terça-feira, 29 de novembro de 2011

CARTA PECUÀRIA nº448

Correria, caro leitor, correria. Estava embarcando boi, sem internet, sem computador, sem como enviar o texto.
Daí o atraso.

Seguindo em frente, deixe-me expandir um pouco o raciocínio sobre o mercado de bezerro que comentamos semana passada. Quando a gente fala que o cenário dos próximos anos tem o potencial (frisa-se potencial) de ser bom para o boi, baseado no comportamento do bezerro, nem sempre essa conexão bezerro-boi fica clara na cabeça de quem lê. Esse pequeno mergulho de hoje é uma leve e despretensiosa contribuição ao debate no longo-prazo da atividade.

Do jeito que enxergo a coisa, o fluxo da pecuária é relativamente simples. A quantidade de boi gordo desse ano é consequência da quantidade de bezerros que nasceram há três, quatro anos atrás. Por sua vez, a quantidade de bezerros que nasceram três, quatro anos atrás depende de como o mercado de cria estava nessa mesma época, ou seja, se estávamos abatendo ou retendo fêmeas no período.

Ou seja, 1) o estoque de fêmeas e 2) o que esse estoque produziu lá atrás é o que rege o mercado pecuário hoje.

Hoje sabemos que o bezerro está exibindo um excelente preço. Diacho, é o melhor preço dos últimos 22 anos!, para ser mais exato. Qual a razão para esse excelente desempenho? Isso daí ainda é consequência do abate desenfreado de vacas ainda mais lá longe, entre
2002~2007. Lembra-se que o bezerro começou a subir em 2006? Pois isso foi porque em 2002, quatro anos antes, começou-se a abater as fêmeas.


Se abateu muitas fêmeas entre 2002~2007, caro leitor, era porque nesse período o bezerro não valia nada. Não pagava as contas. Uma coisa alimenta a outra. Lembre-se que chama-se ciclo pecuário exatamente por isso. É um ciclo, tal qual gosto de colocar nessa ilustração ao lado.

Quando você olha para o mercado dessa forma, você começa a dar uma importância enorme para o que ocorre nos preços dos bezerros e na movimentação dos números de vacas abatidas informadas pelo IBGE. São esses dois itens que norteiam o comportamento futuro do boi. E que norte! Dissimulado, se escondendo detrás do jogo de fumaça e cortinas. Não sabemos de que forma e por quais caminhos o mercado pecuário irá navegar até chegar nele. Temos as crises no meio do caminho, os problemas sanitários, as questões macro de mercado, etc. Mas que chegará nele, pode ter certeza, chegará.

O ponto é dizer o seguinte. As forças de longo-prazo da atividade são imutáveis, porém não nos levam em linha reta do bezerro até o boi.

Pegue o que falei semana passada. O bezerro encostou na média histórica do seu preço, enquanto
o boi gordo ainda está longe dela. O que dizer sobre isso? Bom, digo que o bezerro nesse caso e, para falar a verdade, nas ocasiões anteriores também isso funcionou, o bezerro está funcionando como um aviso. “Olhe onde estou agora e verá o boi no futuro.”

Então, com isso em mente, deixe-me mostrar outro gráfico aqui. Ele é o ágio/desconto do
bezerro sobre o boi gordo. É a divisão de suas arrobas. Esse é para mim, caro leitor, um dos
gráficos mais instigantes e desafiadores da pecuária nessa atual década.

Nos últimos 50 anos —1955 à 2005— a pecuária podia contar com suas idas-e-vindas, tal qual um bom casamento.O comportamento do bezerro e do boi funciona como um pêndulo em um lento sobe-e-desce ao longo dos anos. Esse pêndulo marca o ritmo da rentabilidade da atividade. Ele ainda funciona até hoje.

Ocorre que a partir de 2005 a coisa mudou. Mudou não, desandou. O pêndulo ficou doido, o casamento entrou naquelas fases que é melhor nem comentar. A boiada estourou e não deixou nenhuma porteira em pé pelo caminho. Repare mais precisamente a partir de 2009 alguma coisa ocorreu nisso daí. Simplesmente, caro leitor, rompemos com a história, rompemos com o passado da pecuária. Esse rompimento ainda não foi devidamente detectado por ninguém que eu conheça, pois nunca ouvi nem li nada ao respeito.

Que rompimento foi esse? Foi a sensacional valorização do bezerro perante o boi de 2009 para cá. Repare no gráfico o ágio da arroba do bezerro. A arroba do bezerro chegou a valer praticamente 50% a mais que a do boi por algum tempo. A gente acompanhou de perto essa história, certo? Lembra-se do bezerro valendo 800 reais? A arroba dele valendo no pico 135 reais? Pois é isso que esse gráfico mostra. Ele mostra o quanto a fase inicial da pecuária —o bezerro— se valorizou perante o restante da atividade. O bezerro saiu na frente, bem na frente, dos demais.

Agora, lembre-se, isso daí ocorreu de 2008~2009 para cá. Ainda estamos na sombra dessa nuvem altista do pequeno animal. Por que isso é importante para o boi gordo?

Bom, a coisa mais óbvia é que bezerro, depois que é desmamado, vira custo. É custo, é matéria prima, é gasto inicial de compra para um invernista. O bezerro, o garrote e o boi magro, por assim dizer.

O ponto que eu quero chegar é o seguinte. O bezerro está seguindo corretamente seu curso na história. Ele realmente deveria estar valendo o que está valendo. Claro que sim, depois de um enorme abate de fêmeas não tinha muito o que fazer diferente. Ele realmente ficou e ainda permanecerá em valores elevados por um tempo.

O boi, por outro lado, não. Ele, como disse, está rompido com a história.

Isso implica —e gera— uma pressão ENORME sobre a engorda de boi. Principalmente nos seus preços de venda, onde o pecuarista tem pouco controle. Considere que agora o pecuarista está aos poucos absorvendo os custos de produção em alta, a saber, o próprio animal, os custos da fazenda, etc. O salário mínimo aumentará novamente ano que vem, como aumentou esse ano, e com ele todo o dissídio de salários do campo, como todo pecuarista sabe. Isso sem falar em impostos, custo de vida, gastos com diesel, etc.

Agora, como ele irá absorver tudo isso sem ter a válvula de escape do outro lado, em termos de preços de venda do seu animal? Veja que concentro a história no boi aqui, porém é a mesma coisa e tenha em mente que a preocupação é a mesma para quem engorda fêmeas.

Olhando assim, fica difícil esperar outra coisa, outro caminho para o boi. Poderia se ajustar a coisa se o bezerro despencasse de preço? Poderia. Isso acontecerá? Não enxergo.

A saída, e foi a saída em todas as ocasiões anteriores na pecuária, a arroba do boi se ajusta para contemplar a nova realidade de custos. E, acredite quando digo, a nova realidade de custos de engorda de um boi não mais permitem uma arroba abaixo de 90 reais fora de São Paulo. Se vier abaixo, como pode vir, não sei qual será o humor do mercado, mas se vier, lembre-se que boa parte dos pecuaristas estará no vermelho na hora de vender seu boi gordo.

É isso. A coisa vai melhorar, espero. Vamos acompanhando. O ano de 2012 será muito interessante quando se olha com esse tipo de olhos —as forças que regem a pecuária— se os preços se mantiverem mornos para baixo, pode esperar sair nos jornais muita gente chiando da atividade e, talvez, arrendando para cana, mandioca, soja, teka, seringueira ou eucalipto.

FONTE: CARTA PECUÁRIA / autor ROGÉRIO GOULART

Nenhum comentário: