terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

É coisa demais para digerir

Nos últimos seis anos, o Marfrig comprou 40 empresas, multiplicou por dez sua receita e se endividou. Agora, o grupo precisa convencer o mercado que sua estratégia – ser um misto entre JBS e Brasil Foods – vai dar certo

André Vieira
 O Marfrig lançou a linha Mega Hit, de hambúrgueres maiores do que o normal. “Fez tanto sucesso que a concorrência imitou”, diz José Bonassi, da coligada Seara    Divulgação
  shutterstock 
O empresário paulista Marcos Antonio Molina dosSantos se mostrou surpreso com um recente investimento de marketing feito pelo grupo que criou e preside, o Marfrig. “Fiquei sabendo ontem que a gente tinha contratado um cozinheiro. Mas não sabia quem era esse cara”, disse Molina, durante um almoço em meados de dezembro na sede do grupo em São Paulo. No dia anterior, quando seu time de executivos fez a apresentação a analistas e investidores dos resultados alcançados em 2011, a notícia do tal investimento veio a público. O “cozinheiro” era Jamie Oliver, festejado chef britânico que aparece em uma dezena de programas de TV a cabo. Fruto de um acordo com a empresa Moy Park, uma das inúmeras companhias adquiridas pelo Marfrig nos últimos anos, o jovem inglês estampa uma linha premium de pratos prontos a ser vendida exclusivamente na Europa. Interessado em saber de quem se tratava, Molina ficou admirado com o sucesso de sua mais recente “aquisição”.
Os investimentos do Marfrig aconteceram numa velocidade tão grande nos últimos anos que nem Molina parece ser capaz de assimilar. Há pouco mais de uma década, ele dirigia uma distribuidora de carne. Tornara-se, rapidamente, fornecedor de cortes nobres para as principais churrascarias do país. Em seguida, começou a comprar frigoríficos e indústrias de alimentos e não parou mais. Nesta época, já havia construído amizades importantes e uma agenda poderosíssima, da qual faziam e ainda fazem parte o ex-presidente Lula e gente graúda do sistema financeiro. Um IPO em 2007 rendeu quase R$ 900 milhões, e várias captações nos anos seguintes ajudaram a empresa a forrar o caixa, mantendo o ritmo alucinante de aquisições. Foram cerca de 40 nos últimos seis anos – da britânica Moy Park à americana Keystone (principal fornecedora do McDonald’s) passando pela Seara e mais recentemente por alguns ativos da Brasil Foods. O Marfrig possui hoje cerca de 150 unidades espalhadas por 22 países em cinco continentes. Desde 2006, a receita se multiplicou por dez. Analistas projetavam algo em torno de R$ 20 bilhões para o ano passado.
Mas todo esse crescimento teve custo. A despeito da ajuda do BNDES, sócio do Marfrig com quase 14% do controle, o endividamento líquido atingiu R$ 7,8 bilhões até setembro, tornando-o um dos grupos de capital aberto mais alavancados do país. O cenário piorou nos últimos tempos. A crise internacional derrubou a demanda por carne bovina e elevou o custo da matéria-prima. Em vez de colocar um pé no freio, a empresa acelerou nas aquisições e passou a enfrentar a desconfiança do mercado. O que muitos analistas julgam é que Molina deu um passo maior do que a perna para digerir essa quantidade de ativos, com o agravante de, até agora, não apresentar os resultados esperados. Sob pressão de investidores, o Marfrig tenta convencê-los de que sua estratégia está na direção correta. A ideia de Molina é transformar a empresa em um gigante dos alimentos, tão poderoso no mercado de carne bovina quanto a JBS e tão forte no processamento de aves e suínos como a Brasil Foods.
No pragmatismo do mundo dos negócios, contudo, o que se avalia é a situação atual da empresa e não os desejos de seu fundador. Prova disso é que as ações do Marfrig caíram mais de 40% em meados de agosto. Boa parte da queda pode ser explicada por um movimento feito pela empresa de investimentos GWI, administrada pelo coreano Mu Hak You. Depois do rebaixamento da nota do Marfrig, Hak You fechou uma dezena de fundos que detinham 5% das ações do Marfrig – o “derrame” de papéis no mercado comprometeu o valor da empresa na bolsa de valores. Quando o dólar voltou a valorizar frente ao real, afetando o endividamento em dólar, a empresa sofreu novo revés: o custo dos bônus da dívida do Marfrig subiu drasticamente.
As dúvidas sobre a saúde financeira da empresa atraíram a atenção de rivais, claro – afinal, não há momento melhor para dar o bote do que num período de suposta fragilidade de um concorrente. O primeiro a tentar uma aproximação com a empresa de Molina foi o frigorífico Minerva, numa operação que incluiria o grupo JBS, tido como o grande articulador do negócio junto ao governo. Minerva e JBS negam a história, mas a versão de quem acompanhou a movimentação é que a compra só não foi em frente porque Molina bateu o pé. A tentativa só fez elevar a desconfiança sobre o Marfrig.
O Globo; divulgação
“Vamos lançar o McBite, uma espécie de Nuggets em formato de pipoca nos EUA. Será um sucesso”, afirma Marcos Molina

 Beto Riginik
Molina, presidente do Marfrig: investidores criticam sua política de aquisições
Críticas empíricas
No fim de novembro, Molina encontrou aquela que talvez seja a maior pedra de seu sapato: a Empiricus, uma casa de análise dita independente que vem se mostrando impiedosa com o balanço do Marfrig. A casa tem publicado em seu blog cartas abertas à sociedade, denunciando problemas no balanço do Marfrig. “São inconsistências, que podem ser apenas por descuido, mas também podem ser por má-fé”, disse o analista Rodolfo Amstalden. O tom das cartas é duro – críticas à forma com que a empresa lança dados sobre estoques, adota o sistema internacional de contabilidade e reporta sua dívida. No dia 16 de dezembro, a Empiricus levou o material à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) com um pedido de investigação das denúncias. “No mercado brasileiro, não há o hábito de investigar. Os analistas costumam acariciar a empresa”, disse Amstalden. Como resposta, o Marfrig publicou dados contábeis adicionais e considerou respondidas as dúvidas “empíricas”. E entrou na Justiça contra a Empiricus.
Marcos Molina, de 41 anos, assegura estar tudo sob controle. Segundo ele, a dívida é considerada administrável – isso, é claro, se o cenário econômico externo não piorar. Mas o que impacienta alguns observadores é saber como o Marfrig irá digerir essa enorme quantidade de empresas, com culturas diferentes, numa organização única que não para de incorporar ativos. Em dezembro, o Marfrig aproveitou a oportunidade ao assumir algumas marcas, fábricas e unidades da Brasil Foods – a ordem partiu do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para aprovar a fusão da empresa resultante das marcas Perdigão e Sadia. Se fosse crescer de forma orgânica, o grupo teria de fazer investimentos gigantescos para expansão da capacidade industrial, ampliação da rede de distribuição e gastos com marketing para alcançar esse novo patamar. A operação foi um atalho. A ideia de uma troca de ativos partiu de um dos bancos envolvidos na negociação. Mas não houve forma de evitar desembolso de caixa, mesmo que pequeno para uma receita adicional de R$ 1,7 bilhão, a ser incorporada pelo Marfrig. O grupo se comprometeu a pagar R$ 200 milhões.
Diante da pressão da dívida, o Marfrig decidiu vender ativos que considera não essenciais com o objetivo de embolsar cerca de R$ 1 bilhão. Levantou R$ 700 milhões com a venda da área logística da americana Keystone para a Martin-Brower e outros R$ 150 milhões com os mesmos serviços no Brasil para a JSL Logística, empresa que irá cuidar de toda a distribuição de produtos Seara no Brasil. O acordo com a JSL foi fechado no fim do ano. Por último, ainda tenta vender um terminal portuário em Itajaí (SC).
Com a assunção dos ativos da Brasil Foods, o Marfrig
dobrou de tamanho no mercado interno. O objetivo é
ter sua marca Seara disputando com Sadia e Perdigão

O Marfrig promete alcançar metas operacionais mais elevadas. Com a troca de ativos, a empresa espera elevar de 37% para mais de 50% a participação dos itens industrializados em seu faturamento, reduzindo assim a dependência de produtos in natura. “Os processados garantem o dobro de margem das commodities”, disse Molina. No setor, há a crença de que quando o consumo anual per capita de aves ultrapassa 45 quilos há uma saturação dos consumidores pela carne in natura, o que obriga os produtores a processar o frango para gerar mais valor. Resultado disso é a fabricação de mais empanados, pratos prontos e frios. “Temos esperança de crescer neste segmento”, disse José Mayr Bonassi, diretor-geral da coligada Seara. As operações de aves e suínos, fruto da fusão de oito companhias, como DaGranja, Mabella e Pena Branca, estarão com o perfil mais parecido com o da Brasil Foods. “A prioridade é aproveitar o potencial de participação de mercado das marcas que estamos herdando e crescer nas categorias que a BR Foods terá de abandonar temporariamente por decisão do Cade”, afirmou Bonassi.
Para conquistar mercado, a estratégia do Marfrig é posicionar a marca Seara na categoria que pertencia à Perdigão, altamente estimada, porém menos prestigiada que a líder de mercado, a Sadia. O diretor-geral da Seara conta que um dos argumentos para cativar os donos de supermercados, padarias e restaurantes é a necessidade de manter um segundo fornecedor. “Antes da criação da Brasil Foods, o varejista batia na Sadia e acariciava a Perdigão. No mês seguinte, batia na Perdigão e acariciava a Sadia. Hoje, as duas marcas estão na mesma casa”, disse Bonassi. “Não quero que ele bata na gente, mas quero que a Seara seja a segunda opção.” A Seara deve se consolidar como a segunda do mercado, com cerca de 23% de participação. A BR Foods tem mais de 60%. Outra frente do Marfrig é o food service – área que fornece produtos para refeições fora de casa, como cadeias de fast-food. “Vamos oferecer o cardápio inteiro de proteínas, de boi, frango e suíno”, diz Rodrigo Vassimon, diretor-geral da divisão. Esta área, que reúne as operações de Marfrig e Seara, nasce com receita de R$ 1 bilhão e potencial para capturar um mercado de cerca de R$ 10 bilhões.
Outra aposta é na China, cujo consumo per capita de frango deve crescer 40% na próxima década. O grupo fechou duas parcerias com estatais chinesas – uma para a produção de frangos, outra para logística. Por meio delas, terá capacidade para abater 200 mil frangos por dia (uma granja de porte médio) e venderá para mais de 2,5 mil restaurantes.
Molina diz que a missão para este ano é consolidar todas as aquisições. “Depois disso, os próximos dois anos serão de crescimento orgânico.” Sem compras pela frente, o desejo do Marfrig é deixar a empresa em ordem antes de 2014, quando a marca Seara – patrocinadora oficial da Fifa – será exibida nos estádios da Copa do Mundo no Brasil. O empresário não revela quanto pagou pela exposição, mas garante que a cifra é inferior aos R$ 300 milhões anunciados pelo mercado. “Fechamos o contrato numa época boa, durante a crise de 2009. Se fosse hoje, a Fifa pediria o dobro”, afirma Molina, gargalhando, ao afastar qualquer possibilidade de se desfazer do patrocínio da Copa do Mundo para fazer caixa.  
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O problema não é só da Marfrig 
Quem acelerou via aquisição paga um preço alto
Marfrig, Hypermarcas e Suzano foram algumas das estrelas da lista das companhias abertas que mais saíram às compras nos últimos anos. Agora, fazem parte de um rol não tão especial: o das empresas mais endividadas. Em teoria, ter dívida não é algo completamente ruim. Ela pode ser sintoma de uma fase de crescimento da empresa. Acontece que algumas destas companhias mostraram dificuldades, sendo castigadas pelo mercado. Em comum, as empresas prometem uma reviravolta em 2012.
O frigorífico JBS talvez tenha sido o grupo que mais cresceu na última década. Mas parte desse ciclo de desenvolvimento veio do cofre-forte do BNDES, que se converteu no principal sócio da família Batista (o banco é dono de 31% da JBS). Resultado: sua dívida aumentou no mesmo ritmo de seu crescimento. Após uma série de aquisições, a Hypermarcas também sentiu o golpe. A empresa dividiu seu negócio em duas divisões – higiene pessoal e medicamentos – e avisou os investidores que 2011 seria uma fase de “transição” antes de colher os louros (virão mesmo?) – em 2012. Ainda assim, suas ações caíram mais de 60% até os últimos dias de 2011.
De 2004 a 2009, a Suzano comprou fábricas de papel. Agora, pensa em vendê-las. A empresa precisa de dinheiro para investir em celulose e a possibilidade de venda dos ativos é uma das alternativas em estudo. Ela estourou o limite de endividamento. Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano, culpa o dólar pelo descontrole das contas e renegocia com os credores as condições para rolagem da dívida da empresa, a primeira a perder o status de grau de investimento nos últimos dois anos.
As endividadas 
Depois da bonança, o ajuste (dados acumulados até o 3º trimestre de 2011)
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FONTE: WWW.EPOCANEGOCIOS.GLOBO.COM

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