domingo, 18 de outubro de 2015

As raízes da GAP Genética


As raízes da GAP Genética
Referência na criação gaúcha, Eduardo Linhares disseminou sangue britânico pelo Brasil Central
O jeito tranquilo de caminhar pela Estância São Pedro em dias tumultuados do Remate GAP Genética indica que calma e cautela sempre estiveram presentes no trabalho do selecionador Eduardo Macedo Linhares, titular da GAP Genética, de Uruguaiana, RS. Dono de um verdadeiro patrimônio genético de raças britânicas na fronteira entre o Brasil e a Argentina, Linhares traçou uma trajetória que chama a atenção de qualquer selecionador, seja ele gaúcho, ou não. Aos 84 anos, e em plena atividade, ele se mantém no topo da lista de faturamento na temporada de remates de primavera do Estado, além de guardar no currículo feitos históricos como o de julgar animais de ninguém menos que a rainha da Inglaterra, Elizabeth II. 
A façanha ocorreu na tradicionalíssima Royal Show, uma das maiores e mais antigas exposições de raças britânicas do mundo. “Lembro que ao descobrir minha nacionalidade ela me perguntou se era possível criar Devon num País tão quente como o Brasil. Prontamente respondi que sim. Disse que no Sul do País, mais precisamente no Rio Grande do Sul, tínhamos condições de criar qualquer raça proveniente do Reino Unido”.
A declaração à realeza e o orgulho de seu Estado de origem e criação, no entanto, não fizeram de Linhares um homem preso às raízes. Criador de Angus, ele foi o introdutor da raça brangus – cruzamento de angus com o zebuíno nelore, do qual tem o maior rebanho registrado do mundo. Ao longo de sua “carreira” como selecionador, estendeu sua atuação ao Mato Grosso e Mato Grosso do Sul para testar a genética produzida naquela época apenas no Rio Grande do Sul. Linhares estudava maneiras de alcançar o mercado central com uma produção de animais diferenciados, fruto do trabalho que já realizava visando o mercado uruguaio e argentino. “Queríamos produzir genética adaptada àquelas condições”, diz ele, acrescentando: “Somos o berço das raças britânicas no País. Mas não se deve ignorar o potencial do Brasil como produtor de boa genética bovina, incluindo regiões como o Brasil Central, que hoje detém 80% da nossa pecuária de corte e para onde fornecemos 50% da produção de nossos animais”.
Hoje, o criador mantém propriedades arrendadas na região, que abrigam um plantel de 700 fêmeas Brangus criadas e recriadas em pasto de braquiária e mombaça. As outras 3.500 matrizes da raça ficam no Sul do País, junto a 1.500 fêmeas Angus e 1.300 Hereford e Braford, criadas majoritariamente em pastagens nativas (30% da área é formada com azevém, para uso no inverno). Um time que gera, anualmente, quase 6 mil bezerros. Embora se considere um apaixonado pelas taurinas, Linhares diz que o atual mercado de genética está mais favorável para as compostas. “Elas são o passaporte para levar sangue britânico ao Brasil Central”, diz. “São uma alternativa de animais adaptados e produtivos para uma pecuária que precisa ser mais eficiente.”
Ao todo, são 20.000 hectares dedicados à pecuária, com espaço para o cultivo de arroz, além da criação de cavalos crioulos – um dos grandes campeões do Freio de Ouro, Pampa de São Pedro, carrega a marca GAP. “Não se pode parar. Nossa atividade exige renovação”, diz Linhares, comparando o jeito de fazer pecuária na década de 1950 e nos dias atuais. “Antes selecionávamos animais pelo visual campeiro. Não tínhamos o apoio de dados técnicos, a não ser pedigree e data de nascimento. Importava produzir um Angus grande e novilhos. Hoje, sabemos que tamanho não é documento. Animal bom é animal equilibrado, produtivo e funcional”. 

Um olhar à frente
O aprendizado ele adquiriu ao longo de sua história. Na década de 1970 percorreu países estudando a genética da raça Angus para aprimorar o trabalho da Cabanha Azul, propriedade que antecedeu a GAP, e que comandava ao lado do primo e sócio João Vieira de Macedo Neto. Foi por esse criatório que recebeu suas primeiras premiações em pista e toda a projeção de mercado, com os primeiros remates de Angus e Devon, raça que hoje já não está no seu portfólio de produtos. A parceria terminou em 1993, com o nascimento da GAP. “Foi uma partilha familiar. Não houve brigas, nem desentendimentos,
apenas caminhos diferentes”, lembra Linhares.
Como pecuarista, Eduardo Linhares sempre pensou como geneticista. Na década de 1980, confiou ao zootecnista, Luiz Alberto Fries, todo o trabalho de seleção genética de sua fazenda. Nos anos seguintes, Fries, que morreu em 2007, aos 56 anos, tornou-se um dos principais geneticistas do País, criador do Sistema de Avaliação Natura, e um dos fomentadores do Grupo GenSys, hoje, responsável pela avaliação genética de 10 Projetos com autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para emissão do Ceip (Certificado Especial de Identificação e Produção). “Ele nos orientou a reduzir nossa participação em shows, que na época eram as exposições, e focar todo o trabalho na seleção objetiva. Fomos os primeiros a ceipar animais”, lembra Linhares. “Foi o início da revolução na pecuária de corte”.

Peneira
Todo o plantel da Gap é avaliado pelo Natura e Promebo (Programa de Melhoramento de Bovinos de Carne), com Certificado Especial de Identificação e Produção (CEIP) para os 20% melhores animais nascidos a cada safra. O princípio do trabalho de seleção é a aposta em animais jovens. “Pode-se descobrir um grande reprodutor logo aos dois anos”, diz Linhares. Mas, para ele, isso não pode ser feito às cegas. “Sem se basear nas informações dos programas de melhoramento, não há crescimento palpável”, afirma.
Na Gap Genética, dos 3.000 machos nascidos anualmente são eliminados 50% no desmame. Dos 1.500 restantes, outro corte acontece no sobreano, restando somente os 650 melhores de cada geração. Os 50 superiores são utilizados como ‘touros de cria’ ou como doadores de sêmen. Os 600 são comercializados no remate anual ou em vendas diretas na fazenda, com demanda cada vez maior. No último leilão da GAP, a oferta teve de ser encorpada para atender a toda clientela. Houve redução no número de animais vendidos na fazenda para o aumento da oferta de pista. Ao todo, 800 touros e matrizes, além de 40 cavalos Crioulos. “A conquista do status de fornecedor de genética se deve, principalmente, à adoção de boas ferramenta de seleção”, acredita a filha e veterinária, Ângela Linhares da Silva. “Isso rege todo nosso trabalho”.
O rigor também se aplica às fêmeas. Na GAP, apenas as superiores são incorporadas ao rebanho, com destaque para eficiência reprodutiva e qualidade na produção de bezerros. As melhores são encaminhadas para a Transferência de Embriões (TE) ou Fertilização In Vitro (FIV). Os touros usados como “pais” do plantel são estudados com base nas DEP’s dos programas Natura e Promebo. Segundo Ângela, desde que o Programa de Acasalamento Dirigido (PAD) foi incorporado ao processo de seleção – há 20 anos – o número de animais ceipados cresceu 25% no rebanho. “Esse é um indicativo de que temos acertado bastante”, considera.

Bom legado
Eduardo Linhares se diz orgulhoso do sucesso conquistado, principalmente pela capacidade dos filhos de coordenar a GAP ao seu lado. Dos cinco herdeiros, quatro trabalham ativamente na fazenda. “Acreditar nas futuras gerações permitiu a longevidade de uma criação iniciada nos primeiros anos do século 20 [1906], herdada por mim e que deve perdurar por muitos anos nas mãos da geração que está chegando.”
Atualmente, toda a parte genética, reprodutiva e sanitária fica nas mãos de Ângela. O filho mais velho, Paulo Eduardo Linhares, coordena a área de agricultura, e a filha Marcia é a responsável pelo setor administrativo do grupo. Também há espaço para os “agregados”, brinca Linhares, referindo-se aos genros. Rodrigo Fialho, marido de Márcia, é o responsável pela nutrição do rebanho; João Paulo Schnneider da Silva, o “Kaju”, casado com Ângela, é quem comanda a área comercial. Ele vem se tornando figura pública do criatório.
No último leilão da GAP, em 27 de setembro, ele comemorou o faturamento de R$ 6,7 milhões, como quem tivesse ganho um campeonato. Além dos apertos de mão, Kaju dividiu a tarefa de coordenar toda equipe, incluindo olhos atentos nos lances e uma enorme contribuição ao leiloeiro, que volta e meia, o solicitava informações adicionais sobre os animais em pista. 
Satisfeito, Eduardo Linhares assiste de camarote: “Estou bem assessorado. Hoje, já posso passar a maior parte do tempo com o golfe e os cavalos, embora eu ainda seja bastante requisitado na estância”, diz ele, que hoje mora em Porto Alegre, ao lado da esposa Maria Helena.

Por: Carolina Rodrigues / revista DBO, outubro de 2015

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