quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Debate técnico e jurídico a respeito do conceito da venda a rendimento de carcaça

O peso da pecuária na economia nacional, envolvendo milhões de produtores e meia dúzia de empresas frigoríficas, necessita de instrumentos de proteção aos pecuaristas que isoladamente não possuem poder de barganha e tampouco conhecimento técnico para lutarem pelo real valor da sua mercadoria.
Somente com a intervenção de nossas entidades representativas mobilizando parlamentares ligados ao agronegócio é que se poderá conseguir a regulamentação desta modalidade de compra, há anos praticada, somente pelo interesse do comprador, que estipula conceitos e condições, definições de pontos de pesagem.
Não conheço muito bem a história, mas pelo pouco que estudei, sei que no tempo das charqueadas, o pagamento do gado era feito pelo número de unidades da tropa e empiricamente conforme seu peso. As tropas eram adquiridas vivas e pagas no ato com moedas de ouro ou promissórias de poucos dias para serem descontadas nas principais casas comerciais onde situavam as charqueadas. Com a frigorificação, os americanos e ingleses (Swift, Armour, Anglo, Wilson) passaram a utilizar balanças instaladas em estações de trem e algumas propriedades privadas. Se chamavam balanças credenciadas. Igualmente o gado era pago pelo seu peso vivo.
Não sei a partir de quando começou a venda "a rendimento", mas com toda a certeza foi imposta unilateralmente pelos frigoríficos, que nesta modalidade tiraram do produtor o controle do valor da sua mercadoria.
Antes a forma de comercialização era objetiva. Pesa tanto. Vale tanto. Depois, cada frigorífico impôs seus critérios de classificação, descontos, pontos de pesagem, etc. Estes critérios nem sempre são éticos ou juridicamente justificáveis e pela brutal concentração, o produtor rural tornou-se o elo mais fraco da cadeia. O hiposuficiente econômico. E por questão de sobrevivência obrigado, a sujeitar-se as condições de pagamento, preços e classificações depois do gado morto. Depois da rês abatida não há como desistir do negócio.
Abaixo exemplifico algumas práticas realizadas pelos frigoríficos e que na minha visão jurídica, salvo melhor juízo, são ilegais, antiéticas e abusivas, e por isto invoco um estudo e debate técnico e jurídico, a nível nacional como é a abrangência do BeefPoint.
- HEMATOMAS: Antes da pesagem da carcaça são retirados fartamente os hematomas ocorridos durante o transporte dos animais.
O artigo 496 do Código Civil/2002 assim preconiza:
Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador.
Como a tradição (entrega) é feita na fazenda, então a partir do embarque do gado os riscos são do frigorífico. O produtor não tem de responder por qualquer fato ocorrido depois, sejam hematomas acidentes ou qualquer outro evento. Dispõe também a lei comercial que a responsabilidade por fatos ocorrido durante o transporte é objetiva do transportador. Quer dizer, a culpa sempre é do transportador, salvo os casos fortuitos ou da força maior.
- CISTICERCOSE: Hoje o MARFRIG, desconta 20% do valor da carcaça que apresentar cisticercose viva, por necessitar de tratamento de frio por 6 dias. Questiono? De onde surgiu este número? Pelo que sei, o congelamento da carcaça não acarreta quebra de 20%, e o aproveitamento econômico pelo frigorífico é quase igual ao da carne resfriada.
- TUBERCULOSE: Aqui no sul, como no Uruguai e Argentina, a venda se realiza por intermédio de corretores/consignatários credenciados pelos frigoríficos. Estes corretores sempre revisam o gado antes do carregamento e na maioria das vezes descartam os animais que não interessam ao frigorífico. Assim a escolha é feita pelo comprador. Não raras vezes o produtor em uma tropa de gado completamente gordo é surpreendido pelo desconto de uma rês que apresentava tuberculose. É claro que existem casos onde o frigorífico envia o atestado fornecido pelo SIF, mas existem situações onde o vendedor nunca vê tal atestado, mas aí já é caso de Polícia. Mesmo assim com o fornecimento do atestado, a bibliografia veterinária assinala que pela variabilidade de sintomas e lesões, bem como o caráter crônico da tuberculose, fazem com que o diagnóstico clínico tenha um valor relativo, proporcionando apenas um diagnóstico presuntivo. Entendi pela leitura do material ofertado pela internet, que os sinais clínicos habituais são cansaço, perda de apetite, perda de peso, febre flutuante, tosse seca intermitente, diarréia e gânglios linfáticos grandes e proeminentes. Bom, acredito que um boi ou vaca gorda, naturalmente, não possa ser portador de tuberculose, mas deixo esta indagação para os técnicos, e ressalto minha dúvida em certas avaliações porque a única prova certa para atestar tuberculose é pela prova da tuberculina. O diagnóstico definitivo é efetuado através de cultura de bactérias em laboratório, um processo que exige pelo menos oito semanas.
Neste tema, certa vez, impetrei uma ação de um produtor contra um frigorífico, alegando que a escolha do gado foi feita pelo comprador, e que mesmo condenada a carcaça, havia aproveitamento econômico pela graxaria, e que tal risco era parte da atividade negocial do frigorífico. Ganhei a ação e o produtor recebeu o dinheiro.
- MÍUDOS E SUBPRODUTOS: Aqui vem o ponto que considero mais polêmico sob o ponto de vista jurídico. Abatido o boi, feita a toalete, é pesada a carcaça. Sobre este peso é que vai ser estipulado o valor da rês. Esta sistemática é feita por ser considerada a carne o ÚNICO bem comercial obtido. Tanto que na venda ao varejo, o preço é determinado em razão do preço pago ao produtor.
Vou tentar simplificar meu raciocínio. Se vendi a carne, não deveria o frigorífico me devolver os miúdos subprodutos, cálculos bilhares, cabeça, língua etc..? Quanto isto representa no valor da rês? Porque a cabeça não é pesada junto com a carcaça, se dela sai a língua e carne indústria? O que é literalmente a carcaça? Porque os rins e o sebo, também não são pesados junto com a carcaça?
Penso as vezes entabular uma ação judicial, chamada Prestação de Contas, para obrigar um frigorífico a me informar a destinação dos miúdos e subprodutos que a meu ver ele se apropria indevidamente, já que o que vendo e recebo é somente pela carne e sua quantidade. Não recebi pela língua, rim, fígados, entranhas, mondongo, couro sebo etc.
Poderão contestar dizendo que miúdos e subprodutos pagam o custo de abate, mas eu revidarei dizendo que frigoríficos não são prestadores de serviços, e se fossem não comprariam o gado, e o custo para abater e encargo da atividade comercial deles e não minha.
Também poderão contestar também dizendo que o preço fixado pela carne corresponde a remuneração do animal inteiro e que o rendimento seria só um parâmetro. E ai eu revidarei também questionando, a razão de terem fixado 2% de quebra pelo resfriamento, se o boi no momento que entrou no caminhão não é mais meu e sim do frigorífico.
Vale a pena a título de informação pensar nestes dois artigos do Código Civil, que regulam a compra e venda que abaixo transcrevo:
Art.487 É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação.
Art. 489 Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.
É muito interessante e esclarecedor a segunda parte do artigo 487, que determina a licitude da fixação do preço em momento posterior, desde que suscetíveis de objetiva determinação. Poderia dizer que na venda a rendimento não existe uma objetiva determinação. Não há nenhum acordo anterior a venda que permita toalete de certo tecidos e também porque os parâmetros variam consideravelmente.
O artigo 489, prevê a nulidade do negócio quando ao fixação do preço é ao arbítrio de uma só das partes, mas neste caso também é impossível ressuscitar o boi e devolvê-lo ao pecuarista.
Estes são só alguns exemplos do que ocorre. Existem muito mais argumentos jurídicos, mas entendo que o caminho não é de litígios individuais, mas a regulamentação legislativa pela pressão social e política, onde se busque dentro de vários itens, a proibição de desconto por quebra de frio; a obrigação do fornecimento de Nota Promissória Rural na venda a prazo, visto que garante ao produtor crédito privilégio na hipótese de quebra da empresa, ou quem sabe, até mesmo proibindo a aquisição de matéria prima na modalidade de "rendimento".
E ainda, olhando mais profundamente a situação entendo também que cabe hoje a intervenção do Ministério Publico, tutor dos interesses difusos, para agir em defesa da enorme coletividade de produtores rurais, que sofrem os abusos econômicos e que também podem ser acionados pelos nossos sindicatos, para obrigar as indústrias a termos de conduta como firmamos quando somos fiscalizados por órgãos ambientais e trabalhistas, quando nos encontram na mínima irregularidade.
Desta maneira, devido ao conceito e penetração deste prestigiado site, sugiro, que incentive um debate, no mais alto nível, destas questões que afetam um conjunto enorme de produtores pecuários, hoje hiposuficientes, diante do poderio econômico e monopólio dos frigoríficos, chamando ao debate pecuaristas que possuem formação jurídica, que posso dizer que são milhares neste país.

Saudações,
Eduardo Piccoli Machado.

Fonte: BeefPoint

Nenhum comentário: