terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A revisão da reforma agrária (Editorial)

O Globo
A reforma agrária é tema que se eterniza na agenda do país. Até faz sentido, pelo lado histórico, pois foi grande o contencioso agrário herdado pela República de um Brasil Colônia em que doações de extensas áreas de terras a protegidos do Rei lançaram as fundações do latifúndio.
Porém, o assunto só continua em pauta, com destaque, na segunda década do século XXI, mais por pressão de grupos políticos organizados do que decorrente de uma contingência da realidade.
Não é politicamente correto admitir que o avanço do capitalismo no campo brasileiro fez aquilo que muito discurso ideológico, à esquerda e à direita, prometeu e não cumpriu: gerou renda, empregos, redistribuiu terras e, na prática, acabou com o “latifúndio improdutivo”.
Mas esta é a realidade. A partir da década de 70, na conquista do Cerrado, ao iniciar o salto para se tornar uma potência no setor, o país empurrou a fronteira agrícola em direção ao Centro-Oeste, e tornou pouco importante a reforma agrária.
Prova disso é que o ativo abre-alas desta reforma, o MST, há algum tempo enfrenta dificuldades para reunir massas de manobra entre agricultores. Termina tendo de alistar “sem-terra” entre o lumpesinato em pequenas e médias cidades do interior.
Com razão, portanto, a presidente Dilma, no primeiro ano de governo, decidiu rever o programa de distribuição de terras, e só depois de muita pressão dos chamados “movimentos sociais” assinou os primeiros decretos de desapropriação.
O presidente do Incra, Celso Lacerda, confirma a revisão e faz uma pergunta básica: “O que adianta criar assentamentos e não dar estrutura, crédito, assistência técnica?”
Se a reforma agrária fosse movida pelas leis da lógica, com base na racionalidade, e não por combustíveis ideológicos, a pergunta seria desnecessária. Infelizmente, muito dinheiro público tem sido gasto apenas para efeito propagandístico e por pressão de aliados do governo. Fez bem o Palácio ao não perseguir apenas por perseguir a meta de 40 mil famílias assentadas em 2011.
O resultado de muitos assentamentos dá razão ao Planalto.
Há inúmeros casos de venda de lotes por quem os recebeu para explorá-los de forma produtiva — isso quando a terra não é simplesmente abandonada.
Dados oficiais mostram que, de 2001 a julho de 2011, das 790 mil famílias assentadas, 13% (103 mil) terminaram excluídas do programa. Com o detalhe de que 78% delas abandonaram ou venderam os lotes. Em Mato Grosso e no Rio Grande do Sul, 25% das famílias foram alijadas da reforma agrária.
A imprevidência levou, ainda, a que a reforma agrária seja forte agente de devastação na Amazônia. Mal localizados, sem apoio para o cultivo, assentados não têm alternativa a não ser derrubar a floresta para vender a madeira.
Caso se consiga dar suporte técnico, financeiro e de infraestrutura aos assentamentos existentes — o óbvio —, já será uma revolução. Se o foco for consertar os erros do passado, o governo entrará em rota de colisão com grupos de sua base política, interessados em manter o franco acesso ao Tesouro em nome da “reforma agrária”.
Deverá ser inevitável a reação do aparelho de militantes sem terra instalado no Ministério de Desenvolvimento Agrário e Incra. Mais um “fogo amigo” a ser enfrentado pela presidente.
FONTE: BLOG DO NOBLAT

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