BOI GORDO – Lygia Pimentel
Estamos em 2012, mais precisamente no oitavo ciclo pecuário desde o início da série histórica mais antiga que tenho aqui com os preços do boi gordo. Isso não significa que esse tenha sido o início da pecuária brasileira, obviamente. De lá para cá, foram 58 anos de evolução para a atividade pecuária.
Apesar da trajetória recente dos preços, o produtor norte-americano sofreu bastante nos últimos meses. Com a forte alta dos grãos e com a alta taxa de animais recriados e terminados em confinamentos, a margem do pessoal diminuiu bastante. Para completar, o cenário piorou devido ao clima no ano passado, que registrou a pior seca em 50 anos e a temperatura mais alta em 70 anos.
Gráfico 1.
Evolução dos preços do boi gordo nos Estados Unidos e no Brasil, em dólares.
Evolução dos preços do boi gordo nos Estados Unidos e no Brasil, em dólares.
O resultado foi que a taxa de abate de fêmeas aumentou e o Tio Sam hoje possui seu menor rebanho nos últimos 60 anos.
E o que acontece nesses momentos de – literalmente – vacas magras é que temos que apertar o cinto pra não comprar uma calça nova. Ao reduzir investimentos, o pessoal costuma esquecer-se da sanidade do rebanho, infelizmente. E aí, amigos… aí chega a hora do tiro de misericórdia! Todo mundo chega junto ao fundo do poço.
Enfim, não é nada bonito de ver. Sabemos bem como é, afinal de contas, foi o que aconteceu conosco em 2005, quando tivemos o surto de febre aftosa no Mato Grosso do Sul.
Vivíamos o pior momento do ciclo pecuário, a fase do abate forçado de matrizes na tentativa de fazer caixa. Aí, alguém se descuidou e “esqueceu” de vacinar o rebanho… pronto!
Gráfico 2.
Evolução dos preços do boi gordo em Barretos – SP, corrigidos pelo IGP-DI.
Evolução dos preços do boi gordo em Barretos – SP, corrigidos pelo IGP-DI.
Mas tudo bem. O que aconteceu nos Estados Unidos esta semana provavelmente será bom para as nossas exportações e poderá ajudar o Brasil a consolidar-se no mercado internacional novamente. Será?
Eu, particularmente, acredito que é sempre positivo quando um grande player deixa o mercado em que concorremos. Mas o fato é que os principais clientes dos Estados Unidos não compram carne brasileira. Os mercados emergentes que compartilhamos compram muito pouco deles, por isso o crescimento recente das vendas de carne norte-americana para esses mercados foi tão expressivo. Portanto, há certamente algo que poderá se desenvolver mais facilmente, talvez algum cliente se interesse pelo nosso mercado, mas ainda é um caminho a percorrer e que leva um pouco de tempo.
Outro fato: antes que a notícia fosse confirmada pelas autoridades, a vaca de leite da Califórnia já havia sumido do mapa. O governo norte-americano imediatamente entrou em ação para rastrear de onde veio e para onde foi o animal doente, eliminou suas evidências, declarou que a carne não foi comercializada e que não há risco de contágio de outros animais. Ou seja, fizeram rapidamente sua parte para evitar que a retaliação dos clientes seja maior do que o necessário. A recuperação pode ser mais rápida do que imaginamos. Já temos noticias de que apenas a Coréia e Indonésia retaliaram as compras de carne bovina norte americana, mas esses são mercados que o Brasil não atende. Japão, Mexico e União Europeia continuam abertos e a Rússia ainda não se pronunciou.
Mais uma questão: não podemos sequer considerar uma análise sobre mercado exportador sem olharmos para o câmbio, seria muito amadorismo. O dólar em R$1,80 ainda não é suficiente para que sejamos assim tão atraentes internacionalmente, o que fez com que a Índia – pasmem – fosse apontada como mais novo líder mundial em exportação de carne bovina pelo Departamento Norte Americano de Agricultura (USDA). E ainda de acordo com o USDA, estamos atrás da Austrália, ou seja, saímos do primeiro para alcançar o terceiro lugar. Mas tudo bem, ainda assim, estamos numa boa posição, faz parte dos ciclos do mercado.
Vale ressaltar que a posição da Índia, na verdade, é uma incógnita, pois os diversos órgãos de estatísticas internacionais (USDA, FAO, OECD, FAPRI) diferem em quase 100% nas estimativas de exportações. Os volumes variam de 750 a próximos de 1.300 mil toneladas de equivalente carcaça. E, apesar do USDA estimar as exportações australianas acima das brasileiras, a análise dos órgãos de ambos os países (Brasil e Austrália) ainda apontam o Brasil na frente.
Temos que considerar também que o período em que alcançamos o maior volume de carne exportada era também o período em que abatíamos o maior volume de animais devido à fase do ciclo pecuário em que nos encontrávamos, ou seja, a fase de baixa.
O que quero dizer com toda essa história é que o mercado futuro disparou na terça-feira e chegou a subir 2,3%. Essa alta não ocorreu pelo fato de que na semana que vem voltaremos a exportar um volume monstruoso e que isso deverá enxugar o mercado de carne empurrando os preços pecuários para cima. Na verdade, o mercado futuro subiu porque queria subir. Ponto!
Pensem comigo. Na sexta-feira (20/04/2012) o indicador recuou R$1,08/@ e na segunda-feira o mercado futuro permaneceu praticamente estável. Sem falar no relatório de posicionamento dos players divulgado na quinta-feira (19/04/2012), onde ficava claro o aumento considerável da posição comprada da Pessoa Jurídica Financeira. Gente grande brincando com um mercado pequeno.
Alguém se lembra da reação dos futuros no dia que os Estados Unidos suspenderam a importação de carne brasileira industrializada? Para quem não se lembra, eu digo: nenhuma. O mercado continuou como se fosse algo ainda distante de mostrar seus efeitos.
Então, pessoal, o que houve foi que acendemos o fósforo perto da gasolina. O mercado queria subir e dava sinais de que isso aconteceria. Lembram-se do que comentamos na semana passada sobre o suporte em 101,55 para o contrato de outubro? Como falei, não é tão claro assim quando e como isso acontecerá, mas o mercado certamente dá seus sinais. Precisamos usar o instinto para enxergá-los.
Quem nos lê pode querer me perguntar: “então você está pessimista em relação às exportações?”. NEGATIVO! A notícia é positiva para o mercado brasileiro. É uma pena pensarmos que é bom pra gente quando o outro vai mal, mas estou falando do efeito e não do fato em si. O fato em si é horrível e preocupante, ainda mais depois da história do pink slime e da perda de imagem da carne bovina no mercado norte-americano.
De toda forma, o que eu quis expor aqui é que talvez a BM&F tenha exagerado um pouco no tamanho da reação, como é típico dos mercados futuros. Afinal, além de gente apostando na alta, tínhamos também uma série de ordens “stop” sendo acionadas, aquelas que servem para estancar o prejuízo. E no fim das contas, quem especula só ganha dinheiro com o mercado em movimento, então ele tinha que se mexer. Se não é para baixo, tem que ser para cima.
Estou dizendo que 104 é um preço alto demais para o mercado em outubro? Absolutamente, não! Mas não é o episódio desta semana que mudará drasticamente o caminho que temos trilhado até agora. O fato poderá nos ajudar a tirar algumas pedras da mochila, mas já rumamos para o aumento natural da produção de carne e, consequentemente, aumento natural das exportações.
Bom, este é só o ponto de vista de alguém que tenta enxergar o mercado da maneira mais racional possível. A moral da história é a mesma de sempre: mais vale um pássaro na mão do que dois voando.
Hoje gostaria de dar uma excelente notícia. Temos uma cabeça nova para compor o time de profissionais que colaboram com a Bigma Consultoria. Trata-se do início de uma parceria com meu amigo Pedro Dejneka, consultor da PHDerivativos, brasileiro e que mora nos Estados Unidos há 16 anos. A partir de agora ele nos ajudará a aprofundar a análise macroeconômica e de outras commodities. Já falei aqui sobre o Pedrão, o nível de conhecimento e a experiência profissional dele dispensam comentários.
E pra começar, nos próximos dias ele complementará o texto de hoje com uma visão macro de como a coisa pode se desenrolar. Será a parte II dessa visão que desenhamos hoje.
Abraços a todos e até breve!
FONTE: WWW.AGROBLOG.COM.BR / AUTOR LYGIA PIMENTEL
Nenhum comentário:
Postar um comentário