sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A história do boi gordo - ciclos pecuários

Por Lygia Pimentel (MyPoint)





A pecuária bovina chegou ao Brasil com os primeiros imigrantes portugueses, ainda na primeira metade do século XVI.

Hoje, o país tem o maior rebanho bovino comercial do mundo, com aproximadamente 200 milhões de cabeças, distribuídas em 2 milhões de estabelecimentos rurais, que ocupam 180 milhões de hectares.

Ou seja, a pecuária é uma atividade de grande importância para o nosso país. Entretanto, não é exatamente essa a história que eu queria contar sobre o boi gordo, mas sim a história sobre esse mercado.

Contar essa história faz com que fique mais fácil enxergar o futuro, ou seja, a direção para a qual o mercado vai. É através desse tipo de estudo e análise que viabilizamos planejamentos de longo-prazo na pecuária. É a única maneira de tentar sentar na popa do bote quando todos estão na proa, evitando assim que ele vire. É uma maneira de evitar vender barato e comprar caro. Esse tipo de estratégia melhora a margem de quem vive da atividade pecuária. Tenha certeza disso!

A série histórica mais longa que tenho de preços da arroba do boi gordo começa em 1954. Os dados são do Instituto de Economia Agrícola, o IEA, em continuação com os dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, o Cepea, e outros coletados pela equipe agrícola da XP Agro.

Assim conseguimos a sequência mais longa possível de preços. Dividi em cores a duração de cada ciclo dentro desse período de tempo, como mostra o gráfico abaixo:

Gráfico 1. evolução do preço da arroba do boi gordo a prazo em Barretos - SP, deflacionado pelo IGP-DI



O gráfico nos ajuda a enxergar que os preços do boi movem-se em ciclos que duram alguns anos e trabalham em fases: alta, estabilidade e baixa.

No Brasil, essas fases também têm uma duração média dentro da qual costumam trabalhar. No país, os ciclos pecuários duram, historicamente, algo em torno de 6 a 9 anos, com 3 a 4 anos de baixa e 3 a 4 anos de alta, intermediados por uma fase de estabilidade, que pode ser de 1 a 3 anos.

Há ciclos que fogem dessa regra.

Para entender por que isso acontece, é importante ter em mente que existem três padrões temporais com os quais temos que trabalhar: sazonalidade, tendência e ciclo.

A sazonalidade diz respeito ao padrão de comportamento dos preços dentro do período de um ano, traduzido pela safra no primeiro semestre e entressafra no segundo semestre. É regida basicamente pelo fator climático.

A tendência é o que ocorre com algo que interfira na oferta ou demanda. O aumento da renda da população é uma tendência que pode durar vários anos e interferir na duração da fase de alta de um ciclo.

O ciclo é um padrão que se repete regularmente dentro de alguns anos, como foi mostrado no gráfico 1.

Tá, mas o que estabelece esse padrão? Simples. A psicologia de mercado atrelada à dinâmica do negócio na pecuária.

Vou traduzir: em anos de preços em alta, a margem do pecuarista melhora e ele tem mais capital para investir na produção e retém fêmeas para a produção de bezerros, além de aplicar novas tecnologias, comprar mais terras, entre outras atitudes motivadas pela necessidade de aumentar a produção.

E a produção, de fato, aumenta. Por isso, depois de alguns anos, a oferta gado e de carne sobe, deixando o mercado saturado. Os preços, então, começam a cair e tem-se o fim da fase de alta e o início da fase de baixa. Entre as duas fases pode ocorrer uma acomodação, o que chamamos de fase de estabilidade.

É aí que o pecuarista reduz o uso de tecnologias, insumos e aquisição de novas áreas. O objetivo é diminuir os custos de produção, e assim ele posterga investimentos. Quando não é mais possível realizar esses cortes, ele acaba refugiando-se na venda das matrizes para manter o caixa no azul, ou seja, é obrigado a liquidar o seu plantel.

Em um primeiro momento, esse abate de fêmeas dá ainda mais força ao movimento de baixa, já que a oferta de animais para abate também aumenta. Mas o efeito disso é sentido nos anos seguintes, quando os bezerros das fêmeas abatidas não são mais produzidos. Naturalmente a redução da oferta de bezerros acaba por pressionar também, negativamente, a oferta dos animais das eras seguintes, até faltar boi para abate.

A primeira indicação de que a produção de animais está reduzida aparece no preço do bezerro. As cotações começam a subir concomitantemente a um boi gordo em baixa/estabilidade. E é aí que o pessoal volta suas atenções ao pequeno e o interesse na produção dele volta a aumentar.

Como ainda faltam animais terminados, dentro de algum tempo o valor da arroba do boi gordo começa a se recuperar pela redução da oferta, dando início à fase de alta e um novo ciclo pecuário.

Onde estamos inseridos hoje?

Explicado o comportamento histórico do ciclo dos preços pecuários, vamos analisar o panorama atual do mercado dentro dessa lógica.

Bom, após um recuo das cotações ocorrido de 2002 ao início de 2006, época em que o produtor "reduziu a marcha", a entressafra daquele ano deu início ao atual ciclo em que nos encontramos.

De junho de 2006 e fevereiro de 2007, o preço do boi gordo subiu fortemente em praticamente todo o país.

A virada do ciclo anterior começava a dar pistas de que ocorreria em 2004 e 2005, através do aumento da participação das fêmeas nos abates, além da redução dos investimentos na pecuária. Essa redução dos investimentos é refletida pela diminuição do PIB (produto interno bruto) do setor de insumos agropecuários. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, de 2002 a 2006 o abate de vacas cresceu 135% enquanto o abate de bois aumentou bem menos, "apenas" 25%. Ocorria a liquidação do rebanho.

Esse era um sinal de que os preços baixos realmente levavam o produtor abater suas fêmeas de maneira forçada naquele período.

No período da virada o preço do boi estava caindo devido à ocorrência da febre aftosa no Mato Grosso do Sul (2005) e aos efeitos da gripe aviária, que fazia sobras frango no mercado interno e acabou por pressionar a cotação da carne bovina.

Mas o bezerro continuava com preços firmes. Sinal de escassez da categoria devido ao abate das fêmeas.

Queda de rentabilidade, que resulta em abate de fêmeas, que resulta em redução de bezerros, que resulta em redução de bois gordos prontos... a lógica do mercado prevaleceu.

No início de 2007 o mercado mostrou que se encontrava em uma nova fase. O boi atravessou o primeiro semestre (período de safra) com firmeza. Nessa época, embora não seja regra, geralmente os preços recuam.

Em 2008, o mercado prometia, mas a crise internacional veio e deu um "corte" na intensa alta que era anunciada para a entressafra. Os frutos da recessão também foram colhidos em 2009.

Enquanto isso, a retenção de fêmeas continuou. Observe o gráfico 2:

Gráfico 2. Evolução da participação de fêmeas e machos nos abates totais (%)



Hoje já podemos contar cinco anos de retenção de fêmeas (início em 2006). Os preços do boi gordo ainda não começaram a recuar. Na verdade, eles passam pela fase de estabilidade.

O bezerro, segue ainda sustentado e a sua produção ainda apresenta boa margem, o que indica que ainda não vivemos a virada da fase de alta, porém, a retenção de fêmeas diz que estamos próximos.

Quando a cotação dos bezerros começar a recuar de maneira considerável, é o momento em que o pecuarista deve realmente se preocupar, caso não tenha feito ainda os preparativos para "aguentar" a fase de baixa do ciclo que está por vir.

Essa outra história que contei sobre o boi gordo serve para mostrar que os preços alcançaram um novo patamar, mas já observamos mais de quatro anos de alta.

Como os ciclos pecuários, historicamente, têm duração de 6 a 9 anos, sendo 3 a 4 anos de baixa e 3 a 4 anos de alta e alguns intermediários de estabilidade, a fase de alta do atual ciclo de preços pode estar muito próxima do fim.

Pode-se esperar preços firmes para 2011, mas a luz amarela já está acesa. Pode ser que essa fase de alta tenha sido alongada pela intervenção da crise de 2008, que abortou a forte alta esperada (e iniciada) no período, e pelo forte crescimento dos países emergentes, que trouxe aumento da demanda por alimentos, inclusive aqueles de melhor qualidade (carnes). Entre eles, inclui-se o Brasil. Lembram-se que falei sobre "tendências" no início do texto? Essa é uma tendência que influencia a fase de alta positivamente.

E deve-se levar em consideração que com os juros baixos, e o aumento do poder de compra, o consumo de carne bovina cresceu além da média bem em cima de uma forte crise de oferta. A inflação acompanhou o aumento do consumo, ou seja, mesmo com preços estáveis, a rentabilidade do produtor pode ser "abocanhada" pela alta dos custos de produção.

Enfim, fatores como aumento da demanda e queda de investimentos podem mexer com a duração das fases do ciclo, mas isso não impede que ele continue a exercer sua força sobre o mercado mais cedo ou mais tarde. Esses são pensamentos de longo-prazo que nos ajudam com as preparações para aguentar os períodos ruins, criando "gordura" nos momentos favoráveis. E só assim, jogando contra o ciclo, é que torna-se possível tirar alguma vantagem do mercado. E acredite, num prazo mais longo, a análise funciona!

FONTE: BEEFPOINT

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