quarta-feira, 13 de abril de 2011

Por que os frigoríficos estão “quebrando”?

Publicado em 12/04/2011 por otaviojuliato

Esta pergunta já vem me intrigando faz algum tempo. Nos últimos 3 anos, pelo menos uma dúzia de grupos de portes médio e grande que atuam no setor carne bovina entraram com pedidos de recuperação judicial ou “RJ”, indicando que enfrentavam complicada situação financeira e impossibilidade de continuar com suas operações normalmente.

Não sou defensor da indústria frigorífica tampouco me posiciono aqui como representante de qualquer classe de pecuaristas, ruralistas ou qualquer coisa parecida.

Também não tenho intenção alguma de apontar defeitos, nem fazer prognósticos. Não sou especialista, analista, nem nada. Na verdade, sou um entusiasta da cadeia produtiva da carne bovina, admirador de sua complexidade e importância. O que quero mesmo é tentar entender os motivos e obter respostas para a pergunta acima. Queria tentar ir além da “versão oficial”, da “nota na imprensa” ou das explicações que toda “RJ” de frigorífico traz.

Os frigoríficos, como nós sabemos, sempre foram uma caixinha de surpresas no Brasil. O tradicional setor de abatedouros frigoríficos, que apesar do tamanho e importância que tem na economia brasileira, fora sempre tachado pela ilegalidade, informalidade, falta de transparência, amadorismo, etc. Há alguns anos passa por um agudo processo de profissionalização e este na minha opinião é o principal motivo que responde a pergunta que coloquei como título deste post. Vocês concordam?

Antes de analisar os argumentos das explicações oficiais usados pela maioria das empresas do setor para justificar a situação, vamos esclarecer alguns fatos.

Somos os maiores fornecedores de carne bovina de qualidade e barata do mundo. Temos, seguramente, os menores custos mundiais de produção de carne bovina da “porteira pra dentro”. Nosso mercado interno é enorme e apresenta um do maiores consumos per capita de carne bovina no planeta. Os parque industriais são em sua maioria modernos, os CDs bem alocados e a força de trabalho capacitada. As barreiras de entrada no negócio são altas e o governo está razoavelmente promovendo esforços através de desonerações fiscais e outros mecanismos para equilibrar as forças do setor.

Dito isso, podemos destacar nos próximos parágrafos, alguns pontos levantados por várias empresas do setor para justificar a situação financeira complicada em que se encontram. Apesar de não ter tido acesso a todos os comunicados, eles são quase que na totalidade, generalistas e não apontam motivos específicos, salvos alguns casos, como por exemplo o último que li do Frigorífico Mataboi, de Araguari, MG, que apontou o fechamento de uma linha de crédito em um banco particular como um dos motivos para escassez no seu capital de giro.

“O mercado é competitivo e pulverizado, as margens do setor são baixíssimas.” – Concordo. Tudo bem, tenta-se resolver isso com aumento de escala, o que na verdade é o que foi feito pela maioria dos grandes players do setor. Mas ainda assim, muitos deles tombaram.

“A oferta de gado para abate, de uns anos pra cá foi diminuindo consideravelmente.” – Também verdade. Os preços da @ do boi, por anos depreciada, levaram a substituição da pecuária pelo cultivo da cana-de-açucar em áreas tradicionais de engorda devido a rentabilidade mais elevada. E causaram também as migrações dos rebanhos para áreas periféricas, mais distantes dos mercados consumidores. Porém, as plantas industriais migraram juntamente com os rebanhos. É forte a presença de grandes grupos do setor em todos os pontos de grande concentração de rebanhos de engorda no país. É fato também que muitos se endividaram nesta corrida por ocupação territorial.

“Devido a última crise financeira mundial, o crédito, praticamente secou.” – Nas expansões de suas capacidades produtivas, mercados e busca por ocupação territorial, as empresas, quase todas muito alavancadas, esqueceram-se de incluir em seus planejamentos duas coisas. Primeira e óbvia, que a “fonte de recursos um dia poderia secar.” Como secou. E segundo, e a que acho particularmente mais grave, que os custos dos serviços das dívidas contraídas estavam acima da capacidade de suas operações comerciais suportarem. É notório que a atividade de abate de bovinos e venda de carne, simplesmente não fecha a conta, como vai suportar pagar juros pra isso ainda.

“Com a estratégia de apoiar a criação de corporações globais, o governo brasileiro, apoiou financeiramente, através de empréstimos subsidiados pelo seu banco de fomento, algumas empresas em detrimento a outras.” – Sim, isso de fato ocorreu fortemente. Grandes somas foram injetadas em alguma empresas do setor, com o objetivo de promover o crescimento das mesmas e torna-las grandes players mundiais no negócio da carne. Sob este ponto de vista, a estratégia deu certo, alguns frigoríficos brasileiros dominam a produção e os mercados mundiais de proteína animal. Vale ressaltar também que estes grupos estavam, do ponto de vista organizacional, maduros e muito bem preparados para suportar o crescimento e contaram também com outros mecanismos de funding, como a abertura de capital, além dos oficiais.

Não irei me alongar muito, mas, como se pode notar, as afirmações contidas nos comunicados tiveram impacto em todo o setor, não foram pontuais, nem localizadas neste ou naquele grupo. As empresas que estavam mais expostas sofreram mais rapidamente e de forma mais aguda, outras sofreram de forma moderada e algumas ainda estão sofrendo. Eu ainda acho bem provável que a lista de empresas do setor envolvidas em recuperações judiciais vai crescer, daqui a pouco, os frigoríficos menores e de nichos específicos talvez comecem a ocupar vagas nesta lista.

O fato é que, como escrevi no inicio do texto, o setor atravessa uma fase de reestruturação e profissionalização. Talvez parecido com o que alguns setores da indústria brasileira passaram há algumas décadas atrás. Isso é um movimento sem volta, uma seleção natural de empresas e organizações. É por isso que volto a afirmar, que, para mim, apesar de todos os pontos citados acima como responsáveis pelos problemas financeiros das empresas, o maior motivador foi a má-gestão. Isso fez e faz a diferença. Eu disse má-gestão e não má-fé. Os grupos do setor que estão envolvidos em recuperações judiciais sempre foram tradicionais e tem históricos muito positivos de anos e anos no negócio da carne. Com certeza irão se recuperar e voltar as atividades assim que for possível. A lição que fica, ao meu ver, é que agora deverão entrar mais preparados, para uma nova realidade, que veio para ficar.

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