quinta-feira, 26 de abril de 2012

Tempos novos, problemas velhos


BOI GORDO – Lygia Pimentel




Estamos em 2012, mais precisamente no oitavo ciclo pecuário desde o início da série histórica mais antiga que tenho aqui com os preços do boi gordo. Isso não significa que esse tenha sido o início da pecuária brasileira, obviamente. De lá para cá, foram 58 anos de evolução para a atividade pecuária.
Mas por mais que a gente evolua, certos problemas parecem sempre os mesmos, quero dizer, parecem voltar de tempos em tempos. É o que aconteceu nesta semana lá nos Estados Unidos.
Desde 2006 os norte-americanos não viam de perto um caso de encefalopatia espongiforme bovina, que costumamos chamar “mal da vaca louca”. Coincidentemente, naquele mesmo ano eles passavam por um período difícil para apecuária. Época de preços nominais estáveis e custos de produção crescentes, ou seja, perda de rentabilidade. Digo coincidentemente porque hoje ocorre algo semelhante.
Apesar da trajetória recente dos preços, o produtor norte-americano sofreu bastante nos últimos meses. Com a forte alta dos grãos e com a alta taxa de animais recriados e terminados em confinamentos, a margem do pessoal diminuiu bastante. Para completar, o cenário piorou devido ao clima no ano passado, que registrou a pior seca em 50 anos e a temperatura mais alta em 70 anos.
Gráfico 1.
Evolução dos preços do boi gordo nos Estados Unidos e no Brasil, em dólares.
O resultado foi que a taxa de abate de fêmeas aumentou e o Tio Sam hoje possui seu menor rebanho nos últimos 60 anos.
E o que acontece nesses momentos de – literalmente – vacas magras é que temos que apertar o cinto pra não comprar uma calça nova. Ao reduzir investimentos, o pessoal costuma esquecer-se da sanidade do rebanho, infelizmente. E aí, amigos… aí chega a hora do tiro de misericórdia! Todo mundo chega junto ao fundo do poço.
Enfim, não é nada bonito de ver. Sabemos bem como é, afinal de contas, foi o que aconteceu conosco em 2005, quando tivemos o surto de febre aftosa no Mato Grosso do Sul.
Vivíamos o pior momento do ciclo pecuário, a fase do abate forçado de matrizes na tentativa de fazer caixa. Aí, alguém se descuidou e “esqueceu” de vacinar o rebanho… pronto!
Gráfico 2.
Evolução dos preços do boi gordo em Barretos – SP, corrigidos pelo IGP-DI.
Mas tudo bem. O que aconteceu nos Estados Unidos esta semana provavelmente será bom para as nossas exportações e poderá ajudar o Brasil a consolidar-se no mercado internacional novamente. Será?
Eu, particularmente, acredito que é sempre positivo quando um grande player deixa o mercado em que concorremos. Mas o fato é que os principais clientes dos Estados Unidos não compram carne brasileira. Os mercados emergentes que compartilhamos compram muito pouco deles, por isso o crescimento recente das vendas de carne norte-americana para esses mercados foi tão expressivo. Portanto, há certamente algo que poderá se desenvolver mais facilmente, talvez algum cliente se interesse pelo nosso mercado, mas ainda é um caminho a percorrer e que leva um pouco de tempo.
Outro fato: antes que a notícia fosse confirmada pelas autoridades, a vaca de leite da Califórnia já havia sumido do mapa. O governo norte-americano imediatamente entrou em ação para rastrear de onde veio e para onde foi o animal doente, eliminou suas evidências, declarou que a carne não foi comercializada e que não há risco de contágio de outros animais. Ou seja, fizeram rapidamente sua parte para evitar que a retaliação dos clientes seja maior do que o necessário. A recuperação pode ser mais rápida do que imaginamos. Já temos noticias de que apenas a Coréia e Indonésia retaliaram as compras de carne bovina norte americana, mas esses são mercados que o Brasil não atende. Japão, Mexico e União Europeia continuam abertos e a Rússia ainda não se pronunciou.
Mais uma questão: não podemos sequer considerar uma análise sobre mercado exportador sem olharmos para o câmbio, seria muito amadorismo. O dólar em R$1,80 ainda não é suficiente para que sejamos assim tão atraentes internacionalmente, o que fez com que a Índia – pasmem – fosse apontada como mais novo líder mundial em exportação de carne bovina pelo Departamento Norte Americano de Agricultura (USDA). E ainda de acordo com o USDA, estamos atrás da Austrália, ou seja, saímos do primeiro para alcançar o terceiro lugar. Mas tudo bem, ainda assim, estamos numa boa posição, faz parte dos ciclos do mercado.
Vale ressaltar que a posição da Índia, na verdade, é uma incógnita, pois os diversos órgãos de estatísticas internacionais (USDA, FAO, OECD, FAPRI) diferem em quase 100% nas estimativas de exportações. Os volumes variam de 750 a próximos de 1.300 mil toneladas de equivalente carcaça. E, apesar do USDA estimar as exportações australianas acima das brasileiras, a análise dos órgãos de ambos os países (Brasil e Austrália) ainda apontam o Brasil na frente.
Temos que considerar também que o período em que alcançamos o maior volume de carne exportada era também o período em que abatíamos o maior volume de animais devido à fase do ciclo pecuário em que nos encontrávamos, ou seja, a fase de baixa.
Portanto, naquele período, o abate brasileiro não era sustentável em termos de desfrute. Abatíamos o que não podíamos, forçosamente. Agora que ainda estamos em fase de colher frutos do investimento na atividade e que não temos abate forçado de matrizes, não conseguimos abater tanto quanto naquele período, o que em termos de inventário de animais pode ser considerado mais saudável.
O que quero dizer com toda essa história é que o mercado futuro disparou na terça-feira e chegou a subir 2,3%. Essa alta não ocorreu pelo fato de que na semana que vem voltaremos a exportar um volume monstruoso e que isso deverá enxugar o mercado de carne empurrando os preços pecuários para cima. Na verdade, o mercado futuro subiu porque queria subir. Ponto!
Pensem comigo. Na sexta-feira (20/04/2012) o indicador recuou R$1,08/@ e na segunda-feira o mercado futuro permaneceu praticamente estável. Sem falar no relatório de posicionamento dos players divulgado na quinta-feira (19/04/2012), onde ficava claro o aumento considerável da posição comprada da Pessoa Jurídica Financeira. Gente grande brincando com um mercado pequeno.
Alguém se lembra da reação dos futuros no dia que os Estados Unidos suspenderam a importação de carne brasileira industrializada? Para quem não se lembra, eu digo: nenhuma. O mercado continuou como se fosse algo ainda distante de mostrar seus efeitos.
Então, pessoal, o que houve foi que acendemos o fósforo perto da gasolina. O mercado queria subir e dava sinais de que isso aconteceria. Lembram-se do que comentamos na semana passada sobre o suporte em 101,55 para o contrato de outubro? Como falei, não é tão claro assim quando e como isso acontecerá, mas o mercado certamente dá seus sinais. Precisamos usar o instinto para enxergá-los.
Quem nos lê pode querer me perguntar: “então você está pessimista em relação às exportações?”. NEGATIVO! A notícia é positiva para o mercado brasileiro. É uma pena pensarmos que é bom pra gente quando o outro vai mal, mas estou falando do efeito e não do fato em si. O fato em si é horrível e preocupante, ainda mais depois da história do pink slime e da perda de imagem da carne bovina no mercado norte-americano.
De toda forma, o que eu quis expor aqui é que talvez a BM&F tenha exagerado um pouco no tamanho da reação, como é típico dos mercados futuros. Afinal, além de gente apostando na alta, tínhamos também uma série de ordens “stop” sendo acionadas, aquelas que servem para estancar o prejuízo. E no fim das contas, quem especula só ganha dinheiro com o mercado em movimento, então ele tinha que se mexer. Se não é para baixo, tem que ser para cima.
Estou dizendo que 104 é um preço alto demais para o mercado em outubro? Absolutamente, não! Mas não é o episódio desta semana que mudará drasticamente o caminho que temos trilhado até agora. O fato poderá nos ajudar a tirar algumas pedras da mochila, mas já rumamos para o aumento natural da produção de carne e, consequentemente, aumento natural das exportações.
Bom, este é só o ponto de vista de alguém que tenta enxergar o mercado da maneira mais racional possível. A moral da história é a mesma de sempre: mais vale um pássaro na mão do que dois voando.
Hoje gostaria de dar uma excelente notícia. Temos uma cabeça nova para compor o time de profissionais que colaboram com a Bigma Consultoria. Trata-se do início de uma parceria com meu amigo Pedro Dejneka, consultor da PHDerivativos, brasileiro e que mora nos Estados Unidos há 16 anos. A partir de agora ele nos ajudará a aprofundar a análise macroeconômica e de outras commodities. Já falei aqui sobre o Pedrão, o nível de conhecimento e a experiência profissional dele dispensam comentários.
E pra começar, nos próximos dias ele complementará o texto de hoje com uma visão macro de como a coisa pode se desenrolar. Será a parte II dessa visão que desenhamos hoje.
Abraços a todos e até breve!
FONTE: WWW.AGROBLOG.COM.BR / AUTOR LYGIA PIMENTEL

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