Em meu último artigo aqui no blog abordei um tema atual e de extrema relevância para cadeia produtiva da pecuária bovina , a recente onda de recuperações judiciais e “quebras” financeiras de grupos que operam no setor de abates de bovinos ou especificadamente, frigoríficos. Pela repercussão que o artigo teve, fui convidado a publica-lo no maior site e portal online de negócios ligados a cadeia pecuária do Brasil, o Beefpoint. Há semanas, o artigo mantém-se classificado em primeiro lugar como o “mais comentado” no site, devido a polêmica que o assunto tem e os recentes acontecimentos vivenciados pelo setor.
Grande parte dos comentários que recebi sobre o artigo são de críticas as políticas comerciais dos frigoríficos e mais intensas ainda as relações comerciais entre fornecedores e compradores, ou seja, pecuaristas e frigoríficos. Baseado nestes comentários e feedbacks, neste artigo vou tentar sintetizar o assunto e entender o que ocorre entre estes dois importantíssimos e fundamentais elos da cadeia produtiva da pecuária bovina.
Antes de começar, gostaria de chamar à atenção para alguns pontos nesta reflexão, no texto irei deixar de lado as questões relacionadas a liquidação financeira das compras, ou simplesmente, pagamento. Vamos assumir que compra feita é compra paga. Pagamento é obrigação natural de uma compra e não mérito. Default acontece, eu sei, mas é exceção e não regra.
Também não vou questionar sobre preços praticados e as leis de mercado. Os frigoríficos são os compradores dos bois e novilhas produzidos pelos pecuaristas, é sua matéria-prima. Nada mais natural que ele tente pagar o menor valor possível para adquirir esta matéria-prima. O contrário é verdadeiro, o pecuarista é o vendedor e quer obter o maior valor possível pela venda de sua mercadoria. A dinâmica do mercado rege estas interações, os preços não são controlados e nenhum elo da cadeia, por mais concentrado que seja, ainda tem poder de distorcer os preços a seu favor.
Dito isso, excluindo-se as questões de mercado e pagamentos, tudo o que sobra, ao meu ver e pelo que escuto por aí a respeito desta relação comercial, é motivo de reclamações. E digo isso não somente olhando para um dos lados, o mais óbvio e pulverizado, dos pecuaristas. Existem muitas reclamações também por parte da indústria contra os pecuaristas, por mais incrível que pareça.
De fato, não irei elencar nem discorrer sobre todas as reclamações e pontos de discórdia entre as partes, cada um tem seu histórico e com certeza tem razão em algum ponto para discordar ou não do outro. Mas para citar alguns, os pontos mais abordados por parte dos pecuaristas são sempre relacionados a logística, ou a famosa “faca afiada” do frigorífico ou então os descontos por falta de pontuação em critérios obscuros adotados pela indústria, etc. E por parte dos frigoríficos, reclamações a respeito da falta padronização de lotes, leilões de preços por parte de pecuaristas, ou a falta de comprometimento com qualidade e etc. As listas são grandes e dependendo do tipo de comercialização adotada, peso vivo (com ou sem o uso do rendimento de carcaça) ou peso morto, ela cresce muito mais. Mais eu vou parar por ai, o objetivo do texto não é este. O que podemos concluir com isso é que as origens das reclamações são variadas, mas o fim é o mesmo, aumentar ou diminuir os valores pagos, sempre.
Não vou fazer demagogia aqui, nem defender qualquer uma das partes, meu objetivo é analisar tudo isso e tentar extrair algo de útil. Mas olhar tudo de maneira imparcial é complexo demais. Tomando por exemplo outras cadeias produtivas do agronegócio importantes no Brasil, como por exemplo a da cana de açúcar ou laranja. Não tenho dados para mostrar mas acredito que as concentrações das indústrias nestes setores podem ser até maiores que as de frigoríficos e as reclamações existem e são rotineiras nestas duas cadeias também. Isso é fato, descontentamentos entre fornecedores e compradores não são exclusividade da cadeia pecuária bovina. Talvez possamos aprender alguma coisa debatendo com estes outros setores, quem sabe.
Existem muita queixas, dos dois lados, sobre a falta de regras claras aos participantes da cadeia, sobre o papel de cada um, sobre bônus e ônus, padronizações e etc. Esqueça regras jurídicas e fiscais, estamos tratando de outros pontos aqui, estamos falando de práticas comerciais. Até concordo em alguns pontos, mas particularmente, sou contra o excesso de regulamentação para este tipo de relação. Acho que atrapalha a dinâmica dos negócios e pode até interferir nas leis de oferta e demanda. Na verdade, existem algumas práticas que foram sendo incorporadas as rotinas dos negócios e não são regras, mas são utilizadas como se fossem. Exemplo: o frigorífico sempre paga o frete do gado vivo, ou a porcentagem utilizada nos cálculos de rendimentos de carcaça na comercialização do gado nas balanças das fazendas, etc. Já não são suficientes?
Mais do que regras, determinando os papéis comerciais de cada um, sinto falta de políticas de médio e longo prazo pensadas em comum acordo para o setor. Modelos de câmaras setorias onde sentam-se juntos setores público e privado (com participação de todos os elos da cadeia produtiva) são usados em diversos países do mundo para pensar perpetuamente determinado setor da economia. A cadeia bovina, com toda sua relevância e longo ciclo produtivo, merece isso. Temos a nossa, eu sei, mas discute-se muito mais questões pontuais do que propriamente soluções concretas para problemas crônicos do setor, aja visto que estamos tendo esta discussão há décadas.
Mas afinal, como resolver este impasse entre frigoríficos e pecuaristas?
Desculpem-me, não tenho pretensão de responder esta questão. Como já disse anteriormente, não sou especialista nem analista, mas gosto de discutir temas polêmicos do setor. Eu acredito seguramente que relações comerciais que gerem muitas situações obscuras, de arbitrariedades entre as partes, devem ter regras claras sim, não impostas, mas discutidas, exaustivamente se for necessário. O que eu não consigo acreditar é como tivemos condições de fazer nossa produtividade no campo e na indústria crescer de maneira tão eficiente arrastando uma relação comercial depreciativa como esta por anos. Pensando nesta conclusão, posso afirmar que temos muito mais motivos para juntar forças do que procurar conflitos, pensem bem, se obtivemos sucesso até agora mesmo com estes grandes impasses, o que podemos fazer se começarmos a pensar em soluções juntos, sem interesses unilaterais. Esta sim, é a raiz do problema que temos que nos concentrar. Acho que a melhor conclusão para este artigo seria a de alterar o título de “Frigoríficos x Pecuaristas” para “Frigoríficos + Pecuaristas”. O que acham?
FONTE: OTAVIO JULIATO
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