terça-feira, 27 de julho de 2010

Margem do varejo

Reprodução permitida desde que citada a fonte
Vamos começar respondendo um leitor de Cáceres-MT. Ele enviou a seguinte mensagem sobre rastreamento de gado.

Agradeço os boletins que você tem enviado. São de grande valia as informações e orientações, parabéns!

Gostaria que você comentasse sobre o sistema ERAS, de rastreabilidade. Hoje nos encontramos com vários problemas:

1) Preço da arroba do boi ERAS, pouco valorizado em relação ao boi comum;
2) Demora em avaliar as fazendas por parte do MAPA e;
3) Quando avaliado, a UE demora para publicar o registro que a fazenda esta apta a exportar.

Não tenho nada contra quem está hoje no ERAS. Fazendo uma brincadeira, é uma opção “individual, particular, de cada um, consigo mesmo”, mas não seria honesto se não respondesse a você indo direto ao ponto. Nós fazíamos a rastreabilidade até o final de 2007, porém, a partir daquele ano desativamos tudo. Não mais fazemos a rastreabilidade exatamente pelos motivos que você citou acima.

Porém a rastreabilidade deixou uma coisa positiva. Achamos fantástico controlar o rebanho individualmente. É uma boa e merecida evolução dentro da propriedade. Continuamos a fazer isso, só que utilizamos a marcação a fogo para tal fim.

Seguindo em frente, quero destacar um estudo que recebi pelo Maurício Campiolo, da Acrimat (Associação dos Criadores de Mato Grosso). Nesse estudo eles projetam a evolução do rebanho mato-grossense utilizando as informações contidas nos dados oficiais do gado nos relatórios de vacinação contra febre aftosa. Dentre as evidências que eles encontraram utilizando esses dados, duas são importantes.

A primeira confirma que o preço do bezerro é um fator determinante para a opção entre a manutenção das vacas nos pastos ou mandar elas para o frigorífico. Ou seja, quando o bezerro está barato, o povo manda vaca para o frigorífico. Quando ele sobe de preço, como nos últimos anos, o povo segura a vaca no pasto.

A segunda evidência é ainda mais importante. Fazendo uma evolução do rebanho até 2013 e usando os dados oficiais do número de cabeças e utilizando a expectativa de crescimento de abate dentro do estado, eles chegaram a conclusão que:

“Por conta do alto abate de fêmeas em 2006 e 2007 a oferta de boi gordo, acima de 36 meses, vai ter um forte impacto [para baixo] a partir desse ano. Em 2007 eram 1,9 milhões de cabeças de animais acima de 36 meses disponíveis para o abate, em 2010 baixou para 1,5 milhões. Tendo como base a evolução desses números, em 2011 o Mato Grosso terá um estoque de 1,25 milhão, baixando para 1,1 milhão em 2012 e 1,04 milhão em 2013.

Aqui está a resposta para aqueles que acusam o pecuarista de segurar o boi no pasto para forçar a alta da arroba. O pecuarista não está com boi pronto para abate no pasto. Os bezerros que não nasceram em 2006 e 2007 estão fazendo falta e mesmo confinando e até abatendo mais cedo os animais, não teremos boi gordo suficiente pra atender a demanda crescente.”

Comentário: Expectativa de diminuição real do rebanho de um lado e aumento dos abates do outro? Vamos acompanhar o desenrolar dessa história. Seria muito bom se as outras associações estaduais de produtores pudessem levantar suas respectivas previsões de evolução de rebanho, “hein”?

Bomba! Abaixo coloco um gráfico feito pelo pessoal da Scot Consultoria. É um estudo que queria ver há algum tempo mas não sabia como “pegar” essas informações. Casou que nem precisei de procurar. Eles fizeram o serviço para a gente!



A história é bem simples. Existe um preço em que o pecuarista vende o boi para o frigorífico. Existe um preço que o frigorífico vende a carne para o supermercado e afins (atacado) e existe um preço que o supermercado vende essa carne para o consumidor (varejo). São preços completamente diferentes, mas existe, sim, relação entre eles. Essa relação é a que dita o que vai acontecer no lado da “demanda” da pecuária, quando a gente estuda a relação demanda vs. oferta.

Um pouco de história. Faz um tempo que ficava perplexo ao ver o consumo “bombando” em vários setores. Nem é necessário ir muito longe. A gente comentou muito sobre isso nesses textos aqui mesmo. É só sair de casa e ir ao centro da cidade ou ir ao shopping. Você tem ido ao cinema ultimamente? Se não, vá. Será uma experiência reveladora.

Em uma frase: é muita gente gastando!

Daí a gente olhava para nosso setor, a pecuária, e lia em tudo quanto é lugar a mesma coisa. O consumo não está bom, não se consegue colocar carne, etc. Bom, esse gráfico mostra que isso não era verdade. Faz tempo que venho falando que não acreditava que o consumo estava do jeito que estavam falando, mas não sabia a razão. Não tinha como verificar a fonte porque as informações dos preços do varejo são difíceis de serem juntadas. Só uma equipe especializada que tem o know-how e tempo para buscar isso. Agradeço ao pessoal da Scot por esse trabalho. Vocês soltam muitas notícias todos os dias. Recebo todas. Mas tem ocasiões que vocês acertam “na veia”.

Eis porque a razão desse meu entusiasmo. A carne no supermercado vem subindo desde 2006 até hoje, mas por alguma razão, a partir de meados de 2008 a coisa desandou. Quero dizer, desandou para o frigorífico e também para o pecuarista. Observe no gráfico na página anterior. A carne vendida pelo frigorífico caiu, mas a carne no supermercado não caiu.

Pelo contrário! Ela só fez subir desde então, mas essa alta não foi repassada para a cadeia pecuária. Amigo, nem os frigoríficos pegaram parte dessa alta da carne vendida! Eu não fico muito indignado com facilidade, mas esse gráfico mostra o absurdo que é a concentração de venda no varejo e o que eles conseguem fazer com o preço da carne.

Você acha que o frigorífico não está te pagando direito? Isso é brincadeira de criança se comparado ao que o varejo vem fazendo conosco, com o nosso setor. Aí chega um dirigente da Abras (Associação Brasileira de Supermercados), não me lembro qual, e diz: “Está insatisfeito? Abra um açougue, então.”

Quero dizer, tivemos a crise de 2008, a arroba caiu de preço, o frigorífico abaixou o preço da carne vendida, mas no supermercado a carne não caiu. Aproveitando-se da fragilidade do setor, onde o frigorífico fragilizado tinha que pedir “pelo amor de Deus” para o supermercado comprar a carne dele à vista, os caras sentaram em cima com gosto. Conseguiram segurar o preço que eles pagam por praticamente dois anos.

Como tudo na vida, um dia a coisa sobe, outro dia a coisa cai, até mesmo essa diferença de preço entre o atacado e o varejo, entre o frigorífico e o supermercado, que hoje está alta, parece que está chegando ao limite. O supermercado não está conseguindo repassar mais alta na carne, então para lucrar mais ele tem que comprar mais carne. Segundo puderam me contar, venda de carne corresponde a 12% do faturamento de um supermercado.

É aqui nesse ponto que entra atualmente o ânimo dos frigoríficos em pagar um pouco a mais pelo gado. Não é necessariamente falta de boi gordo que está fazendo a arroba subir, a meu ver. É a demanda por carne aqui dentro do Brasil quanto pelo exterior que está levando os compradores dos frigoríficos a partir para garantir bois gordos / vacas gordas para atender a essa demanda.

Isso é, de longe, uma excelente notícia.

Grosso modo, ainda segundo esse mesmo gráfico, de 2009 para cá a carne no supermercado e afins subiu aproximadamente 23%, enquanto a carne do frigorífico ficou inalterada, não subiu nada. A arroba do boi gordo não está no gráfico, mas posso te dizer que também ela não subiu nada nesse período.

Isso significa que há um espaço propício para os frigoríficos aumentarem seus preços de venda da carne e também, espero, há espaço para um aumento da arroba do boi nessa onda.

Rapaz, esse segundo semestre nem começou direito e a maré parece que está virando.

Vamos acompanhar mais para ver o que isso representará nos preços da arroba até o final do ano.

Ah, uma última palavrinha. Essa alta recente na bolsa trouxe novamente à tona boas oportunidades de fazer seguro de preço dos bois na bolsa. Está bom para, pelo menos, segurar o custo de produção. Aliás, já está melhor que isso. Já se consegue fazer seguro de uma arroba a R$80,00/@, à vista, por um preço bem barato na bolsa.

Para quem terá boi gordo nesses próximos três a quatro meses, é um momento interessante para olhar com carinho essas operações.

A operação se chama comprar opção de venda. Ou, mais tecnicamente, comprar put. Comprar o 80 putpara outubro, por exemplo.

Fale com o seu corretor de bolsa.

FONTE: SCOT CONSULTORIA
AUTOR: ROGÉRIO GOULART

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