quinta-feira, 3 de maio de 2012

Mercado pecuário, uma visita ao básico



Rogério Goulart, administrador de empresas, pecuarista e editor da Carta Pecuária
cartapecuaria@gmail.com
Reprodução permitida desde que citada a fonte

Vamos fazer uma pausa no feriado, caro leitor. Para o benefício dos leitores novos, para refrescar a memória dos leitores antigos, vamos voltar para a sala de aula? Vamos falar do tipo de informação que utilizamos e das ferramentas que dispomos para estudar o mercado pecuário. A última vez que rolou um texto desses foi em 2009.

É tempo de uma visita ao básico. É sempre bom visitar velhos amigos.

Veja você, no dia-a-dia a gente acaba pinçando um gráfico aqui, uma ideia acolá, uma análise mais adiante. No final, entretanto, a coisa gira... todas as análises desembocam de uma forma ou de outra ao redor do preço da arroba do boi. É o preço mais importante da pecuária, a meu ver. Em segundo lugar é o preço do bezerro, mas deixe isso daí anotado para daqui a pouco.

Preço de arroba de boi temos todo dia e em todo lugar, na internet, nos jornais e, recentemente, no twitter. De todos os valores divulgados, na Carta Pecuária levo em consideração apenas um — o Indicador Esalq BVMF da arroba à vista, livre de imposto, do boi do Estado de São Paulo. É o famoso indicador da bolsa.

Outro importante, mas daí é trabalho do leitor, é o preço da arroba na sua região, ou seja, o seu preço, caro leitor. No meu caso, é o preço do Mato Grosso do Sul e do Tocantins. (Nota: para evitar conflito de interesse gostaria de avisar ao leitor que estou membro da Câmara Consultiva do Boi Gordo da BVMF/Bovespa.)

Então, o preço geral da arroba, o que a gente usa para definir as tendências, o humor do mercado e para onde a pecuária vai é a arroba da bolsa, o indicador da bolsa. A gente usa ele como instrumento de navegação, como bússola no sentido que ele nos diz se é hora de vender ou comprar ou esperar.

As negociações são feitas, obviamente, não exatamente no preço da bolsa, mas nos preços locais onde cada um de nós negociamos gado. Esse preço pode ou não coincidir com a bolsa em função de alguma negociação específica do pecuarista com o frigorífico – mas na maioria das vezes não é igual e em boa parte do tempo os preços fora de SP estão abaixo.

Os preços não são iguais por causa do desconto que existe no preço da arroba paulista pra os outros estados.

Esse desconto existe, de forma simples e básica, por causa da valor do frete de caminhão boiadeiro da outra praça até São Paulo e do ICMS a ser recolhido na fronteira entre os estados. Então, na prática, o que um frigorífico tenta é comprar em Minas Gerais o animal a vai, por exemplo, 85 reais, e esse boi chegar em São Paulo e ser abatido por 90 reais.

Muitas vezes, 90 reais é, de fato, a arroba que está sendo paga lá em São Paulo. O diferencial de base, que é o nome técnico desse desconto, é na realidade uma forma de todos os preços virarem preços paulistas.

Aonde pegar a informação do indicador Esalq/BVMF? Bom, hoje em dia ele é divulgado em praticamente todos os sites da internet, porém, se você é como eu irá querer pegar esses dados diretamente da fonte. No caso, a fonte é o site da própria bolsa. Digite no Google: bvmfbovespa indicadores agropecuários.

O outro site naturalmente é o do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – o famoso Cepea, departamento da Esalq/USP de Piracicaba. É lá que são feitas as contas diárias e as pesquisas para a elaboração do incide do boi gordo. Google: cepea boi
Gordo.

No site da Carta Pecuária também tenho o último ano dessa base de informação, já devidamente anotado com os dados técnicos que mais utilizamos.

Então, vamos falar de ferramentas técnicas. Na realidade essas ferramentas são continhas que a gente faz sobre o indicador, caro leitor. Normalmente usamos contas mais simples, como as médias. Por exemplo, tiramos a média dos últimos 5 dias, dos últimos 42 e 252 dias. Para quê isso?

Bom, a média de 5 dias é a oficial da bolsa para o acerto financeiro no final de cada mês para quem negociou na bolsa no contrato daquele mês. Sendo assim, o contrato de abril, por exemplo, que acabará dia 30 agora terá seu acerto financeiro pela média dos últimos 5 preços do indicador. As médias de 42 e 252 dias são, respectivamente, a média dos preços nos últimos dois meses e do ano, respectivamente.

Daí você joga isso no gráfico. Ah, sim, gráficos... falei de preços e não falei de gráficos. Bom, no boi, como em qualquer outro mercado, acho mais fácil trabalhar as coisas olhando para gráficos.

É essa a razão que uso tantos nos textos – quero mostrar aos leitores e lhes dar a oportunidade de ver com seus próprios olhos o que estou falando.

Tenho um certo incômodo de ler relatórios que só falam as coisas sem tomar a prudência de provar ou embasar com dados seus comentários, daí tento não fazer a mesma coisa.

Particularmente, as médias são para sentir o humor de mercado, uma forma de comparar o que vejo nos gráficos com o que escuto por aí. Acho muito útil dessa forma.

Observe o gráfico a seguir. Quando a arroba está acima das médias, enxergo otimismo. arroba entre elas, mercado sem tendência.



Arroba abaixo das médias é um sinal de pessimismo do mercado. Funciona que é uma beleza esse tipo de informação. Atualmente, como você pode reparar que os preços estão abaixo das médias, e estão assim praticamente desde o final do ano passado. Alguém reparou no pessimismo no ar ultimamente? Não só isso que nos informa, é claro. Alguém reparou no pessimismo com que o boi está sendo cotado na bolsa nesses últimos meses?

Daí olhamos para o bezerro. O bezerro também tem seu indicador, elaborado puxando os negócios da categoria em Mato Grosso do Sul. Porque uso o bezerro? Bom, se o boi é a saída da pecuária, o bezerro é a entrada. Suas respectivas arrobas representam o presente (boi gordo) e o futuro (bezerro) dos preços. Como gosto de dizer: “O teto do boi é o bezerro.”

A razão disso é o custo de produção — o animal, não necessariamente o bezerro, mas o animal representa entre 50% a 80% dos custos totais de um boi gordo. Em seguida, olhamos para a inflação. Aqui na Carta Pecuária a inflação é utilizada como uma forma de atualizar os preços da arroba do boi e com isso traçarmos o ciclo pecuário. Duas coisas que a gente precisa saber de um ciclo pecuário. A primeira é que todos eles tem um início, meio e fim. Ao invés de falar início, meio e fim, a gente costuma usar alta, equilíbrio e baixa, que tem mais a ver com os preços, mas é só questão de nome, não muda nada.

A segunda é que os ciclos demoram. O último ciclo brasileiro durou dez anos, entre 1996 até 2006. Foram, grosso modo, três anos de alta, cinco de equilíbrio e dois de baixa até se iniciar o ciclo pecuário atual. No ciclo atual, tivemos dois anos de alta (07~08) e quatro de equilíbrio (09~12).

Estão muito parecidos os dois ciclos? Até agora, sim. Foram dois anos de alta no primeiro, dois anos agora. Foram cinco anos de equilíbrio no primeiro, quatro agora. Teremos cinco agora? Talvez sim, talvez não. Vamos esperar para ver. De qualquer forma se você me pressionar tenho a impressão que 2012 não será um ano ruim. Como não está sendo.

Se você me falar que acredita que o ciclo vai virar o ano que vem, daí sou parceiro. Agora, em 2012? Não tenho tanta certeza. Mas, caro leitor, deixe isso pra lá. Isso é picuinha, detalhismos, e não gosto de ficar pegando nessas coisinhas, nessas vírgulas.

Além de calcular o ciclo pecuário, uso a inflação como correção monetária da engorda. Ou seja, desconto a inflação da margem da engorda para achar a taxa real do negócio. Quando a gente joga a inflação e vê o estrago que ela faz nos números e, junto a isso, vê o impacto negativo de uma queda prolongada do boi gordo e a alta dos custos de produção você entende que o buraco é mais embaixo.

Por fim, mas não menos importante, o mercado futuro. Você deve ter reparado que não faço conta sobre o mercado futuro. Faço conta sobre o mercado físico. Somente depois comparo o que espero do físico com o futuro.

Hoje, por exemplo, considero os contratos futuros de entressafra mal precificados, mas isso não é o tema de hoje. Então é isso, caro leitor. São essas coisas simples, analisadas toda semana. São as mesmas informações que coloco abaixo na parte “Movimentação do Mercado”.

No dia-a-dia vamos lançando mão de outras ferramentas técnicas. Daí vamos explicando os resultados e tentando entender esse mercado. Na semana que vem continuaremos esse bate papo com o texto normal.

MOVIMENTAÇÃO DO MERCADO: Boi -- Indicador ESALQ/BVMF do boi, que mede a variação dos preços da arroba no Estado de São Paulo, fechou a semana com –0,11 a R$ 94,02 à vista. Cotações em R$ por arroba.

A média móvel de 5 dias fechou em R$ 94,67. O contrato de abril/12 fechou com +0,04 a R$ 94,81. O contrato de abril está +0,14 centavos acima do preço médio de liquidação do contrato.

O contrato que vence em maio/12 fechou com +0,14 a R$ 95,19; junho/12 –0,24 a R$ 96,17; julho/12 +0,68 a R$ 98,50.

Todos os vencimentos estão cotados à vista com o fechamento da sexta-feira e com a indicação semanal da variação de preços.

Bezerro -- Indicador ESALQ/BVMF de bezerro, que mede a variação dos preços no Estado do Mato Grosso do Sul, fechou a semana com –0,75 cotado a R$ 735,75 à vista. Cotações em R$ por bezerro.

A arroba do bezerro caiu um real e vale ao redor de R$ 109,00.

Todos os vencimentos estão cotados com o fechamento da sexta-feira e com a indicação da variação semanal.

Taxa de Reposição 1 -- Um boi gordo compra hoje 2,11 bezerros, sem mudanças na semana.

Dólar -- Dólar comercial fechou com +0,69% a R$ 1,886. Dólar futuro com vencimento no início de maio fechou com +0,57% a R$ 1,885; junho fechou com +0,60% a R$ 1,897.

Juros -- A taxa de juros do governo (SELIC) está hoje em 9,00% ao ano.

Inflação – IGP-M de abril +0,85%. Acumulado no ano2 +1,47%. Acumulado nos últimos 12 meses3 (maio-11 a abril-12) +3,60%.

Assim como os contratos de boi e bezerro se encerram pelo preço dos seus respectivos indicadores, o dólar se encerra pelo preço do dólar do Banco Central nas datas acima indicadas.

Frigoríficos 4 -- A arroba nos frigoríficos foi cotada hoje em São Paulo ao redor de R$ 95,00; no Mato Grosso do Sul, Dourados a R$ 87,50 (Base –8,3%) e em Campo Grande ao redor de R$ 88,00 (Base –8,3%).

A arroba em Goiânia foi cotada ao redor de R$ 86,00 (Base –10,9%). Em Cuiabá está em R$ 85,00 (Base –11,5%).

No sul do Tocantins a arroba foi cotada em R$ 87,00 (Base –10,4%). No Triângulo Mineiro ao redor de R$ 88,50 (Base –7,8%).

1 Considerando os valores nominais dos indicadores da ESALQ/BVMF.
2 e 3 Somatória com Juros Simples.
4 Fonte completa dos preços da arroba nos frigoríficos à vista e livre do Funrural: Informativo Boi na Linha, da Scot Consultoria.

CONCLUSÃO: A semana se encerra com uma pequena queda na arroba do boi gordo na medida que chegamos novamente a encostar nos piores preços do ano. O bezerro fechou em leve queda devolvendo a expressiva alta ocorrida semana passada. Os dois mercados estão antagônicos no curto prazo. O boi cai, o bezerro sobe.

Abraços,

Rogério Goulart

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