Em dezembro de 2013, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) propôs avaliar novamente a possibilidade de permitir importações de carne bovina brasileira in natura de estados brasileiros livres de febre aftosa.
O anúncio foi feito dias depois do USDA e do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) emitirem um comunicado conjunto informando que os países trabalhariam juntos para possibilitar o comércio bilateral de carne bovina.
O USDA propôs analisar a possibilidade de permitir a entrada de carne bovina in naturada Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo, Sergipe e Tocantins, pois o departamento acredita que o produto pode ser importado de forma segura, desde que sejam cumpridas todas as condições sanitárias previamente impostas pelos Estados Unidos.
Segundo o USDA, caso surja um foco de febre aftosa, o Brasil possui infraestrutura zoosanitária capaz de detectar e erradicar a doença. A carne bovina importada estaria sujeita às regulamentações que reduziriam ao máximo os riscos da entrada da doença, incluindo restrições de movimentos, inspeções, remoção de partes potencialmente afetadas e um processo de maturação.
Com a abertura do mercado, o Brasil iria inicialmente exportar dentro da cota “outros países”, que é baixa, aproximadamente 65 mil toneladas, volume que pode ser negociado posteriormente. E o que for exportado fora da cota, será com a tarifa de 26,4%, assim, exportar mais que a cota mínima deve ser inicialmente inviável economicamente.
O volume também dependerá muito do cenário econômico mundial, da disponibilidade de animais, da situação econômica americana, da situação cambial do Brasil, e também da situação nos outros países fornecedores.
Por ser referência mundial, o sistema sanitário norte-americano é utilizado como base para diversos outros mercados importantes, assim esta decisão poderá influenciar outros países a acelerar as negociações com o Brasil. Destacando-se os países da América do Norte e os principais mercados do nordeste da Ásia.
Lembrando que os Estados Unidos estão entre os maiores importadores mundiais de carne bovina, importaram em 2012 mais de 1 milhão de toneladas, ficando atrás apenas da Rússia que são os maiores importadores mundiais de carne bovina.
Gráfico 1: Exportação brasileira de carne bovina in natura no ano de 2013 (t)
Com base no gráfico acima, nota-se que o mês de maior exportação de carne bovina in natura foi outubro, com mais de 118 mil toneladas. O pior mês foi o de fevereiro em que o Brasil exportou aproximadamente 75 mil toneladas.
Gráfico 2: Total de carne bovina exportada em 2013
No gráfico acima, nota-se que os maiores importadores de carne bovina brasileira são Hong Kong, Rússia e União Europeia. Estados Unidos vem em oitavo lugar.
Segundo Fabiano Tito Rosa, gerente executivo de Business Intelligence da Minerva Foods, apesar do Brasil estar na última etapa para a abertura desse mercado, essa é justamente a fase mais difícil e decisiva, pois envolve consulta pública. E o lobby contrário dos EUA é muito grande.
“O importante é dar o start, pois a abertura dos EUA, em médio prazo, pode servir de precedente para a abertura de outros importantes mercados, principalmente o restante do Natfa, em que o grande mercado é o México, e quem sabe, mais adiante, Japão, Coréia do Sul ou Taiwan. Portanto, considerando o contexto todo, seria sim algo realmente positivo”, afirma Fabiano Tito.
Segundo Fabiano Tito, o grande acontecimento é a ascensão da Ásia, pois China/Hong Kong deixaram de ser promessa e se tornaram realidade, os embarques para esses países, como mostram as análises do Rabobank, devem seguir em forte crescimento. Este mercado se consolidará como o maior mercado para a carne brasileira, superando a Rússia. E ainda falando de Ásia, temos a possibilidade de abertura da Indonésia, em função de problemas com a Austrália, este também é um “mercadão”, com mais de 250 milhões de habitantes.
“Acredito em exportações muito fortes para 2014, mesmo sem abertura de mercados novos, em função de recuperação da economia mundial e, consequentemente, de consumo, e também pela estagnação da produção, afinal Estados Unidos, por exemplo, deve produzir 6% a menos, Austrália poderá reduzir 2%, além disso ainda temos a desvalorização do real. Em 2013 as exportações absorveram 20-21% da produção de carne bovina do Brasil, este ano acho que podemos ir pelo menos para a faixa de 23-25%”, conclui Fabiano Tito.
Segundo André Skirmunt, diretor executivo da divisão de carnes do JBS, empresa que possui forte presença no mercado americano, o Brasil poderá vir a ser exportador basicamente de matéria-prima para processamento (retalhos, dianteiros incompletos, etc.). André acredita que não há espaço para os cortes de consumo brasileiros nos Estados Unidos.
“Não acreditamos que a abertura do Brasil terá impacto no preço do boi nos Estados Unidos, pois o volume e o tipo de produto não será fator de desequilíbrio por lá. Talvez tenhamos um reajuste de preços da Austrália, porém este é um fluxo muito tradicional e estabelecido, e não será simples para o Brasil interferir nestes negócios”, afirma André.
Esta negociação está em pauta há mais de dez anos, ainda há negociações em curso e detalhes a serem acertados, mas para André Skirmunt, a diferença desta vez, comparado há dez anos, é que houve uma evolução muito grande no nível de confiança entre os serviços sanitários dos dois países. “O Serviço Sanitário brasileiro está fazendo um belo trabalho em termos internacionais e com um bom nível de credibilidade”, afirma. Isto facilita muito nos momentos de negociações bilaterais. Uma relação de maior equilíbrio político e mesmo econômico também devem ter facilitado as negociações, conclui André.
Segundo Fernando Sampaio, diretor executivo da ABIEC, Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, o principal concorrente do Brasil no mercado americano é a Austrália, porém com o aumento da demanda asiática puxada pela China e também com as limitações climáticas à expansão do rebanho australiano, será muito difícil que a Austrália consiga dominar os dois mercados. Há muito espaço para o Brasil e o potencial a longo prazo é imenso.
Esta liberação poderá influenciar indiretamente a abertura de outros mercados, inicialmente México e Canadá, e países da América Central e Caribe que seguem as orientações do USDA como Jamaica e outros. A abertura poderia influenciar positivamente também as negociações com Japão, Taiwan e Coreia, afirma Fernando Sampaio.
Com relação ao preço do boi nos EUA e Austrália, Fernando Sampaio acredita que não haverá grande impacto imediato, pois o volume inicial seria modesto comparado com a produção interna americana, que equivale a 11 milhões de toneladas e com as importações australianas que atualmente possuem cota de 378 mil toneladas.
“A função principal do comércio internacional é trazer equilíbrio para os setores em todos os países. No Brasil consumimos mais traseiros do que dianteiros. Precisamos de mercados para exportar dianteiros. Os Estados Unidos consomem muito dianteiro pra fazer hambúrguer, e exportam cortes nobres para Japão e Coreia. Nesse sentido, a liberalização do comércio beneficia a todos”, conclui Fernando.
Para Fernando, a abertura do mercado americano para carne in natura foi incluída quando o Brasil venceu o contencioso do algodão na OMC, felizmente, nas compensações a que o Brasil teve direito. Isso acelerou as negociações. Depois disso os americanos concluíram uma análise de risco que era a etapa que faltava para que fosse iniciado o processo de abertura do mercado, e foi mantido um diálogo constante entre o MAPA, o MRE e seus correspondentes americanos. Isso foi essencial para chegarmos a este momento.
Conclui-se que a abertura do mercado americano para a carne bovina in naturabrasileira irá trazer vários benefícios para toda a cadeia da carne bovina de nosso país, pois iremos conseguir preços mais competitivos para nosso produto, o Serviço Sanitário Brasileiro terá que ser ainda mais rigoroso com os pecuaristas e frigoríficos consequentemente haverá um aumento da qualidade e da seguridade da carne produzida.
A médio e longo prazo a confiança de outros importantes mercados sobre o produto brasileiro irá aumentar, assim como a confiança do próprio brasileiro, incentivará também os outros estados a buscar formas mais efetivas de controle da febre aftosa para se tornarem livre da doença e também serem potenciais exportadores.
Cabe ao Brasil buscar a união de todos os órgãos e entidades envolvidas como Abiec, MAPA, ABRAFRIGO, CNA, CNI e também dos pecuaristas para fortalecer ainda mais a negociação e torna-la de fato uma realidade.
Comentário BeefPoint: O cenário é bastante positivo para o Brasil, visto que os EUA estão entrando num momento de grande déficit de carne bovina e preços recordes. Importar carne magra do Brasil vai ajudar a conter os preços por lá, mas não será um grande volume inicial. Vale lembrar que quanto mais mercados tivermos abertos a carne brasileira, maiores as chances de vender mais e melhor, pois cada mercado tem sua cultura e particuliaridades, comprando cortes por preços diferentes. Os dois exemplos de sucesso para o Brasil se espelhar são Austrália e Uruguai, que exportam 2/3 da sua produção e podem escolher onde colocar cada corte de carne que produzem, maximizando valor em toda cadeia. Não esperamos que a abertura dos EUA seja um fator de grande mudança na demanda e preços de carne e boi no Brasil, mas será uma excelente notícia.
Agradecimentos
André Skirmunt - Diretor Executivo da Divisão de Carnes do JBS
Fabiano Tito Rosa - Gerente Executivo de Business Intelligence da Minerva Foods
Fernando Sampaio – Diretor Executivo da ABIEC, Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne
Artigo elaborado pela Equipe de Conteúdo do BeefPoint, Flaviane Afonso e Gustavo Freitas.
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