Em discurso nesta quarta-feira (29), a senadora Kátia Abreu (PSD-TO) protestou contra uma investida de frigoríficos brasileiros que querem taxar a exportação do boi vivo, o chamado gado em pé, em 30% sobre o volume exportado. Segundo a parlamentar, as indústrias consideram que a venda de bois vivos para fora do país enfraquece a cadeia produtiva, mas no fundo intentam criar uma reserva de mercado.
- Querer tributar o setor primário brasileiro? Com meu silêncio não. Tenho certeza que o Ministério da Agricultura não vai permitir esse retrocesso. Se tiver que taxarexportação, tem que taxar soja, minério, só boi não - afirmou.
Os frigoríficos - representados pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras deCarne (Abiec), a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo) e a União das Indústrias Exportadoras de Carne (Uniec) - afirmam que a exportação do boi vivo diminuiria a oferta de carne para consumo interno, o que elevaria o preço, e deixaria de gerar empregos no país. A senadora, entretanto, afirmou que 80% da produção brasileira são para consumo interno, e que nos 20% exportados, também há reses para reprodução, transferência de tecnologia brasileira, não apenas para abate. Ela lembrou ainda que as fazendas no país empregam mais de 15 milhões de trabalhadores.
Na opinião de Kátia Abreu, os frigoríficos hoje estão "provando do próprio veneno", pois quando houve uma queda abrupta do preço do gado, há cinco anos, produtores tiveram que matar vacas, já que não eram remunerados adequadamente na venda. Quando os convém e o preço está baixo, afirmou, vale a lei da oferta e da procura, mas quando o preço começa a se restabelecer, aí os frigoríficos vão ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio pedir a criação de uma reserva de mercado, criticou a senadora. Kátia Abreu alertou para o fato de que a Argentina seguiu por esse caminho, taxou as exportações e hoje enfrenta crise.
- Vamos repetir o exemplo distorcido e transferir a renda do produtor, que trabalha desol a sol, para o dono de frigorífico que fica no ar-condicionado? Não - afirmou.
Leia seu pronunciamento na íntegra:
Sr. Presidente, colegas Senadores e Senadoras, o Brasil há muito tempo fez uma opção sábia pela democracia, e os pilares da democracia todos nós conhecemos de cor: a livre iniciativa, o livre mercado, o Estado de Direito, o direito à propriedade, as liberdades individuais – este é o mais precioso pilar da democracia deste País e de toda parte do mundo.
Mas, Sr. Presidente, todos aplaudem a democracia e os seus pilares. Às vezes, apenas da boca para fora. Às vezes, só quando lhes convêm. Às vezes, praticam o livre mercado e a livre iniciativa com uma mão única, de uma via só. Quando é para ser de duas vias, esquece a democracia, esquece o livre mercado, o Estado de Direito e o direito, inclusive, de propriedade.
Estou falando, Sr. Presidente, de mais uma investida dos nobres frigoríficos deste País que querem agora taxar a exportação de boi em pé. Querem taxar a exportação de boi em pé em 30%, e o argumento deles chega até ser emocionante.
Esses frigoríficos, representados pela Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), pela Abrafrigo (Associação Brasileira de Frigoríficos) e pela Uniec (União Nacional da Indústria e Empresas da Carne), uniram-se, meia dúzia de frigoríficos, foram até o Ministro do Desenvolvimento pedindo para taxar um rebanho que representa 200 milhões de cabeças neste País.
Dos cinco milhões de produtores rurais, Sr. Presidente, dois milhões e meio são pecuaristas, de todos os tamanhos, a grande maioria pequenos pecuaristas e médios pecuaristas, que são em torno de 82% desses dois milhões e meio. Eles querem praticar mais uma vez a reserva de mercado, Sr. Presidente, com um lindo argumento de que vai faltar abastecimento no País, e todos já sabem de cor e salteado que, de toda a produção de carne do Brasil, o consumo interno é abastecido com 80% de toda carne produzida. Apenas 20% da carne no Brasil é exportada. Os brasileiros são nossos preciosos consumidores. E, assim, sempre se utilizam dessas ameaças para a sociedade, de que comida vai faltar, de que o preço vai subir, se os produtos primários forem exportados. Só que eles se esquecem, quando fazem a conta dos bois exportados, de dizerem também que, nessas exportações, nós estamos exportando boi em pé PO, de qualidade, puro de origem, que servem como reprodutores e que não estão indo para abate. Muito pelo contrário: é o know-how do Brasil, que não é só especialista em produção de grãos, mas especialista em tecnologia pecuária de altíssimo nível.
Eles são, Sr. Presidente, aqueles defensores da agregação de valores. Dizem que o Brasil precisa agregar valores, que o Brasil não pode exportar matéria-prima porque isso vai tirar o emprego.
Sr. Presidente, eles querem de verdade é criar reserva de mercado, abaixar o preço do boi aqui dentro, aumentar os seus lucros, para esconder não só os seus ganhos, mas às vezes até a sua incompetência.
Já estamos cansados de ver frigoríficos por aí que quebram de fachada, devem a produtores rurais; mas, no dia seguinte começam a comprar boi à vista porque perdem o crédito para vender a prazo. Se ele quebrou, como é que começa a comprar boi à vista? Com que dinheiro, Senador Jayme Campos? De onde será que vem esse dinheiro para comprar boi à vista? Justamente um frigorífico que quebra de fachada, como estamos acostumados a ver todos os dias no País. Pesam o nosso boi no frigorífico, não aceitam pesar o boi na fazenda e ainda não nos dão garantia nenhuma de um aval de um banco sequer se vão nos pagar depois de 30 dias. E nós ficamos com o boi cinco ou seis anos até ele chegar na hora final. Os mais tecnológicos às vezes chegam em dois anos e meio, três, uma pequena elite deste País, mas o grosso, a grande maioria dos pecuaristas deste País ainda não tem a grande tecnologia para ser aplicada e, portanto, ficam anos até chegar à finalização do seu boi para depois vender para um frigorífico e não receber! Lá no meu Estado, a gente chama isso, Senador, calote.
Agora, o que acontece? Nos últimos cinco anos, tivemos uma queda abrupta nos preços da pecuária, os produtores tiveram prejuízos incalculáveis, ficaram deprimidos, mataram fêmeas, mataram vacas! Esses frigoríficos agora estão tomando o amargo veneno que eles próprios colocaram no País, porque, lá atrás, quando os preços foram deprimidos, naquele tempo, aí sim: “é lei de mercado, é a oferta e a procura”. Nesta hora, vale a democracia com o livre mercado, a livre iniciativa, o direito de propriedade, quando o preço está baixo! Quando o preço começa a se restabelecer: “não, nós precisamos de uma reserva em favor da proteção do abastecimento brasileiro”.
Sr. Presidente, é muito cinismo para quem ainda se apropria de grande parte do dinheiro subsidiado, subvencionado do BNDES, financiando meia dúzia de empresas escolhidas a dedo para que possam se colocar no País. Quem dera pegar esses milhões e milhões, comprar um frigorífico apenas, R$7 bilhões, e emprestar para que os pecuaristas mantivessem as suas matrizes, para que não as vendessem para sustentar o preço, sustentar a sua renda! Mas um dia eles disseminam o veneno; outro dia bebem desse próprio veneno, porque, lá atrás, quando o preço estava deprimido, excesso de boi na praça, em vez de eles cuidarem da cadeia e pagar um pouco mais aos produtores rurais, não, pisaram nos produtores, que tiveram que matar vacas. O que aconteceu agora? É óbvio que o rebanho diminuiu! Agora é a nossa vez, agora é a vez de o preço subir! Eles deixaram os produtores matarem as suas fêmeas porque não quiseram pagar o preço justo!
E agora têm a coragem, com o dinheiro do BNDES no bolso, dinheiro da população brasileira, de se dirigir ao Ministério do Desenvolvimento e pedir que taxe o boi em pé, minúsculo mercado, um nicho de mercado. Não passa de 400 mil cabeças; nós temos 200 milhões de cabeças neste País. Isso se escoa, praticamente, pelo porto do Pará – Barcarena –, 96% de quatrocentas e vinte e poucas mil cabeças por um porto só, para a Venezuela. Quase 80% desses bois vão para a Venezuela e mais um pouquinho – 18% – para o Líbano.
Que risco é esse? São dois países. Um só consome 79% e outro, o Líbano, 18% e ficam apenas 3% para outros países.
Sr. Presidente, ali está o Pará, ali está o Tocantins, ali está o Maranhão, ali está o Piauí, Estados que ainda não têm autorização para exportar para a Europa, porque não estão livres da aftosa sem vacinação, com vacinação. E é a Europa que paga os preços melhores.
Quando esses produtores, com toda dificuldade, acham um nicho de mercado para acudi-los… Porque ainda existe a questão ambiental, que não foi solucionada. O Código Florestal não foi votado. Esses produtores não têm reserva legal, mas não é porque são criminosos, mas porque a reserva legal lá atrás era 50% e depois passou para 80%. Quando eles, pobres mortais, conseguem um nicho de mercado ali na Venezuela, correndo alto risco de não receber – vocês sabem muito bem por quê – os senhores grandes frigoríficos do País querem que taxem em 30% o boi gordo. Eles querem o beneplácito do Estado na hora de se sustentarem com financiamento público barato, subvencionado pela sociedade, e depois querem esmagar uma cadeia de pobres, que não têm renda, e querem que o Governo os proteja, colocando 30% de imposto.
Ah, Sr. Presidente, faça-me o favor!
Há horas em que eu fico cansada, sinceramente cansada, de ver tanta hipocrisia e tanta coragem desses senhores de irem até o Ministério do Desenvolvimento e pedirem que seja feita uma reserva de mercado para eles.
Portanto, Sr. Presidente, eu encerro dizendo que a Austrália, o Canadá, os Estados Unidos, o México, a União Europeia, todos, exportam boi em pé porque lá praticam o livre mercado com mão dupla, não é de uma mão só não.
Tanto não aceito taxar e não concordo com que taxem o boi em pé, como também não concordo que taxem a indústria. Temos de ter coerência, Sr. Presidente: nem só para o mar nem só para a terra. Eles estão reclamando dos impostos, mas querem que tributem o setor primário brasileiro.
Não, Sr. Presidente! Com o meu silêncio, não!
Tenho certeza absoluta de que o Ministério da Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento deste País não vão permitir esse retrocesso, porque, se tiver que taxar o boi, vai ter que taxar a soja, o algodão, o café, o minério, vai ter que taxar tudo. Só boi, não! Eles foram escolhidos, os premiados para serem financiados pelo BNDES. Agora querem escolher aquela categoria ao contrário. Querem fazer uma lista negativa daqueles que não podem exportar sem impostos. Ah, faça-me o favor! Nós moramos no Brasil e os Senadores da República e os Deputados Federais têm responsabilidade para com o País, assim como o Governo Federal.
Da Redação / Agência Senado
(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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