quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A carne brasileira está cara "demais" no mercado internacional?

O preço do boi gordo brasileiro ultrapassou os US$60/@, três vezes o que era considerado o preço histórico brasileiro, pelo menos até 2005. Exportadores e traders estão preocupados com o alto preço do produto brasileiro e com a perda de competitividade da carne brasileira no exterior. Será que isso deve ser uma preocupação do produtor, dos frigoríficos e da cadeia produtiva como um todo?

A demanda mundial está em alta. E não é só de carne bovina. A recuperação da crise de 2008-09 está sendo diferente. Primeiro os países emergentes, em desenvolvimento, se recuperaram. Os países ricos, como EUA, Japão e os da Europa seguem com dificuldades. Mas os emergentes são cada vez mais importantes. Segundo a revista The Economist, representavam 1/3 da economia mundial há 10 anos e vão representar 60% daqui 10 anos. Nesses países, a economia cresce, a população cresce. Mais do que isso, cresce a renda per capita e também a urbanização. Tudo isso leva a maior consumo de alimentos e de alimentos especiais como a carne bovina. O mundo quer carne.

Por outro lado, o mundo tem dificuldades em aumentar a produção de carne bovina. Seca na Austrália, alto preço do milho nos EUA (usada para produção etanol), auto-embargo na Argentina, queda da produção na Europa, tudo isso indica uma produção estável, com recuperação lenta.

No mundo inteiro produzir gado de corte é caro, díficil e demorado. E está provado que recuperar rebanho, reter matrizes, é demorado e difícil. A Argentina é um bom exemplo atual da dificuldade que é reconstruir um rebanho.

O cenário atual é comprador, não vendedor. Até por isso, a tendência é de aumento maior do consumo de carne suína e de aves, frente a bovina. No Brasil, ciclo de produção (abate de matrizes até 2007), indicação de preços pouco promissores ao confinamento no primeiro semestre e seca severa esse ano reduzem também a oferta de gado para abate.

Nesse cenário de mercado aquecido, com demanda sendo puxada por crescimento da população e renda dos países emergentes, e dificuldade dos países produtores em crescer a oferta no curto e médio prazo, a tendência é de preços altos.

A estratégia do boi barato não funciona mais. No passado, os frigoríficos tinham como principal estratégia a grande oferta de gado barato para abate. Até 2005, o preço do boi brasileiro era aproximadamente 1/3 do norte-americano. Hoje, não há mais essa oferta de boi barato. Nossa avaliação é que o podemos esquecer preços históricos do boi a US$20/@. O boi barato de US$20/@ não vai voltar. Por vários motivos: mercado mais globalizado, maior percentual da produção é exportado, maior demanda mundial e dólar perdendo valor como moeda de referência.

É interessante analisar que o preço do boi vem subindo até mesmo quando cotado em ouro, conforme indicado pelo pecuarista e analista de mercado Rogério Goulart. Mais um sinal de que a demanda está crescendo mais rápido que a oferta.

Com isso, os frigoríficos precisam descobrir novas fontes de lucro, além do boi barato. Avaliando esse cenário, agregar valor ao produto brasileiro é uma das saídas estratégicas para as empresas. Reforçar a marca Brasil, como o Uruguai vem fazendo com muito sucesso, pode ser a base de sustentação para iniciativas de marcas e marketing de carnes especiais, certificadas e linhas de produtos diferenciados de frigoríficos.

Com isso, podemos imaginar três possíveis cenários, frente a colocação de que o preço da carne brasileira está muito alto no mercado mundial e está perdendo competividade no mundo.

1- O preço internacional vai subir, se aproximando do preço brasileiro. Se o mercado é comprador, a oferta está reduzida e o maior exportador de carne bovina do mundo (Brasil) está com alto preço da matéria-prima, a tendência é que o preço mundial suba.

2- O preço brasileiro cai, se ajustando ao preço internacional. Os consumidores, no mundo, não tem renda que suporte esses altos preços da carne bovina, e diminuem o consumo. Com isso, o preço da carne bovina brasileira no mercado mundial cai, pois não há demanda com os atuais preços.

3- Mercado interno aquecido. A terceira hipótese é que o preço brasileiro não é "aceito" pelos compradores e consumidores internacionais, que diminuem suas compras. No entanto, com a economia brasileira e consumo das famílias aquecidos, essa menor venda ao exterior é compensada pela maior demanda interna e também pela oferta atual mais enxuta. Dessa forma, mesmo com menores vendas ao exterior, o mercado do boi segue firme, sustentado pelo mercado interno pujante.

Acredito que o mais provável é uma combinação das hipóteses 1 e 3. O mercado interno está muito aquecido e a valorização do real torna o Brasil um dos melhores lugares do mundo para se vender qualquer produto. Diversos estrangeiros que recentemente vêm ao Brasil me relatam que São Paulo é provavelmente a cidade mais cara do mundo. Ou seja, o brasileiro está com maior poder de compra que o europeu, inglês, japonês e americano. Esse maior poder de compra é confirmado pelo último índice BigMac divulgado há duas semanas. Mesmo que os maiores preços causem um menor consumo mundial, isso não parece ser um grande problema, visto que a produção não está avançando.

No mercado internacional, países que não competiam com o Brasil, começam a fazê-lo. Os EUA estão vendendo mais carne à Europa. Os irlandeses também tem conseguido colocar seus produtos. Na feira SIAL, em Paris, de 17 a 21 de outubro, temos informações que cortes argentinos "rump and loins" começaram a ser vendidos por US$15.000/ton e terminaram a quase US$17.000. Em quatro dias o mercado reagiu quase 20%. No mesmo período, os preços brasileiros no mercado interno também reagiam.

O Brasil é o maior exportador de carne do mundo, uma menor oferta momentânea de carne no mercado internacional não será facilmente compensada por outros países, que também estão com oferta reduzida. Nesse momento de real valorizado e extrema escassez de gado para abate (escrevo esse artigo com o indicador cotado a R$110,68/@ a vista), o Brasil pode não vender hoje, mas vai continuar vendendo. O mercado vai se ajustar.

A questão não é se o Brasil vai perder competividade, mas quão rápido o mercado internacional vai aumentar seus preços e se adequar ao Brasil. Não imagino que o preço do boi vai se manter na casa dos R$110/@, mas também não deve cair dos R$90-95 tão cedo. As recentes altas do preço da carne no atacado, mais do que acompanhando os aumentos da arroba do boi, me fazem confiar de que o mercado vai se ajustar ao Brasil e não o contrário.

Cada vez fica mais claro que o principal formador de preço do boi é a demanda interna, e não o dólar ou as exportações. O problema é que é difícil medir a demanda por carne bovina.
E você, qual a avaliação do mercado atual de preços do boi gordo, da carne e das exportações, nesse final de 2010 e primeiro semestre de 2011?

FONTE: BEEFPOINT

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