Um alto contra-filé de gado criado a pasto gotejando seu próprio suco: muitos argentinos consideram esse banquete como patrimônio que dever ser apreciado regularmente, de forma que um presidente nos anos noventa brincou em uma revista americana dizendo: “Fale a seus leitores, não venham a meu país se forem vegetarianos”.
O consumo de carne bovina nesse colosso da carne vermelha caiu tanto nas últimas décadas que a nação recentemente caiu de sua posição de maior consumidor per capita de carne bovina do mundo um título que os pecuaristas argentinos estão lutando para recuperar de seu pequeno vizinho, o Uruguai. Em outro golpe, um estudo alertou que as pizzarias poderão em breve ultrapassar as churrascarias em Buenos Aires.
Como se isso não fosse suficiente para afetar o espírito dos argentinos, o país caiu para o 11º lugar, atrás de países como Nova Zelândia e México, no ranking global de exportadores de carne bovina nesse ano, impulsionando reações solenes, como um importante jornal que declarou que era “o fim de um reinado”.
O escritor Diego Vecino escreveu, em um recente artigo de revista, sobre o declínio do consumo de carne bovina argentina, afirmando: “Vivemos, nesse momento, imersos em vergonha. Nos últimos anos, nossa identidade nacional foi agredida como nunca antes. O ritual do churrasco persiste mas, em muitos casos, sob o brilho de uma experiência retrô”.
Os argentinos consumiram cerca de 58,5 quilos de carne bovina por pessoa no ano passado, bem mais que os americanos, que consumiram apenas 26 quilos. Porém, o atual nível de consumo na Argentina está bem atrás de seu pico: 100,7 quilos de carne bovina para cada homem, mulher e criança, alcançado em 1956.
As razões para essa queda variam: os preços da carne bovina aumentaram com a inflação, mas os pecuaristas afirmam que os controles de preços impostos pelo governo voltados a evitar que o consumo doméstico de carne caia mais já causou estragos, tornando mais caro manter grandes rebanhos. Outros, de olho na crescente demanda da China por grãos na última década, disseram que é simplesmente mais lucrativo produzir soja do que criar gado.
De acordo com o economista chefe da Sociedade Rural Argentina, maior associação rural do país, Ernesto Ambrosetti, a Argentina está testemunhando um declínio histórico na indústria de carne bovina. Segundo ele, agora, seus vizinhos menores, Paraguai e Uruguai, passaram à frente no ranking de exportações.
Oficiais do governo afirmaram que suas políticas para aumentar o consumo de carne bovina, incluindo as restrições às exportações e os controles de preços visando tornar a carne mais acessível, estão mudando a tendência. De fato, o consumo doméstico se recuperou levemente do menor valor registrado em 2011.
Porém, embora a Argentina tenha passado por oscilações no consumo de carne bovina no passado, alguns veem as últimas quedas como uma evidência de uma mudança mais ampla de paradigma: muitos argentinos estão simplesmente optando por uma dieta mais variada. A mudança – refletida no aumento da demanda por alimentos como frango, massas e pizza; uma maior conscientização sobre os riscos para a saúde associados com o consumo de carne bovina; e até mesmo jantares vegetarianos em Buenos Aires – não se adequa bem a alguns argentinos.
De acordo com o Instituto Argentino de Promoção da Carne Bovina, em um relatório de 2006, reconhecendo uma nova era de cultura e o surgimento de modismos de cozinha incorporando outros produtos, o consumo de carne bovina está ameaçado por tendências modernas de consumo saudável, principalmente a exaltação do que é natural e ecológico, estimulando o consumo de vegetais.
Segundo Mauro Massimino, dono de restaurante vegetariano, os argentinos estão demandando uma mudança. Ele afirma que, há cerca de cinco anos, o vegetarianismo começou a ganhar força aqui e o crescimento desde então tem sido incrível.
Em Buenos Aires Verde, os clientes podem escolher a partir de opções como hambúrgueres feito com arroz Yamani e feijão azuki, ou canelone feito com fruta desidratada e sementes de linhaça.
O crescimento dos restaurantes vegetarianos na capital da Argentina se desdobrou em um período de grande mudança – alguns dizem de perturbações – no campo. Em 2007, a Argentina tinha cerca de 55,6 milhões de cabeças de gado, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Esse número caiu para 48,1 milhões em 2011, antes de se recuperar um pouco nesse ano, para um número estimado de 51,2 milhões. (Isso ainda representa mais vacas que pessoas, considerando que a população do país é de mais de 40 milhões).
À medida que a economia da Argentina na última década se recuperou de um colapso em 2001, os preços da carne bovina no país aumentaram. Lutando com um aumento mais ampla na inflação, as autoridades em 2006 anunciaram uma barreira temporária às exportações de carne bovina em um esforço para expandir a oferta doméstica e reduzir os preços para os consumidores argentinos. Desde então, o governo vem limitando as exportações de carne bovina e impondo controles de preços, medidas que os pecuaristas afirmam que estão acabando com a lucratividade. À medida que as perdas se acumulam, uma onda de fechamentos de abatedouros deixou milhares de pessoas sem emprego nos últimos anos. Muitos pecuaristas mudaram para a produção de soja, com o grão em grande parte exportado para a China, onde é usado na alimentação animal.
O governo tentou conter o impacto dos maiores preços da carne bovina e redução da oferta através de um programa chamado “Carne para Todos”, oferecendo mais de uma dúzia de cortes populares de carne bovina a preços baixos para os consumidores na região metropolitana de Buenos Aires.
Porém, os oficiais também estimularam outros tipos de proteínas animais, refletindo a dependência da nação do agronegócio. Em 2012, a presidente Cristina Fernández de Kirchner fez uma piada sobre qualidades da carne no aumento do libido, anunciando os subsídios para a indústria de carne suína: “É muito mais gratificante comer um pouco de carne de porco grelhada do que tomar Viagra”.
Para muitos argentinos, a quantidade de carne bovina que eles consomem está relacionada a outro fator: preço. Nos últimos três anos, cobiçados cortes de quadril tiveram aumento de preços de quase 90%, para cerca de US$ 12,80 o quilo, de acordo com o açougueiro do bairro de Colegiales, Juan Pagano.
De fato, muitos argentinos não estão enfrentando o declínio de sua indústria de carne bovina parados. A nutricionista de Buenos Aires, Claudia Valenti, disse que as pessoas deveriam comer carne bovina, preferencialmente cortes magros, todos os dias. Ela afirma que as pessoas não são herbívoras, seres humanos nunca foram, exceto no início dos tempos.
A reportagem é do The New York Times, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint
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