RS parte para nova tentativa de obter atestado internacional da sanidade na pecuária e conquistar espaço nos mais exigentes mercados mundiais
Caio Cigana caio.cigana@zerohora.com.br
Cercado de cautelas com as lições do episódio de Joia, 10 anos depois o Rio Grande do Sul começa a discutir uma nova tentativa de evoluir para o status de livre de febre aftosa sem vacinação. O patamar significaria a abertura dos mais exigentes mercados mundiais para a carne gaúcha, condição alcançada hoje no Brasil apenas por Santa Catarina.
Em site especial, confira áudios, fotos, vídeos e uma linha do tempo do combate à aftosa no RS.
Representaria a chance de o Estado retomar posições no ranking nacional de exportações de carne bovina e ampliar ainda mais os negócios de produtos suínos, nos quais já lidera.
– O vírus da aftosa é o agente infeccioso mais perigoso para a pecuária. Afeta a produtividade dos rebanhos. Por isso, existe a divisão em dois mundos: os países que têm e os que não têm a doença. Quem não tem vende por preço duas vezes maior – diz Victor Saraiva, chefe da seção de doenças vesiculares do Centro Panamericano de Febre Aftosa (Panaftosa).
Sem vacinar há 10 anos, Santa Catarina montou um forte sistema de defesa com investimento em estrutura, contratação de veterinários e controle de animais que apenas em 2009 custou R$ 29,4 milhões. Com o aval internacional desde 2007, estão próximos de colher os benefícios da ação.
– Santa Catarina está no processo final de aprovação para exportar para EUA, Canadá, Coreia do Sul e Japão. Esses países mais exigentes só importam de Estados sem vacinação – pontua Rui Vargas, diretor de mercado externo da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne Suína (Abipecs).
Além de ter feito a sua parte, Santa Catarina conta com a vantagem natural de ter uma fronteira com a Argentina inferior a cem quilômetros e com uma densa área de floresta no outro lado, o que dificulta o contrabando de animais. A questão da vizinhança, lembra Saraiva, é essencial. Apesar do controle deficiente das fronteiras, Uruguai e Argentina têm o escudo da vacina para barrar o vírus.
– O Rio Grande do Sul tem vizinhos em bom momento sanitário. Agora, precisa reforçar o sistema de vigilância – afirma.
No continente, o Chile é considerado um modelo de organização e conta com a barreira natural dos Andes para manter a aftosa distante. Com vizinhos mais instáveis, o Peru tem quase todo o território considerado livre sem vacinação. Manteve a imunização junto à fronteira com o Equador – país que mais teve casos na América do Sul ano passado – e fez um acordo para seus veterinários ingressarem na Bolívia e vacinarem em uma faixa próxima da divisa.
No quadro técnico da Secretaria Estadual da Agricultura, há convicção de que a estrutura do Estado se robusteceu desde o início da década, avalia o chefe do Departamento de Doenças Vesiculares da Secretaria da Agricultura, Fernando Groff.
Estado dá passo mais firme
A intenção gaúcha de recomeçar o debate sobre a possibilidade de avançar para condição de livre de febre aftosa sem vacinação é precedida pela precaução. A discussão envolve governo do Estado, indústria, veterinários, produtores e, por enquanto, não há consenso. Mesmo que todos concordem que deva ser uma meta, há discordância quanto às condições atuais de o Rio Grande do Sul subir ao mais alto degrau de status sanitário.
Para dar um passo seguro, está sendo feito um raio X da evolução da estrutura de defesa animal. O foco é encontrar as vulnerabilidades e tratar de resolvê-las. Outro ponto nevrálgico é a situação da doença no continente, em virtude da alta capacidade de transmissão do mais temido vírus da pecuária. Ao mesmo tempo, os setores da bovinocultura e suinocultura avaliam se vale a pena correr os riscos de abrir mão da vacina para poder alcançar novos mercados mundiais.
Cresce o apetite por grife no espeto
O esforço de produtores e frigoríficos para atender exigências do mercado externo acaba, por tabela, saciando o crescente apetite do brasileiro por carnes com selos de qualidade e chanceladas por associações de raças britânicas como angus, hereford e devon. Para levar à brasa cortes padronizados, com maciez e sabor garantidos, o consumidor aceita desembolsar um pouco mais, um custo necessário para dar retorno ao investimento em genética, sanidade e processos rigorosos de abate auditados até por europeus.
– Há um aumento vertiginoso na procura de carne de qualidade. No ano passado, vendíamos 20 toneladas por mês no Zaffari. Hoje, são 40 toneladas – diz o presidente da Associação Brasileira de Hereford e Braford, Fernando Lopa, acrescentando que será iniciado projeto com o Carrefour para colocar o produto em São Paulo.
– A venda de carne de valor agregado cresce 10% ao ano – afirma José Noeli Oliveira, gerente comercial de carnes do Walmart.
A propensão é notada pelo Frigorífico Silva, de Santa Maria. O diretor comercial da empresa, Gabriel da Silva Moraes, lembra que há dois anos mantinha programa do gênero com apenas um supermercado e hoje são 10 marcas em cinco redes do Estado e Santa Catarina. A qualidade no espeto dos gaúchos é tipo exportação.
– O padrão do gado é o mesmo. A única diferença é a papelada – sustenta Moraes, que diz ter problemas de oferta de gado com as especificações definidas pelas associações de raça para atender a demanda progressiva.
A salvação do assador leigo
Para quem é assador de fim de semana ou leigo sem grande afinidade com os espetos, ser conhecido do açougueiro deixou de ser a saída para levar o melhor corte para aquela confraternização com a família ou os amigos. Para o biólogo Adriano Cunha, 43 anos, vale a pena pagar mais por produtos de grife de raças britânicas e não correr o risco da surpresa desagradável de uma carne dura.
– Se paga um pouco mais por qualidade, maciez e sabor. Sei que é carne de animais jovens e produzidos a campo – dizia Cunha, enquanto aguardava um entrecôt e uma picanha de animais angus em um almoço de negócios no Restaurante Barranco, na Capital.
Suíno ao gosto do consumidor urbano
As imposições para acessar o mercado mundial transformaram a suinocultura. A evolução genética e nutricional permitiu a produção de uma carcaça com mais carne magra, enquanto as granjas ampliaram o controle sanitário e de rastreabilidade, com informações sobre alimentação e medicamentos administrados.
Para se adaptar ao consumidor urbano, foram criados produtos mais sofisticados e práticos, como carnes pré-prontas e já temperadas ou em porções menores com cortes novos como a picanha e a alcatra, explica Rogério Kerber, do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado.
FONTE: ZERO HORA
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