos de abate, tempo de retenção de fêmeas, oferta de machos entre 24/36 meses e margem do produtor, fica claro que já não dá pra descartar que a fase de baixa deste ciclo pecuário está próxima. É claro que podemos ter uma fase de estabilidade ainda, mas vários dados que tenho colocado nesta coluna ao longo das semanas nos indicam que a oferta de animais adultos é maior hoje. Não vou me alongar nessa análise hoje, já falamos dela há poucas semanas. Aliás, tem sido uma constante.
Mas outra coisa que devemos considerar. O começo das fases de baixa também é moderado, historicamente. Não ocorre abruptamente nem com força total, quando comparado aos anos intermediários dessa fase do ciclo. Acredito também que por isso temos uma fase intermediária, de acomodação, dentro dos ciclos. Portanto, prefiro acreditar na sazonalidade e também que mesmo que essa fase esteja começando, ela não mostrará toda a sua força ainda. Não agora.
Então, por enquanto é isso. Um abraço a todos e até a semana que vem!
FONTE: Lygia Pimentel / médica veterinária, pecuarista e especialista em commodities

Nenhum comentário: