terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Inflação na pecuária

Reprodução permitida desde que citada a fonte

Esta semana vamos falar de inflação. Melhor dizendo, vamos falar do impacto da inflação na atividade pecuária. Para isso vamos colocar três gráficos — a inflação propriamente dita, o valor da arroba comparado com a inflação e o que acontece quando a gente coloca os custos de produção em cima disso.
Qual a razão de olharmos a inflação na nossa atividade? Pelo mesmo motivo que qualquer um olha a inflação, caro leitor. Ela corrói o poder de compra da moeda. Uma atividade sem inflação é como um lago. Você consegue atravessar com facilidade a nado. Uma atividade onde a inflação é presente seria como navegar em um rio contra a correnteza.
Colocado de outra forma, pense no que você hoje compraria com mil reais. Pensou? Pois em 1994, você gastaria não mais que quatrocentos reais para comprar as mesmas coisas. Esses seiscentos reais, para onde foi? Evaporou. Isso é inflação.
Da mesma forma, ao longo do tempo a arroba do boi tem que subir para manter o poder de compra do produtor. Mas vamos ser justos aqui, isso não é exclusividade da pecuária. Essa eterna luta entre preço de venda e inflação ocorre em todas as atividades.
Mas existe uma diferença. A atividade agropecuária não tem o poder de colocar preço no seu produto, sendo sujeito às variações da oferta de todos os produtores tudo ao mesmo tempo. Ou você acha que só você produz boi gordo? Vaca gorda? Tem uma pá de gente que faz isso também, todos vendendo os mesmos tipos de animais mais ou menos nas mesmas épocas do ano. É por isso que nenhum produtor tem como botar o seu preço. O mercado é de um produto que não é diferenciado. Não tem marca. Soja, milho, cobre, alumínio, petróleo, possuem um comportamento parecido no sentido de todos serem commodities.
(Existem produtores que conseguem agregar valor ao seu animal e vendê-lo melhor, com ágio, para o frigorífico. Mas esse é um mercado proporcionalmente pequeno e permanecerá pequeno, sempre, para compensar os custos mais altos de produção. É só pensar na quantidade de motos que a BMW vende — 98 mil — em contrapartida da quantidade total de Hondas que são vendidas no Brasil — 1,4 milhão).
Então, a arroba tem que subir para acompanhar a inflação. Mas quando a gente fala de inflação, estamos falando do que, na realidade? Observe o gráfico abaixo.


Estamos falando de uma alta de 160% desde 1994. Isso deu uma inflação média de aproximadamente 0,81% ao mês desde então. Ou uma inflação de 9,72% ao ano. Entende a razão da arroba ter que subir? Se ela não subir a inflação toma conta.
Ah, mas a arroba sobe também e essa é uma das belezas da carne bovina. Ela é um excelente acompanhador da inflação. É só lembrar o período inflacionário da década de 80. Quer saber? É só olhar para o nosso período aqui na figura abaixo para ter o exemplo real e concreto perto de nós.


Observe a variação acumulada da arroba do boi, nessa linha vermelha sobreposta à inflação acumulada no mesmo período. Repare os períodos em que a arroba trabalhava abaixo da inflação e os períodos em que ela trabalhava próxima ou até acima, por breves momentos. Estes períodos em que a arroba trabalhava abaixo da inflação, todos eles foram momentos muito ruins para a pecuária, de baixo poder aquisitivo para o pecuarista. Os momentos em que a arroba ficava próxima da inflação foram, de um modo geral, momentos bons para a atividade. Repare que estamos passando por um desses momentos bons agora.
Tem hora que menos é mais, diz o ditado. Observe o terceiro gráfico. Esse é um desses gráficos que enquadram nesse tipo de raciocínio. Ele é o mesmo gráfico do meio, só que mostra a diferença entre a inflação e a arroba. De uma forma simples, direta a gente enxerga o estado atual da pecuária, pelo menos para um olhar amplo, contemplativo, como se estivesse enxergando lá de cima da montanha a atividade. Gosto demais deste aí. Não é à toa que é o meu principal gráfico.



Só que com o passar dos anos a gente vai aprendendo e acumulando um pouco mais de lembranças... Em 2008, no auge do preço da arroba eu olhava para esse gráfico e não gostava muito do que ele me dizia. Esqueça por um instante a alta de 2010 e lembre-se de 2008. Foi uma alta espetacular para a arroba, não foi? Foi tão boa que rompeu os picos (no 3º gráfico) anteriores de 1999 e 2002 por uma margem significativa. Impressionante!
Mas eu hesitava na comemoração... Não me sentia como se realmente o mercado estivesse em 2008 melhor que em 1999. Ou até mesmo 2002. É aí que entra um pouco das lembranças. Lembro-me da atividade em 1999 e em 2002. A sensação era que lá atrás a coisa estava melhor que em 2008, mas não sabia a razão de estar sentindo isso. O fato é que fiquei obcecado para conseguir uma forma de provar que 2008, com sua alta espetacular não estava sendo melhor para a engorda de boi do que foi 1999 e 2002.
Daí, consegui alguns os dados e cheguei ao gráfico abaixo. Esse gráfico é a paulada da inflação e dos custos de produção sobre a arroba do boi. Ele está mostrado em porcentagem, como nos anteriores, então o enxergue como a arroba tendo que brigar contra uma inflação anabolizada.


Aqui dá para ver que eu não estava louco ao sentir 2008 como um ano inferior a 1999 e 2002. De fato, foi assim mesmo, como a gente pode observar aqui. O que mudou? O que mudou caro leitor, ou melhor, o que mudaram foram os custos de produção. Subiram muito rápido logo após as altas de 1999 e 2002 e lá permaneceram. Então veja você como são as coisas no mundo das commodities.
Você até pode ter anos bons, em que você respira um pouco. Mas os custos de produção deixam essa janela aberta para você respirar por pouco tempo. Logo, logo os custos sobem e a janela se fecha.
É por isso que 2008 não foi um ano completo, mesmo com a alta que ocorreu. A arroba lá ainda não tinha conseguido “zerar” a inflação e os custos de produção. Como você pode ver isso só ocorreu de verdade agora em 2010.
Então quer dizer que estamos em um bom preço para a arroba? Sim.
Isso vai continuar?
Não seja tão malvado comigo... Como é que eu posso saber? Não tenho bola de cristal. Só consigo olhar para o que já aconteceu e tentar traçar paralelos.
Ah, mas você quer que eu fale mesmo assim? Hum... Vamos lá então.
Esses preços bons vão continuar? Não sei caro leitor. Mas aqui no texto de hoje você viu duas coisas. Inflação e custos. A inflação é importantíssima para a rentabilidade do produtor.


Atualmente a inflação está em trajetória de alta, como você pode ver no gráfico acima a somatória dos últimos 12 meses. Estamos ao redor de 10% agora. As últimas pesquisas entre os entendidos em inflação, dizem que ela deverá fechar 2011 entre 5% e 6%, ou seja, caindo desde os valores atuais. Vamos ver.
Os custos de produção seguem uma trajetória mais previsível. Não disse que depois de 1999 e 2002 os custos puxaram para cima? Você tem acompanhado recentemente as altas das matérias primas do setor de nutrição? Reparou no preço da vacina de aftosa? No vermífugo... Aliás, que sacanagem é essa de praticamente retirar do mercado os vermífugos a 1%? Só se acha 3,5%, e muito mais caro proporcionalmente.
Passamos em 2008 e em 2010 por dois momentos excelentes de preços para a arroba, fazendo a remuneração do produtor melhorar. Se lá atrás em 1999 e 2002 os custos subiram depois dessa melhora na renda, qual seria a razão dos custos não subirem agora?
Acho que você já sabe a resposta.

FONTE: SCOT CONSULTORIA

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