Fonte: Daniel Cóssio/Assessoria de Comunicação da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio
Os exemplos de identificação individual de bovinos e rastreabilidade mostrados pelo Uruguai e Santa Catarina em workshop sexta-feira (09) não deixaram dúvidas: o Rio Grande do Sul está no caminho certo. As palavras são do produtor e presidente do Sindicato Rural de Dom Pedrito, José Weber, um dos parceiros do evento promovido pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio (Seapa).
Embora atrasado em relação ao país e ao estado vizinhos, o Rio Grande do Sul, segundo ele, dá o primeiro passo na melhoria da gestão da propriedade, na qualidade do produto ofertado no mercado e no aumento da exportação.
“O cronograma (do projeto de identificação) apresentado pela Secretaria da Agricultura é factível, totalmente viável. Quem ganha somos nós, produtores, o Estado e a população, que vai consumir carne de qualidade e certificada”, resume ele, que há anos trabalha com rastreabilidade em lote. Viável, pontua, porque o governo catarinense fez o mesmo processo, apenas de forma rápida, em cinco meses. “O que não será o caso do Estado, que, pelo tamanho do rebanho, dará mais tempo”.
Ainda há críticas pontuais sobre o programa. Weber, no entanto, faz questão de explicá-las: “A resistência de alguns produtores está no impacto que toda grande mudança gera. Daqui a pouco eles se acostumam com a ideia e aderem”.
A população de bovídeos gaúcha é praticamente a mesma de todo o Uruguai: 13 milhões. O sucesso uruguaio, no entanto, ultrapassa a questão econômica. O abigeato, um dos problemas do campo gaúcho, foi praticamente reduzido à metade por lá.
Uma das principais dúvidas levantadas pelos produtores do RS advém da forma do custeio do programa e da obrigatoriedade de adesão. No momento em que se tornar lei – está na Assembleia Legislativa para ser apreciada pelos deputados – ele terão, aos poucos, de se adequar. A proposta apresentada pela Secretaria da Agricultura prevê a concessão dos brincos e chips gratuitamente e a obrigatoriedade de adesão.
Livre da aftosa, Santa Catarina quer aumentar produção
O estado catarinense implantou o sistema em 2008. Um ano antes, em 2007, obteve de organismo internacional status de zona livre de aftosa. O rebanho é estimado em quatro milhões de cabeças de gado identificadas em cinco meses de intenso trabalho. O governo distribui os brincos gratuitamente aos produtores, em sua grande maioria de pequenos e médios. Por ano, produzem 116 mil toneladas de carne.
O mercado catarinense consome 185 mil toneladas. Para suprir a demanda, precisam comprar mais 65 mil toneladas. “Estamos nos preparando e conversando com a cadeia produtiva para podermos produzir mais. Não só para o nosso mercado como para, num futuro próximo, começar a exportar”, diz Leonora Machado, médica-veterinária e gerente da Defesa Sanitária de SC.
O sistema deles é vinculado ao Sisbov, do Ministério da Agricultura. Assim como o Rio Grande do Sul planeja até o final do ano, eles trabalham com processo digital de retirada de Guia de Trânsito Animal (GTA). “O produtor, em casa, pode acessar seus cadastro, fazer o controle de seus animais e tirar a guia”, explica.
Segundo ela, garantem-se o controle sanitário e a valorização do rebanho. Mesmo que a maior produção ainda seja de suínos, o Estado está se organizando para ampliar a de bovinos.
Enquanto o Uruguai exporta para mais de 80 lugares no mundo, o status sanitário do país vizinho ainda “livre de aftosa com vacinação”. Há alguns anos, enfrentaram casos da doença e tiveram de vacinar novamente o rebanho. É o primeiro país do mundo em consumo de carne. Santa Catarina, entretanto, ainda não exporta, mas é zona livre de aftosa sem vacinação. Os dois, no entanto, fazem o registro dos animais do nascimento ao abate.
Uruguai controla cadeia produtiva até a gôndola
No Uruguai, o controle estende-se aos frigoríficos. A cadeia é organizada como um todo. Encarado com política de estado, o sistema recebe atenção especial do governo. Maria Gonzáles, do Ministério de Ganaderia, Agricultura e Pesca do Uruguai, é otimista quanto a iniciativa gaúcha, a partir da experiência de seu país. A parceria público-privada é um dos pontos que dão sustentação à medida uruguaia.
“O funcionamento, 24h por dia, durante os 365 dias do ano, permite um maior controle, eficiência e qualidade do sistema”, avalia. Um exemplo são os números: a exportação chega a 75% do produzido, representando 25% da economia. “Há 40 anos começamos um processo gradual de organização do rebanho. O nosso histórico nos possibilitou hoje a ter um status reconhecido no mundo todo. Os mercados externos são muito exigentes, principalmente o Japão, com quem estamos em tratativas para exportação”, afirma.
Entre 2012 e 2013, 1,6 bilhão de dólares em carne foi vendido para fora do país. Os animais, tal qual em Santa Catarina, recebem um brinco e um bóton eletrônico. Cada um contém informações completas do animal, que podem se acessadas pelo produtor via web. Dois mil operadores entre públicos e privados capacitam os produtores para aplicar os brincos. Por ano, registram-se 400 mil transações eletrônicas.
Dos 39 frigoríficos, 20 deles são aptos a exportar. “Nosso objetivo é agregar valor. E estamos conseguindo”, afirma Gonzáles. “O uso da tecnologia de identificação nos permitiu ter um produto natural, saúde animal e confiança dos mercados”, acrescenta. Desde 2006, tornou-se obrigatória a identificação dos terneiros até seis meses e antes da primeira comercialização. Em 2001, também passou a ser lei o registro de todos os adultos nascidos até esse ano. Hoje, 50 mil produtores identificam e registram pelo menos três milhões de terneiros por ano.
No formulário eletrônico constam sexo, raça, data de nascimento, proprietário do animal e lugar físico de nascimento. O consumidor, no final, tem acesso a todo histórico do animal em uma base de dados que conta atualmente com universo de 80 milhões de informações.
Antes de fazer qualquer transação, o produtor deve solicitar permissão prévia. A polícia sanitária tem acesso às permissões, fornecendo-lhes controle total sobre o que é movimentado. O sistema é tão completo que permite saber, por meio de gráfico atualizado, quantos animais entraram por dia nos frigoríficos e em cada caminhão em particular. Em mapa, o governo, também em tempo real, sabe a quantidade exata de animais em processo de engorda.
Rastreabilidade e as exigências do mercado mundial
Discutida na Câmara Setorial da Carne há pelo menos dois anos, a rastreabilidade trata-se da capacidade de investigar o histórico, aplicação ou a localização de um animal ou produto por meio do registro de informações. Na indústria de alimentos, permite rapidamente o resgate das informações do produto e do seu processo de produção. Do campo à mesa do consumidor, garante a segurança alimentar da população.
Dentre os aspectos essenciais estão a identificação numérica dos animais, o registro deles e o vínculo desses dados com sistema que estabeleça conexão de fluxo contínuo das informações. No RS, existem cerca de 13 milhões de bovinos e bubalinos. Pela proposta gaúcha, a tecnologia utilizada será a de RFID - conjunto de identificação compreendido por brinco e botton (com chip).
O gerenciamento, totalmente informatizado, será inserido no Sistema de Defesa Agropecuária (SDA), já em operação no Estado. Digital, deve ser aplicado de forma gradual, com a identificação compulsória da população de bovídeos nascidos no ano, com a meta de alcançar a totalidade do rebanho - em torno de 14 milhões de cabeças - em seis anos. O Estado, visando padronizar e facilitar o acesso aos identificadores individuais, fornecerá o produto conforme a demanda.
Todos os comandos inerentes ao processo de identificação ocorrerão a partir da base de dados (SDA): o pedido de brincos, que automaticamente gera numeração para o agronegócio e pela interface com a fábrica, desencadeia a gravação dos dados. Também fazem parte o registro de nascimentos, mediante a aplicação física do conjunto de identificação, a comunicação das movimentações e a baixa dos animais por abate ou morte.
Tendência global
A rastreabilidade de produtos agropecuários é uma tendência global, em especial a de produtos de origem animal. É considerada ferramenta de fiscalização e de certificação dentro do sistema produtivo. A Organização Internacional de Saúde Animal (OIE) recomenda diretrizes específicas no Código Sanitário de Animais Terrestres. Em uma perspectiva maior, a Organização Mundial do Comércio (OMC) colocou em vigência o Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS Agreement), destinado a regular o trânsito de produtos agropecuários entre países membros.
O SPS define os princípios de harmonização de medidas e equivalência entre áreas. Permite que os membros exijam de seus parceiros comerciais medidas sanitárias idênticas ou equivalentes às implantadas em seu território. Caso não haja equivalência, podem ser levantadas barreiras não tarifárias, impedindo o livre trânsito de mercadorias. Em alguns casos, medidas como essa aumentam preços ou mesmo inviabilizam a manutenção de cadeias produtivas em determinadas áreas.
A União Européia recomenda a utilização da rastreabilidade. A região consome boa parte dos produtos de origem animal do Brasil. Parte dos países-membros está adotando de forma compulsória. Reino Unido e a Austrália – esta concorrente direta do Brasil na venda de carne - possuem modelos de rastreabilidade já consolidados.
No Mercosul, cujas economias possuem grande expressão com produtos de origem animal, existe experiências de rastreabilidade compulsórias e não compulsórias. O Brasil, segundo maior exportador mundial de carne, implantou, através da Instrução Normativa MAPA 17/2006, o Serviço Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (SISBOV), de caráter optativo e voltado para produtores direcionados a mercados externos.
A adesão ao SISBOV, portanto, limita-se ao interesse ou não de acessar o mercado exportador – com pouco impacto no produto para mercado interno. Apenas Santa Catarina optou pela identificação animal compulsória, como um dos pilares da manutenção do status internacional de “livre de febre aftosa sem vacinação”.
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