Maurício Palma Nogueira, eng. agrônomo e diretor da Bigma Consultoriamauricio@bigma.com.br Reprodução permitida desde que citada a fonte |
A última década, período que se estendeu de 2001 até 2010, testemunhou um avanço significativo da pecuária de corte brasileira. Esse avanço se deu no campo, nos frigoríficos e na participação do Brasil no mercado internacional. No campo, o avanço tecnológico da pecuária veio ganhando força, agregando produtividade por área e melhoria nos índices zootécnicos. O avanço é mais lento que o registrado na agricultura por diversas razões, sendo que a principal delas é a dificuldade de organizar o fluxo de caixa numa propriedade pecuária. Em termos de investimentos, a pecuária demanda mais aporte de capital do que a agricultura para expandir tecnologicamente. A indústria frigorífica brasileira viveu um período de grande consolidação durante os primeiros anos do século XXI. Saiu de uma condição quase artesanal para se transformarem em grandes conglomerados multinacionais, adquirindo até plantas em outros países. Inclusive em nações que até bem pouco tempo atrás acreditava-se pouco provável que seria possível que uma indústria brasileira chegasse com força. É o caso dos Estados Unidos da América. Depois da expansão, até certo ponto desordenada da maior parte dos frigoríficos brasileiros, agora a luta é para enxugar custos e aprimorar a governança destas empresas. Durante o processo de crescimento tão rápido, os gestores dos frigoríficos não foram eficientes em prever e planejar meios de garantir a rentabilidade. O negócio, mais moderno e mais profissional sob diversos aspectos, continua sendo de alto risco, grande ineficiência operacional e margens baixíssimas. Produtores e indústrias brasileiras ainda tem muito que melhorar. O período também testemunhou a incrível expansão do Brasil no mercado internacional de carne bovina. De 2001 até 2007, o Brasil passou de 12% do mercado internacional para 26% do total comercializado no globo. Figura 1. Evolução das exportações brasileiras de carne bovina em mil toneladas de equivalentes carcaças nos últimos anos Fonte: Secex/MDIC/ Bigma Consultoria De 2008 em diante, as exportações recuaram como consequência de dois fatores principais. Primeiro, a virada do ciclo pecuário, com o final do período em que os pecuaristas vinham descartando vacas e aumentando a oferta de animais abatidos. O segundo fator é a própria conjuntura internacional do período subsequente à crise financeira global, cujo auge foi em 2008. Entre 2007 e 2011, o Brasil reduziu 35,4% o volume de carne exportada em toneladas de equivalentes-carcaça. Em 2011, finamente, a pecuária de corte nacional perdeu o primeiro lugar do ranking para os norte americanos, que exportaram 11,4% a mais que o Brasil, ao aumentarem as suas exportações em 20% quando comparado a 2010. Mesmo assim, é preciso lembrar que as exportações dos EUA tendem a não se sustentar no curto prazo. Os órgãos estatísticos do país anunciaram que o rebanho bovino norte americano é o menor dos últimos 60 anos. As estimativas iniciais apontam queda de produção de carne bovina na ordem de 4% durante 2012. Mas já há indícios de que a produção de carne bovina recue mais de 6% ao longo o ano. Por isso que dizemos que o volume de exportações de carne dos EUA, em 2011, foi fruto de um processo de liquidação de parte do rebanho. A tendência agora é perder espaço e, dependendo da economia, eles precisarão aumentar o volume de importação, além de reduzirem as exportações. É mais ou menos a mesma situação vivida pelos brasileiros ao longo dos movimentos do ciclo pecuário. Nos anos finais de baixa do ciclo pecuário, a quantidade de animais abatidos no Brasil também aumenta. Nesse caso, uma análise desatenta pode levar à conclusão de que estaria ocorrendo um aumento da produtividade e da competitividade do país, quando na verdade trata-se de um movimento de liquidação de parte do rebanho na tentativa de melhorar resultados. A figura 2 ilustra o volume de animais abatidos ao longo dos últimos anos, segundo estimativa da Bigma Consultoria, com base em dados do IBGE e diversos outros indicadores. Figura 2. Estimativa da evolução no número de animais abatidos em milhões de cabeças Fonte: Bigma Consultoria – base de dados e IBGE Há um aumento de produtividade e desfrute ao longo dos anos na pecuária brasileira. Mas, quando se analisa esse aumento, é preciso considerar os movimentos do estoque do rebanho, ora aumentando, ora diminuindo. Assim como em uma propriedade, o cálculo da produtividade da pecuária de um país é a soma do abate total, ou vendas, com a evolução do rebanho. Além do risco de superestimar os indicadores zootécnicos, corremos o risco também de subestimar os resultados nos anos subsequentes. É o caso das exportações. É fato que a pecuária brasileira caiu de 26% para 16% do mercado internacional. Mas é fato também que nos atuais indicadores zootécnicos, a bovinocultura de corte do Brasil não tinha condições de manter aquele volume de exportação e nem o volume de abate. Portanto, manter aqueles índices de abate não era sustentável com o nosso rebanho e indicadores atuais. É importante frisar que essa análise está amplamente relacionada aos indicadores zootécnicos. Com um rebanho próximo dos 210 milhões de cabeças, incluindo gado de corte e gado de leite, os brasileiros abatem por volta de 40 milhões de animais, um desfrute da ordem de 18% a 20%, dependendo do ano. Se atingíssemos o desfrute de 25% sobre o rebanho, poderíamos abater 50 a 54 milhões de cabeças ao ano, sem consumir o estoque. E ainda seria possível manter o crescimento do rebanho brasileiro. E veja que para a realidade das fazendas de ciclo completo, um desfrute de 25% é considerado baixo e ineficiente. No planejamento, geralmente se estabelece metas acima dos 32% para os pecuaristas. E da mesma maneira que não sustentávamos a nossa produção e as nossas exportações naquele período, os norte americanos tendem também a não sustentar nos próximos anos. O risco é que com um desfrute bem superior ao do Brasil, os pecuaristas dos Estados Unidos podem responder mais rápido, proporcionalmente ao rebanho. Por isso, qualquer estímulo compensatório, em questão de pouco mais de dois anos, os americanos voltariam a aumentar as exportações. Em termos de estratégias de cadeia produtiva, a pecuária brasileira pode ter uma janela de dois a quatro anos para consolidar uma posição bem mais confortável, e rentável, no mercado internacional. Tudo depende do tempo que os americanos levarão para recompor o rebanho. Há, inclusive, quem acredite que muitos pecuaristas de lá tenham desistido da atividade, o que reduziria a capacidade produtiva do país. E a tendência de curto prazo, para 2012, é que o mercado internacional continue aumentando a demanda por carne bovina. As perspectivas no início do ano eram de que as exportações brasileiras voltassem a crescer. Haverá oferta de animais machos para abate e o mercado continuará comprador. Tanto é que janeiro registrou um volume exportado 20% superior ao que foi vendido em janeiro de 2011. Há quem brinque que os brasileiros serão os “americanos da vez” em termos de aumento nas exportações anuais. Ameaças e oportunidades Consolidar posições num mercado crescente e demandante é fundamental. As estimativas mais aceitas apontam que a demanda internacional por carne bovina irá crescer o equivalente ao abate de cerca de 35 a 45 milhões de cabeças bovinas até 2020. É muito para fazer em pouco tempo, haja vista que o volume previsto para o aumento suplanta até o abate anual do próprio Brasil. Muitos acreditam que o Brasil seja o único país com capacidade de atender à maior parte desse aumento de demanda. Mas a realidade não é bem assim. Os brasileiros são os que estão em melhores condições para atendê-la, mas não são os únicos. No mercado internacional outros players se preparam e investem para ocupar espaços cada vez maiores no crescente mercado de carne bovina. Essa oportunidade internacional não é nenhuma “descoberta da roda”; todos os países em condições de produzir, e de ganhar com o crescimento do mercado, farão de tudo para crescer. A questão é: quem chega primeiro??? E a resposta é: aquele que tiver a melhor estratégia e a melhor condição de responder em termos de oferta. Condição o Brasil tem de sobra, mas nos falta estratégia integrada, principalmente nos frigoríficos e nas fazendas pecuárias. Os frigoríficos podem se organizar com mais facilidade, pois são em menor número. Já os pecuaristas estão pulverizados por todo o país em sistemas de produção os mais diversificados possíveis. Organizar uma resposta dentro das fazendas requer um esforço conjunto que envolveria a indústria de insumos e serviços, as políticas públicas e a indústria frigorífica. Nesse jogo de forças internacionais, a pecuária brasileira tem uma vantagem. Ela própria é conduzida num dos principais países dentre os que estão impulsionando o consumo mundial de alimentos. Por isso o próprio mercado interno é um gigante que pode ser melhor explorado. E, como acontece em outros países, os salários vêm aumentando acima da inflação enquanto a taxa de desemprego vem caindo. A Índia, outro player cada vez mais agressivo no mercado, perde parte desta vantagem por entraves religiosos, que não permitem o consumo de carne bovina por grande parcela da população. Esse fato tem dois lados. Um, positivo para o Brasil, é que o estímulo do mercado interno para a pecuária indiana é relativamente menor, apesar de que nem todos os indianos sejam hindus. No Hinduísmo, a vaca é um símbolo de saúde, força, abundância, generosidade, cheia de vida. A maioria dos hindus respeita a vaca como uma figura matriarcal, por fornecer leite e seus produtos a grande parte da pulação que segue dieta sem carne bovina. Pela natureza religiosa de parte da população indiana, por muito tempo o potencial da bovinocultura daquele país foi considerado de menor importância pelos brasileiros. Mas é aí que mora o lado negativo da religiosidade de parte da população do país. O sucesso, e o estímulo para a bovinocultura de corte na Índia, depende mais ainda do mercado externo. E eles vêm ganhando espaço. Segundo a FAO, as exportações de carne bovina da Índia aumentaram 168% entre 2001 e 2011. Saíram das 243 mil toneladas de equivalentes-carcaça para atingir as cerca de 800 mil toneladas de equivalente carcaça em 2011. O USDA indica as exportações indianas em mais de um milhão de toneladas de equivalentes-carcaça, mas acabam por incluir as exportações de carne bubalina nas estatísticas. A maior parte das fontes internacionais coloca a Índia ocupando o quarto lugar do ranking nas exportações bovinas, ficando atrás de Brasil, Austrália e Estados Unidos. A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) coloca a Índia na quinta colocação, ficando pouco atrás do Canadá. Em termos de concorrência, é preciso entender as condições de cada player, a capacidade de resposta em produção e qual o tipo de mercado que a pecuária daquele país pode atender. Analisando todos os pontos, é possível avaliar os riscos para cada um dos mercados potenciais ou já consolidados pelo Brasil. Assim as ações em direção às exportações serão mais efetivas e direcionadas. Observe, na tabela 1, o resumo dos maiores rebanhos do mundo, da produção de carne, quantidade de animais abatidos e taxa de desfrute em cada um destes países. Tabela 1. Rebanho, produção de carne, quantidade de animais abatidos e taxa desfrute dos principais países em quantidade de rebanho bovino em 2011. Fonte: Bigma Consultoria – base de dados/ IBGE/OCDE/USDA/FAPRI/FAO *TEC – Toneladas de equivalente carcaça Na figura 3 resumimos a coluna de desfrute médio destes rebanhos. Ou seja, a quantidade de animais que podem ser abatidos em relação ao rebanho. Figura 3. Taxa de desfrute dos maiores rebanhos globais Bigma Consultoria – base de dados IBGE/OCDE/USDA/FAPRI/FAO Estados Unidos, União Europeia, Austrália, China, Canadá, Rússia, Nova Zelândia e Egito trabalham com desfrute superior aos 25% sobre o rebanho, com uma eficiência zootécnica geral bem acima da média. Especialmente nos que estão acima dos 30%, as dificuldades tecnológicas para aumentar a produção são maiores quando comparadas aos demais. E assim é possível entender quais e onde serão as maiores ameaças ao Brasil. Veja o caso dos Estados Unidos, com eficiência quase plena sobre a genética disponível nos dias de hoje, e com o rebanho recuando. A grande questão que se coloca é se o mundo tem vacas para atender a demanda até 2020. As respostas são duas. Não teremos capacidade de atender a essa demanda, nos atuais índices zootécnicos. Mesmo que melhorem sensivelmente nos próximos anos. Porém, se os indicadores melhorarem, algumas regiões do globo poderão responder à demanda. Voltando ao gráfico, vejam as condições privilegiadas que ficam países como Índia, Brasil e México, principalmente. Até mesmo a Argentina. E numa proporção um pouco menor, Paraguai e Uruguai também podem expandir a participação no mercado internacional. Estes países, com baixo desfrute, possuem estoques de animais para melhorar a produtividade e ganhar espaço no mercado internacional, diante da demanda crescente para os próximos anos. Em outras palavras, não há necessidade de compor rebanho para produzir carne. Basta melhorar a eficiência zootécnica. Na tabela 2 resumimos a capacidade de resposta em animais abatidos e carne bovina produzida em equivalente carcaça para aumentos de um ponto porcentual na taxa média de desfrute. Tabela 2. capacidade de resposta em animais abatidos e carne bovina produzida em equivalente carcaça para aumentos de um ponto porcentual na taxa média de desfrute. Fonte: Bigma Consultoria – base de dados/ IBGE/OCDE/USDA/FAPRI/FAO *TEC – Toneladas de equivalente carcaça Portanto, existe possibilidade de atender a demanda crescente, mas depende de ações dentro de cada um dos países com estoques de animais e que tenham condições de atender. Nesse sentido, a Índia torna-se uma grande ameaça, apesar de que as dificuldades por lá são significativamente maiores que as do Brasil no sentido de aplicar tecnologia. Um dos motivos principais é a estrutura fundiária na Índia, com produtores menores e, consequentemente, mais pulverizados do que no Brasil. Essa á uma análise usada inclusive pelo setor de açúcar e álcool para avaliar as condições de competitividade dos indianos. Além da dificuldade fundiária, a quantidade de tecnologia a ser aplicada nas fazendas indianas é muito maior do que a do Brasil. Com praticamente o mesmo rebanho, o Brasil produz três vezes mais que a Índia. Sendo assim, as oportunidades pendem mais para o Brasil. Porém, essas oportunidades não serão desfrutadas sem que ações sejam adotadas nas fazendas. Aí o risco de que as oportunidades virem ameaças passa a ser considerável. A principal das ameaças é que países com potencial semelhante acordem e façam o que estamos demorando para fazer: melhorar o desfrute de nosso rebanho. Melhorar um desfrute de 12% para 13% é bem mais simples que passar de 19% para 20%, que por sua vez é mais simples que aumentar de 30% para 31%. Mas não adianta marketing, propaganda, ações, etc., sem que as tecnologias sejam implementadas nas propriedades. Portanto, a pecuária do futuro terá que passar, necessariamente, por uma “revolução” nas taxas dos indicadores zootécnicos e de eficiência agronômica. E quando dizemos futuro, na verdade, é para já! Todo pecuarista sabe que ações adotadas hoje impactarão os resultados apenas daqui a dois ou três anos, na melhor das hipóteses. Esse é o grande desafio da pecuária para os próximos anos. E o momento pode ser extremamente favorável em termos estratégicos. Produtividade é a palavra de ordem. É aí que temos que mirar os principais objetivos da pecuária de corte e da indústria frigorífica do Brasil. Obs: Artigo escrito no dia dia primeiro de março de 2012, encomendado pela revista Agro em Focoproduzida pela Editora Mundo e focada em Gestão do Agronegócio |
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Planos para o futuro da pecuária de corte
Postado por
Eduardo Lund / Lund Negócios
às
10:20
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