Por Lygia Pimentel, médica veterinária, pecuarista e analista de commodities.
A questão é: o atacado paga melhor o boi casado capão em relação ao casado inteiro porque a terminação do castrado é melhor. Carne mais marmorizada, com aquela capa de gordura na medida, maior maciez! Resultado:o frigorífico quer comprar boi castrado em detrimento do inteiro.
Acontece que quando não é tão fácil encontrar oferta, ninguém escolhe muito e a procura pelo boi castrado perde um pouco o foco. Não tem como escolher quando a oferta é pouca.
Bom, provarei que é isso o que acontece. Quero que os pecuaristas que nos leem digam se em outubro e novembro de 2010 algum frigorífico ligou pra vocês e disse: “vocês têm boi pronto aí pra entregar? Têm? Ótimo! Pago R$113,00/@ no castrado e R$111,00/@ no inteiro. Ah, e por sinal, sabem de mais alguém com lote pra oferecer?” Não, não. Essa história perdeu sua importância naquele momento e voltou a ganhar força entre fevereiro e março de 2011. Corrijam-me se estiver errada. A verdade é que na entressafra ninguém fala em penalização e, na safra, a história recomeça. Mas observe onde estivemos e onde estamos hoje:
Estranho, estranho. A oferta de animais hoje é maior, definitivamente. Temos pastos em piores condições, o que força o pecuarista a vender - mesmo sendo safra -, temos maior oferta de bois magros como consequência da retenção de fêmeas em anos anteriores e temos o descarte de fêmeas que repetiram o cio após a estação de monta. Certo. Expliquem pra mim por que temos uma oferta maior de animais e um ágio menor para o boi casado castrado no atacado?
A lógica do mercado nos diz que quanto maior a oferta, menos o pessoal precisa correr atrás do boi, então deveria ter maior poder de escolha, fazendo o spread se abrir. Mas no atacado, não é isso o que acontece.
Ocorre que hoje a oferta de castrados é ínfima em alguns estados, ou seja, se apertar, o pecuarista espana e a oferta some. Em outras palavras, a oferta de inteiros é muito maior que a de castrados e como a oferta geral de animais também cresceu, consegue-se penalizar o inteiro, mas não a ponto de fazer o spread no atacado chegar aos níveis do que vimos no mesmo período do ano passado.
No Centro-Oeste, ainda tem mais gente que castra devido ao sistema de produção (exceto GO, devido à alta concentração de confinamentos), mas em outras praças fica difícil exigir demais, mesmo com uma oferta maior.
Se sobrasse capão, o spread estaria mais aberto, pois o mercado comprador prefere essa categoria, mas como não sobra, quem aperta demais fica sem comprar carne, basicamente.
A questão é: o mercado sempre fala mais alto. A carne de animais castrados é melhor? Sim, estudos comprovam isso.
O mercado quer um boi precoce, bem acabado, com bom marmoreio e castrado, mas não consegue recompensar o esforço que isso requer, salvo alguns programas específicos, mas que são raros. E nós, do setor produtivo, queremos apresentar ao mercado um produto de qualidade, desde que sejamos remunerados por isso. Ou alguém aqui trabalha mais por menos?
Não me entendam mal, não estou reclamando da bonificação nem dizendo que a qualidade não vale a pena, não sou disso. E também não estou falando só do frigorífico, estou falando também do consumidor. Não estou falando de você, que conhece os sistemas de rastreabilidade, que sabe entrar na internet e digitar o código pra saber de onde veio a carne que come, que só compra cortes de primeira e não tá nem aí pro preço do frango. Estou falando da grande massa consumidora, aquela dona de casa classe C, que tem comido cada vez mais carne vermelha por causa do poder de compra melhor, mas que ainda compara bovino e frango e que durante a semana come a carne branca. Esse pessoal não está disposto a pagar o preço que o castrado cobra. E é por isso que não há bonificação. Pois o repasse não é garantido e a grande maioria não quer se arriscar a pagar mais e receber menos, incluindo o pecuarista, obviamente.
Isso é mercado!
Por exemplo, um boi jovem confinado e castrado perde até 15% de eficiência em comparação ao inteiro. Isso dá mais ou menos duas arrobas de diferença no peso final. A castração nesses casos só se justifica em animais mais erados.
E a bonificação, cadê? Alguém compensa o produtor por essa eficiência menor? O mesmo pasto, o mesmo alimento, os mesmos cuidados para produzir uma quantidade de carne menor (apesar do rendimento maior da carcaça). Sim, temos sodomia, custos maiores de depreciação com instalações (cercas e currais, por exemplo). Mas mesmo assim, não chega a 15%. Duas arrobas significam muita coisa no resultado final, gente.
E não há bonificação. Por quê? Porque a grande massa do mercado consumidor não está preparada para isso. Ela quer o boi commodity. Ela coloca na mesma prateleira do supermercado o seu novilho precoce e a vaca velha do vizinho. E se o mercado não está preparado para pagar o custo adicional embutido na castração, certamente continuaremos a observar esse dilema nos próximos anos, enquanto a evolução do mercado consumidor vem devagar.
Na verdade, o mercado está em processo de... ele está se preparando para isso conforme a renda melhora! Algumas mudanças definitivamente já se fazem sentir. O mercado de carne de qualidade está crescendo muito, mas nas classes que realmente fazem a diferença na questão “volume de produto consumido”, o fator que fala mais alto ainda é o preço.
A prova disso é a competição com o frango.
Acho que esse assunto vai dar muito pano pra manga, mas vale a pena discutirmos, principalmente enquanto não conseguirmos compensar com o uso de hormônios e a intensificação do final da engorda nos custar mais.
Mas o fato é que enquanto essa perda de eficiência não compensar, a discussão ainda vai longe e a penalização continuará em tempos de oferta maior, infelizmente. Há quem castre estrategicamente para essa época do ano. Mas o fato é que hoje, o que permite penalizar é a oferta maior de animais, e não a oferta maior de castrados, diga-se de passagem.
Agora vamos comentar um pouquinho o mercado na última semana.
Ele realmente encontrou o piso, como tínhamos comentado. A oferta sumiu um pouco. Pode ser efeito do final do descarte de fêmeas, um pouco de resistência por parte dos pecuaristas após a queda forte e longa que tivemos nos dois últimos meses e também podemos estar próximos do início de março e do fim da Quaresma.
A questão é que em praticamente todas as praças, as escalas encurtaram na comparação semana-a-semana, como pode ser visto no gráfico 2.
Isso ajudou o mercado a encontrar aquele piso que estávamos procurando na semana passada, lembram-se? Deu até um certo alívio.
Se a história nos ensinou algo, a semana que vem poderá esboçar alguma movimentação por parte do varejo, que deverá se preparar para o recebimento dos salários em março e para o fim da Quaresma. E se a oferta se mantiver assim, um pouco menor, com demanda um pouco melhor podemos esperar algum tipo de melhora ou pelo menos um pouco mais de firmeza. Vamos torcer para que seja assim.
E pra terminar, alguém tem acompanhado os custos de produção? Tenho hoje um convidado especial para comentar o mercado da soja, meu grande amigo Pedro H Dejneka, da PHDerivativos, parceiro da AgriFatto, e que mora lá em Chicago, nos Estados Unidos. Perguntei a ele ontem sobre esse respiro no mercado da soja e ele me disse o seguinte:
“O que ocorre no momento nada mais é que uma manifestação de um mercado eficaz e saudável - é a simples e pura realização de lucros daqueles que ganharam muito com a alta, praticamente em linha reta, desde meados de janeiro com os preços dos grãos, principalmente da soja. A soja subiu consecutivamente desde o fim do feriado de MLK aqui nos EUA, em 16 de janeiro. De 17 de
janeiro até o final da última semana, a soja fechou toda e cada semana com apreciação sobre as cotações.
A ‘faísca’ que nos trouxe essas altas (perdas na safra sul-americana, aumento da demanda Chinesa por soja dos EUA) já foram precificados no mercado e agora o foco muda para as expectativas de um grande início de plantio aqui nos EUA, com o clima ajudando bastante.
Outro fator muito curioso e importante é: na sexta feira passada, dia 16, a posição comprada dos fundos de investimento atingiu níveis praticamente iguais aos maiores níveis já registrados. Ou seja, a participação dos fundos está intensa e muitos se posicionaram na compra, participando com um volume de contratos equivalente ao que compraram ano passado, quando a soja chegou acima de US$ 14,50/bushel aqui em Chicago.
Isso trouxe maior cautela ao mercado e, com o fechamento nos últimos dias relativamente negativo, surge um incentivo maior aos participantes do mercado a retirarem seus lucros e aguardarem uma maior definição da nova tendência de curto prazo.
Movimentos como este de hoje são extremamente normais e saudáveis e não mudam a tendência de alta para o médio/longo-prazo no caso da soja. Muita coisa terá de acontecer para que esta tendência que hoje é, no mínimo, neutra e de alta venha a ser alterada.”
Esse cara é show. Valeu, Pedrão!
Por enquanto é isso, pessoal. Vamos nos falando. Abraços a todos e até a próxima semana!
Fonte: Lygia Pimentel
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