quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Lição do mercado

Por: Lygia Pimentel

Às vezes o mercado fala com a gente. É a impressão que tenho muitas vezes. Quem nos acompanha há algum tempo sabe que sigo o mercado incansavelmente em todos os movimentos possíveis. Tem dias em que acordo e simplesmente ouço o que ele me diz de maneira clara. Nessas horas uso sem medo as ferramentas que tenho em mãos naquele momento. É muito emocionante quando acontece.
O mercado também nos dá lições que teimamos em não aprender, muitas vezes. Uma delas é que ele se movimenta em ciclos. Em alguns momentos, esses ciclos podem ser distorcidos pela interferência de alguns agentes, mas a verdade é que no fim, o mercado é mais forte. Não adianta tentar ir contra ele. Darei um exemplo rápido.
Praticamente todos estamos familiarizados com a crise na Argentina, certo? E sabem como isso acabou com o mercado pecuário por lá?
Quando o mercado dizia que o pecuarista deveria ser remunerado para poder dar continuidade à produção de carne, o governo populista que não queria colher os frutos de uma carne bovina cara no maior país consumidor per capita do produto no mundo limitou as exportações, o que quebrou muitos dos nossos parceiros por lá.
O resultado? Está bem esclarecido no gráfico 1.
O consumo de carne bovina caiu e a Argentina perdeu o posto de maior consumidor per capita de carne bovina do mundo para o Uruguai devido ao agudo aumento do preço da proteína. Outro movimento importante é que em reflexo, as carnes concorrentes ganharam mercado.
Não vivemos o mesmo aqui no Brasil, mas o objetivo foi dar um exemplo claro de que tentar cabrestear o mercado não funciona e, além disso, pode trazer graves prejuízos. Dito isso, vamos ao que realmente interessa: o NOSSO mercado.
O boi anda desanimadinho, não? Também, pudera, temos hoje uma oferta de animais em São Paulo 25% mais alta do que o observado no mesmo período do ano passado. Como sei medir isso? Observando as escalas de abate médias nos últimos dois meses e comparando com as escalas de abate médias em 2011 e também em 2010. O engraçado é que nas praças vizinhas a situação não tem sido igual. A seca está em seu ápice se não considerarmos as chuvas deste feriado e isso mexe com a oferta de gado, obviamente.
Isso fica bem claro quando observamos a diferença entre o preço pago em SP e outras praças. O valor da arroba pode não estar bom, mas o deságio na sua praça definitivamente está, observe no gráfico 2. Coloquei no gráfico também a diferença média histórica entre SP e os Estados em questão e o patamar em que nos encontramos hoje.
O resultado é que apenas MT está dentro do resultado médio. O restante todo está muito abaixo do que costumamos ver, a prova irrefutável de que a entressafra existe, quer o confinamento esteja aí, quer não.
Digo isso pois esperamos um volume recorde histórico de animais confinados em 2012, oficialmente ultrapassando os 4 milhões de cabeças, o que pode trazer alguns efeitos indesejáveis ao mercado, como o acúmulo de oferta em determinado período, prejudicando a valorização da arroba por manter a oferta de bois concentrada em uma época em que os custos são elevados e em que deveria faltar oferta. Neste ano vi muita gente apostando em arroba acima de R$ 100,00/@ em SP e já ouvi alguns relatos de R$ 105,00/@ até R$ 115,00/@. É impossível? NADA é impossível, amigos.
Mas algo me preocupa, como sempre. Ocorre que muitos se esquecem do que vivemos até um passado recente, que foi a arroba ladeira abaixo e pronto. Este não tem sido um ano fácil. Acho que às vezes a gente se esquece da verdadeira situação vivida em 2012. Observe o gráfico 3.
Isso traz desconforto e muita insegurança para quem confina e certamente levou a apostas mais baixas para o primeiro giro do confinamento, que na maioria dos casos ocorre entre junho e setembro.
Daí o boi ter reagido em agosto, juntamente com o efeito da seca tardia, que apareceu só depois de junho pra enxugar a oferta de animais de pasto. O “problema” é que o otimismo voltou a dominar o mercado quando a arroba voltou a subir e o que sei é que esse cenário mais positivo coalhou os confinamentos com animais para o abate.
Por quê digo que é um problema?
É a velha e boa roda que gira o mercado e que também faz girar os que estão na atividade. Para sair da roda e evitar os efeitos do comportamento coletivo, somente tentando sentar do outro lado da canoa. Considero o comportamento do mercado futuro como o termômetro do otimismo ou pessimismo do mercado. Observe como o mercado futuro se comportou em 2012 frente ao observado no mercado físico no gráfico 4.
Temos ondas de pessimismo e otimismo que levam os vencimentos da entressafra na BM&F a procurarem valores altos ou baixos demais. Ou talvez nem tão baixos demais…
O que considerávamos como o fundo do poço no momento do pessimismo é exatamente o mesmo patamar de preços que vivemos agora no mercado físico. Observem com atenção a trajetória da arroba entre março e junho. O que vivemos foi uma queda brava, o que alterou o ânimo do mercado e levou-o ao pessimismo. Como resultado, o planejamento do confinamento no segundo semestre ficou abalado. A BM&F também não pagava o suficiente para cobrir os custos e isso levou a menores apostas no primeiro turno. Como resultado, assim que o pasto acabou sentimos a falta dos animais de cocho e os preços reagiram em agosto.
Com a reação, voltamos à fase de otimismo, em que o céu é o limite para o preço da arroba. E observem o que ocorreu com ela entre setembro e outubro: permaneceu praticamente estável. Hoje observo os pastos ainda secos, o que me leva a crer que as apostas no segundo turno aumentaram demais. Como a fase de otimismo começou em agosto, 90 dias de cocho devem começar a mostrar seus reflexos entre o fim de outubro e dezembro.
Para ser mais clara: estamos em plena entressafra, quando a tendência histórica predominante é de mercado em alta. Mas o otimismo gerado pela falta de animais no primeiro turno pode ter sobrecarregado o segundo, impedindo o boi de reagir mesmo com a seca vigente. Em outras palavras: novembro me preocupa um pouco, pela primeira vez em alguns anos.
E para finalizar, chamo a atenção para o spread aberto entre o vencimento de out/12 e nov/12 na Bolsa: ele nunca esteve tão aberto e, ao mesmo tempo, nunca estivemos tão próximos temporalmente da liquidação deles. Não parece estranho aos que nos lêem? Aguardo comentários. Grande abraço e até breve!

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