quarta-feira, 16 de junho de 2010

Unanimidade na expectativa para a arroba

Reprodução permitida desde que citada a fonte
Começamos a acompanhar o mercado de boi aos 19 anos de idade. Imagine só, dezenove anos... Um menino. Ainda era barriga verde na coisa toda. Veja você, imagine o quanto a gente era atrapalhado. Fomos pegar o jeito mesmo da coisa quando trabalhamos em corretora de mercado futuro em São Paulo. Ali, sim... ali a ficha caiu.

Entre as coisas que aprendi, aprendi uma coisa simples, mas poderosa, nessa época. Fixou em minha cabeça que nem cola. Imagine que você está em uma operação ou está querendo entrar em uma operação de mercado. Está em dúvida se entra ou sai dela?

Simples. A jogada de mercado no momento é fácil de ser executada? É? Então não faça. Normalmente indica ou indicará problemas. Indica que a operação está errada ou se tornou muito popular. “Popular” é uma forma de dizer que a operação está próxima da morte por inanição. Se todo mundo está “nela”, quem está fazendo a contraparte?

Qual a jogada de mercado que está fácil hoje? O que é popular hoje?

Não sei o que você acha, mas para mim é esse mercado sem reservas baixista... e está vindo baixista a algumas semanas.

Sabemos que em toda polarização há ausência de sabedoria. Vamos colocar um “porém”, alguns “mas” nessa coisa? Vamos jogar um feixe de luz e espalhar dúvida em toda essa certeza? Vamos embaralhar as cartas da jogada baixista do mercado?

Seja cético. Sempre desconfie do mercado, caro leitor. A gente não nasce com essa desconfiança — você aprende a suspeitar do mercado com o passar do tempo. A verdade é simples, elegante, quase óbvia. Se a tendência primária dos preços (alta ou baixa) fosse fácil de ser identificada, todo mundo já estava rico operando boi na bolsa. Ou em qualquer outro mercado.

Obviamente existe mais gente que perdeu dinheiro, do que ganhou na bolsa, então acho que na prática a coisa é mais difícil que parece. Não teria razão de nós escrevermos esses textos semanais se o mercado fosse fácil de ser lido e compreendido corretamente.

Lembre-se que a idéia aqui é olhar o mercado com os olhos bem abertos. Não estou insinuando nada, nem direção de preços. Vamos fazer de conta que é a primeira vez que olhamos para o mercado do boi, ok?

Mas como observar o mercado corretamente? Bom, para isso a gente começa com uma pergunta bastante pertinente. Existe uma sensação de baixa. Essa sensação de baixa tem razão de ser? Quero dizer, os fatos do mercado estão baixistas para corroborar um sentimento tão espalhado e polarizado nessa direção? É uma baixa movida a vento ou é uma baixa real?

Vamos tentar responder essa pergunta fazendo outras. Vamos para a 1ª pergunta. A arroba está caindo ou subindo de preço?

A arroba está subindo de preço em 2010. Você parou para reparar? Esse ano, ou melhor, desde dez/09, a arroba está subindo, como podemos ver abaixo. Saímos de R$72,00/@ ano passado para R$82,00/@ hoje.



A arroba está subindo em meio a um discurso baixista muito forte, vindo principalmente dos produtores e de especuladores de bolsa. Não tenho escutado essa conversa baixista dos frigoríficos, por exemplo. Ultimamente eles estão ausentes nessa conversa. Isso dá o que pensar.

Em segundo lugar a alta da arroba está acontecendo ao mesmo tempo em que as escalas de abate estão se estreitando.

O que é a escala de abate? Um frigorífico não compra boi para abater amanhã, caro leitor. Ele não pode se dar ao luxo disso. Ele precisa se organizar com certa antecedência ao abate, além do que ele precisa de certa previsão de animais comprados para atender suas vendas. Imagine um frigorífico que abate 1.000 animais por dia. Ele começa a comprar hoje. Comprou 2.000 animais. Se ele abate mil por dia, já tem fechado dois dias de abate. Amanhã ele abaterá mil dessas cabeças compradas, certo? Então só terá sobrando 1 dia de escala, porque só tem mais mil cabeças sobrando. Se ele comprar daí mais três mil, terá quatro mil cabeças compradas, a de amanhã e mais três dias para frente, ou 4 dias de escala de abate.



Hoje as escalas de abate em São Paulo estão girando ao redor de 5 dias. Já foram bem maiores há uns meses e estão iguais a junho de 2009.

Ampliando um pouco mais a perspectiva e olhando para estes dois gráficos semanais, vemos que “a baixa” ou o movimento de baixa iniciado em 2008 já atingiu seu objetivo. Observe na figura abaixo como batemos lá embaixo e agora estamos retornando ao movimento de alta iniciado em 2006.



Já coloquei esse estudo aqui antes, mas é bom repetir. A arroba completou a queda quando atingiu essa região dentro desse quadrado vermelho.

Isso já aconteceu antes? Sim, entre 1996~2001, entre 2002~2005 e está acontecendo agora entre 2006~2010.

Lá atrás a arroba subiu, depois de completar seu objetivo de baixa. O mesmo que estamos vendo agora.



Obviamente, nem tudo são flores. Apesar de estarmos em alta no que tange a análise de longo prazo, no curto-prazo realmente a arroba atingiu um topo quando bateu nos R$83,00/@. Observe no gráfico a marcação do retângulo vermelho.



Resta saber agora se esse foi o topo do ano ou se foi apenas um topo intermediário. No longo prazo estamos confiantes em dizer que esse foi um topo intermediário, mas no curto prazo não saberíamos dizer.

Só para resumir, porque pode ficar confuso isso tudo que falamos. A arroba está subindo no longo prazo. Nesse campo nada mudou e estamos em linha com o que aconteceu no passado, na história do preço da arroba. No curto prazo, porém, a arroba atingiu um topo importante ao redor de R$83,00/@.

Agora estamos nisso aí. Estamos oscilando entre R$80,00/@ e R$83,00/@.

Isso nos leva à segunda pergunta. Para onde a arroba vai? Bom, isto depende do que você enxerga para o futuro da pecuária. Depende do peso que você dá para a relação entre oferta e demanda, entre a capacidade de consumo da população no mercado interno e a capacidade de exportação de nossa indústria. Depende também do que você está enxergando da oferta de animais para os próximos meses.

Existe, dizem, um vácuo de oferta entre agora e a entrada dos bois confinados. Se você reparar no gráfico das escalas de abate verá uma brusca diminuição da escala entre junho e agosto do ano passado. Mas isso, no ano passado, não fez a arroba subir. Pelo contrário, a arroba caiu.

Ocorre que 2010 não é 2009. A começar pelo número propriamente dito. Dois mil e dez é maior que 2009. Milha filha nasceu no finalzinho de 2008 e ela não se parece em nada com uma recém nascida agora em 2010. Ano passado não tínhamos copa do mundo. Este ano temos.

Na pecuária também um ano faz muita diferença. As exportações voltaram a aumentar esse ano, a economia brasileira está crescendo forte em 2010, contra um desempenho pífio em 2009. Há uma nítida falta de animais de reposição. Ano passado não tínhamos esse mesmo problema.

Mas esse negócio da oferta é meio místico. Por exemplo, 46 milhões de bezerros/bezerras nasceram por ano no Brasil nesses últimos sete anos, segundo o AnualPec 2010. Entre 2006, 2007 e 2008, nasceram, em média, 44 milhões. Se esses números estão corretos, hoje temos dois milhões de animais a menos para o mercado comprar, entre boi gordo, boi magro, vacas e novilhas. Não é pouca coisa.

Então, veja você como são as coisas. Os preços estão reagindo em alta, tardiamente, ao desequilíbrio da oferta de animais. É claro que estão reagindo tardiamente!
Tivemos no meio do caminho a maior crise de crédito da história desde a crise de 1929. Você esperaria outra coisa? O pessoal joga para baixo a importância da crise na evolução da arroba, mas para mim os seus impactos estão sendo sentidos até hoje. A crise tirou uns R$10,00 da arroba.

Então os preços estão em linha com os fundamentos. Há uma escassez de oferta e uma demanda razoável. Se há falta de animais, a forma de medirmos isso é através dos preços em alta. “Hei”, não é isso que está ocorrendo? Mas tudo bem, talvez a equação agora não esteja pendendo para uma alta forte. Temos a questão do frango barato, também.

Mas também a equação não está sugerindo uma baixa forte.

Então de onde, diacho, está vindo esse discurso tão baixista para a arroba?

Não sei o que poderá ocorrer no curto prazo. Também não sei ao certo se o discurso baixista está correto. Não sinto essa baixa como correta. Nem os preços estão demonstrando isso, nem os fundamentos.

Veja você que aqui não dei minha opinião. Só listei o que está acontecendo nos gráficos. Só disse o que é factual na evolução dos preços. É intrigante, mesmo com tantas evidências, o povo estar baixista.

Ou o povo sabe de algo que não sei, ou o povo está equivocado, ou o povo não está refletindo direito o que está acontecendo na pecuária em 2010.

Existe um ditado de mercado que encaixa no espírito do texto de hoje.

“Quando todo mundo está pensando o mesmo, ninguém está pensando.”

Fonte: Scot Consultoria

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