segunda-feira, 16 de abril de 2012

O tiro no pé do boi em pé

Por: Miguel da Rocha Cavalcanti

O recente pedido ao governo, feito pelos frigoríficos, de taxar a exportação do boi em pé em 30%, foi um tremendo tiro no pé dos frigoríficos, na minha opinião. O setor vinha construindo uma aproximação entre os elos da cadeia, que tem uma relação adversarial há muito tempo. O projeto Pecuária do Brasil conduzido pela Abiec é uma dessas iniciativas. E esse pedido de taxação, fez recuar muitos avanços. O setor produtivo se sentiu “traído”, como muito bem resumiu Carlos Viacava em seu artigo “A cadeia quebrada”. E o pior é que tudo isso poderia ser evitado.
O pedido de taxação de 30% não faz sentido. É um ataque a economia de mercado. A única razão para o percentual escolhido (30%) é copiar o pedido da indústria automobilística contra carros importados. Pode-se resumir como: um número grande o suficiente para inviabilizar qualquer negócio. “Quando protegidos, os negócios locais não melhoram”, diz Michael Porter, maior especialista mundial em estratégia.
E porque isso poderia ser evitado? O mercado de exportação de gado vivo é pequeno e que não está crescendo. O Brasil exporta cerca de 400 mil animais por ano. É muito pouco, o equivalente a duas plantas de 1.000 animais por dia. Ou apenas 1% do abate total brasileiro. Ou seja, é um mercado que representa apenas 1% do abate do Brasil e que não vai crescer.
E não vai crescer por questões muito simples. É muito caro exportar gado em pé. Isso só ocorre em situações e segmentos de mercado muito específicos. Quando o comprador não tem cadeia de frio para armazenar e distribuir carne resfriada/congelada e precisa levar o gado vivo para ser abatido muito próximo e no momento em que vai ser consumido. Outro motivo são as questões religiosas, quando se deseja fazer uma cerimônia religiosa que envolva o abate de um animal.
O terceiro motivo ocorre em casos muito específicos de reconstrução de rebanho ou quando um país destruiu seu rebanho comercial e quer artificialmente manter a estrutura de abates funcionando, como é o caso da Venezuela.
Ou seja, são motivos muito específicos e que não se espera que eles aumentem. Se esses fatores não se expandem, não aumenta a demanda por exportação de boi em pé. Lembrando que é muito caro transportar gado vivo em navio, da mesma forma que é muito caro trazer gado vivo do Pará, do Mato Grosso, de Rondônia para se abater em São Paulo. Isso só ocorre quando em algum lugar se tem gado muito barato e em outro há uma grande necessidade de gado em pé. Descontando-se os casos específicos que citei acima, o comprador também prefere comprar carne e não boi, pois é caro viajar com o boi vivo.
Mas eu entendo a lógica dos frigoríficos, apesar de não concordar com ela. Para quem tem frigoríficos no Pará, o JBS por exemplo tem quatro, é um novo concorrente, um novo comprador de gado. E sempre que aumentam os números de compradores, a tendência é aumentar o preço do produto. A exportação de boi em pé no Pará deve estar piorando as margens de rentabilidade dos frigoríficos de lá, e eles estão buscando formas de aumentar essa rentabilidade. Criar uma reserva de mercado é uma delas.
E porque hoje se exporta apenas gado em pé do Pará? Porque não se exporta gado em pé de SP? Porque não basta ter porto, é preciso ter preço baixo. Quando o Pará começou a exportar, tinha o preço mais baixo do Brasil. Com o “boi navio”, o preço se equiparou com as demais regiões do Brasil.
Outro ponto que apareceu nos comentários sobre o assunto, é de que o varejo é o culpado de tudo isso. Sem querer defender o varejo, eu apenas não vejo relação entre os assuntos. As margens e poder de compra do varejo são similares em todo o mundo. Não imagino que o problema seja porque aqui no Brasil o varejo aperta muito mais a indústria do que em outros países. Posso estar enganado, mas entendi isso como uma tentativa de se criar uma cortina de fumaça e desviar o assunto.
Outro ponto surpreendente da questão é que os mesmos frigoríficos que pedem a sobretaxa ao boi em pé, são os que sofrem com as restrições do governo argentino a exportação de carne. O pedido contra o boi em pé é muito parecido com o que o governo federal argentino faz contra a cadeia da carne de lá. Ou seja, desde que me seja favorável, não me incomoda uma medida injusta do governo. Acredito que o setor produtivo deva buscar uma menor intervenção do governo. Quanto menos ingerência, impostos e taxas em nosso setor, melhor.
Deveríamos lutar por menos impostos e não por mais. Vamos trabalhar para diminuir todos os impostos, e aumentar nossa competitividade como país, para vender mais carne no mercado interno e externo. Temos que procurar facilitar a exportação de todos os produtos.
E qual é um dos grandes problemas do setor? Enquanto os frigoríficos brigam com o boi em pé que representa 1% do volume de abate do Brasil, temos um problema pelo menos 30 vezes maior, que é o abate clandestino no Brasil. Esse é um tema, muito mais difícil de ser debatido e melhorado. Porém, muito mais importante para o setor. Se conseguirmos diminuir a informalidade do setor, todos ganham: produtores, frigoríficos, consumidores e até o governo. Só não ganham os informais.
Esse pedido de sobretaxa do boi em pé, me lembrou um caso antigo de ruptura entre produtores e frigoríficos. A criação de tabela de descontos e classificação, lá no início de 2005. O que desencadeou as acusações formais de cartelização do setor de frigoríficos junto ao CADE. Um momento em que as relações ficaram muito estremecidas.
Errar é normal, é humano. Na gestão de crises, os especialistas recomendam três coisas: 1-reconhecer que errou, 2-pedir desculpas e 3-agir. Acredito que a melhor receita para os frigoríficos seja seguir esses três passos. Obviamente é improvável que isso seja feito.
Temos que trabalhar para construir uma relação e uma sensação de harmonia no setor produtivo. Lembrando que estamos num negócio de longo prazo, com relações de longo prazo. Um produtor vai vender por muitos anos para o mesmo frigorífico. Faz todo sentido termos uma melhor relação entre comprador-vendedor quando se tem múltiplos negócios ao longo dos anos. Precisamos trabalhar para que isso avance e para isso precisamos de uma mudança de postura e mentalidade.
FONTE: BEEFPOINT

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